Cinema Europeu? Sim, Por Favor | Canino

 

Vencedor do prémio Un Certain Regard em Cannes e nomeado para Melhor Filme Estrangeiro pela Academia em 2010, Canino (de título original Kynodontas) foi realizado em 2009 pelo grego Yorgos Lanthimos. O realizador, nascido em Atenas, tem um gosto especial por cenários hipotéticos e absolutamente absurdos, homenageando o insólito.

Significativamente nomeado e premiado em Cannes, Lanthimos veio colocar o cinema grego na órbita europeia através da sua estética e poder de argumento brilhantes, numa altura em que, um pouco à imagem de Portugal na Europa, também a Grécia se encontrava à parte no seio das obras mais conhecidas dos falantes de língua estrangeira.

canino

Em Canino, voltamos a reviver um pouco da dinâmica da última análise europeia (A Pele Onde Eu Vivo, de Pedro Almodóvar), onde assistimos a um ambiente de enclausuramento forçado. Apesar da temática relativamente similar, a película de Yorgos Lanthimos diferencia-se pela demência.

O primeiro ato do filme é marcado pelo reconhecimento do terreno, onde é apresentada uma família peculiar com hábitos estranhos, jogos malvados e exigências macabras. Neste ninho de criaturas especiais, moram o Pai e a Mãe, que obrigam os filhos (já, claramente, na idade adulta) a permanecer entre eles, ensinando-lhes regras próprias dignas de um filme de terror – onde as palavras indesejadas têm significados distorcidos e as orações se apoiam na ignorância.

Os três filhos, compostos pelo irmão, a irmã mais velha e a irmã mais nova, brincam entre si jogos que testam os limites da saúde e que comprovam o comportamento animalesco e o desejo de sentir dor – para sentir algo? Pouco falam, pouco se mexem, nada vivem.

Profundamente ligados à existência canina, usando a língua para confortar e cultivando o acasalamento desprovido de qualquer sentimento ou prazer, é no segundo ato que tomamos noção de que os irmãos são obrigados a viver quase como uma matilha, juntamente com os seus progenitores – cultivando o ódio a seres estranhos e a obediência ao chefe.

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Numa história em que o drama poderia ultrapassar a estranheza, lidamos com uma crueza muito fria e sólida, digna do processo de socialização dos filhos e da alienação dos pais – que mais nada têm e em que mais nada acreditam, criando uma bonita e plausível analogia para a opressão excessiva.

Com todas as bases para romantizar idealisticamente o seu filme, Lanthimos opta por criar uma bolha impenetrável onde não existe lugar para sentimentalismos ou recaídas de afeto, mas apenas ingenuidade. Aqui, a única solução é um beco, um mito – um dente no chão.

MJB

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