Aquele pedacinho de alma

Mergulhem connosco numa viagem à infância e adolescência da geração dos anos 90! Recordem com carinho aquele pedacinho de alma que vos conquistou!

AQUELE PEDACINHO DE ALMA

Esta crónica está implicitamente ligada a um desabafo e a um regresso às origens, retratando o carinho que sinto pela televisão e na forma como ela intrinsecamente faz parte da minha vida.

É inevitável quando estamos entre amigos e memórias da nossa infância e/ ou adolescência surgem em conversa, especialmente quando se fala dos primeiros desenhos animados que nos roubaram um pedacinho da nossa alma e que, ainda nos dias de hoje, os recordamos com saudade e nostalgia. Lembro-me de quando era pequeno; um menino que acordava de manhã cedo para ligar a televisão porque estava a dar o Buereré ou o FunTotil, entre outros. A necessidade involuntária de clicar na SIC ou na TVI não era pela Ana Malhoa nem das idiotices que se faziam nos programas, mas sim por aquele momento especial em que eles anunciavam os cartoons que iriam dar durante as emissões.

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Sou do tempo em que o Tom & Jerry e os Looney Tunes imperavam na televisão; aquelas patetices tão puras e tão genuinamente divertidas que suscitavam um impulso quase que inconsciente de rir. Ver o Bip Bip estragar a vida ao Coiote, ou o Tweety a acusar o Silvestre com o “eu vi, eu vi um gatinho!”, o Bugs Bunny escapar como uma vedeta de uma série de vilões e o Tom nunca conseguir apanhar o Jerry, fazem parte da minha memória; guardo-os com um carinho especial porque, como qualquer criança dos anos 90, eles foram o motivo por que me apaixonei pela televisão. Assim que fui crescendo, os desenhos animados sofreram alterações, a animação japonesa parecia ter invadido o que outrora era o reino cartoons de poucas falas e sem uma história de fundo plausível. Recordo-me que na altura eram vistos como desenhos animados violentos e que levaram crianças por todo o mundo a ter comportamentos inaceitáveis mas, qualquer jovem que se preze não ligava a isso. Chegou o Dragon Ball, a Sailor Moon, os Cavaleiros do Zodíaco e os meus olhos brilhavam ao ver aqueles desenhos tão únicos e tão característicos, com temas musicais que ficavam dentro da minha cabeça e de lá não saiam; personagens que exploravam mundos novos, enfrentavam mauzões difíceis de vencer e, no final do dia, eram todos amigos. Apercebo-me, agora, do quanto importantes eles eram porque fizeram-me ter a noção de Bem e de Mal, reconhecer os valores como a amizade, confiança e o saber viver e ainda ilustrar que a vida não é um mar de rosas, e que nela há desafios constantes e obstáculos que temos de superar; no fundo, eles ajudaram a moldar uma personalidade ainda em crescimento e, apesar das críticas negativas e conservadoristas da altura, eles tornaram-se essenciais na vida de qualquer criança.

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Um pouco mais tarde, assim que a animação japonesa continuava a elaborar novas histórias cativantes e originais, chegou o Pokémon, o Digimon, Oliver & Benji, Doraemon e o Samurai X e estes são aqueles que recordo com maior saudade. Isto porque não só eram (os primeiros) bichinhos engraçados, como metaforizavam a adoção animal e reforçavam o moralismo de que um animal de estimação é um amigo para toda a vida; o sucesso dos Pokémon e dos Digimon, desde uma corrida frenética aos quiosques para comprar cromos, tazzos e todo o merchandising disponível, até a uma escapadela à Worten para ter um Game Boy, é inquestionavelmente um fenómeno televisivo que comprova que a televisão consegue manipular e retirar o maior proveito dos seus espectadores mais ingénuos. O Samurai X, que acompanha as aventuras de Kenshin Imura, um guerreiro samurai, é um visceral exercício de televisão; um daqueles que me fazia tapar os olhos quando as coisas ficavam agrestes, que me maravilhava particularmente pelas suas magníficas personagens e humor subtil. A fase da adolescência passada a ver Kenshin na sua jornada individualista e que se transforma numa abordagem familiar de redenção, acabou por ensinar que viver em sociedade não é fácil e que nem todos têm as melhores intenções para connosco.

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Numa fase mais tardia e quando o Cartoon Network estava mais ativo em horário nobre, os desenhos animados pareciam ter regredido visualmente, passando para aqueles com um desenho simplório e história linear, como por exemplo Cow and Chicken, Johnny Bravo, Dexter’s Laboratory ou até mesmo as Powerpuff Girls. O que me agarrava a estes não era propriamente os cartoons em si, mas o humor genial que todos tinham. Ninguém resistia quando o Dexter escorraçava a Deedee do laboratório, nem quando a Cow metia o Chicken no nariz (só porque sim), quando o Johnny Bravo levava tampas das moças que tentava engatar ou mesmo quando o Presidente das Powerpuff Girls precisava de ajuda para abrir o frasco dos pickles. Todos estes icónicos momentos conduziam a umas valentes gargalhadas e, apesar de não saber muito de inglês naquela altura, foram pioneiros na aprendizagem da língua em si. O Cartoon Network impulsionou as sátiras que agora imperam na televisão, como The Simpsons, American Dad ou Family Guy; estas novas figuras animadas estão atrás de um argumento audaz e estratégico que explora os podres americanos e a sua sociedade plástica e presunçosa. Aqui, há uma clara evolução do próprio conceito de desenho animado, em que a inocência e ingenuidade típicas de uma criança jovem são levadas a um crescimento geracional e que inadequa estes desenhos às suas tenras idades.

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Sendo assim, pode-se dizer que a animação no televisor foi um marco importante na minha vida e, certamente, na vida de muitos outros. Fui crescendo ao mesmo tempo que os desenhos animados e acompanhei esta maturação do conceito; vi o seu esplendor e a sua originalidade (que agora está cada vez mais precária através da aborrecida tecnologia do 3D que acabou por arruinar esta ideia de “crescimento geracional”). Chorei, ri, vivi mas acima de tudo guardei-os na minha memória e no meu coração. A televisão proporcionou-me uma infância feliz e diferente e educou-me tanto quanto podia. É caso para dizer que esta saudade e nostalgia do que víamos quando éramos ainda uns “cachopos” faz-nos reviver aquele pedacinho de alma que nos definiu enquanto indivíduos.

Texto escrito por: Jorge Lestre

Será esta animação aquele pedacinho de alma da vossa geração?

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