MONSTRA ’21 | Competição Curtas 2, em análise
A MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa fechou a 1 de agosto com as sessões de vencedores. Estas são as impressões dos filmes que vimos ao longo dos últimos dias.
Estivemos presentes, a 27 de julho, no Cinema São Jorge, para assistir à segunda sessão da Competição Internacional de Curtas. São estas as nove obras exibidas, as quais passamos de seguida a analisar.
O ANIVERSÁRIO DO PISHTO ( RÚSSIA, 2020, 11′)
De: Sonya Kendel
A história do Aniversário do Pishto.
“Pishto Goes Away” é uma curta-metragem produzida pelo Ministério da Cultura da Rússia, acerca de Pishto, um jovem que, num dia frio de outono, decide abandonar de vez a sua casa. Uma história simples sobre falhas de comunicação e sentimento de exclusão, Pishto é um filme familiar exibido já em perto de 40 festivais internacionais.
Pishto que explorar mais para além do seu pequeno mundo, vida familiar e quotidiano agrícola. Será que o mundo lá fora é capaz de suplantar o conforto do lar?
Esta é uma obra muito simples, quiçá excessivamente, que não deixa de primar pelo rigor da animação.
Classificação: 70/100
A CEGONHA ( ESTÓNIA, 2020, 16′)

De: Morten Tšinakov, Lucija Mrzljak
Enquanto fumava na varanda, o Cidadão Cegonha tem um momento de clareza, e apercebe-se que afinal não é uma pessoa, e sim um pássaro. Enquanto isso, um homem e uma mulher almoçam. Quando um cuco salta do relógio, o homem sai à pressa do apartamento. A mulher e a cegonha encontram-se…
Da Eesti Joonisfilm, a mesma casa de cinema animado que nos trouxe o irreverente “Kosmonaut”, “A Cegonha” é uma surreal exploração da sensualidade humana aliada ao sentimento de libertação sexual. Espaço aqui também para um gesto arrojado de dissociação, em que o Homem (e a Mulher) escapam dos seus condicionalismos do quotidiano através da personificação de figuras livres e férteis. Neste caso a figura da cegonha, não só associada à fertilidade como ao voo.
Ao longo dos 16 minutos de filme, vários símbolos visuais remetem-nos para a importância do êxtase e da libertação. A fixação por relógios, temporalidades e rituais induzidos pelas condicionantes do tempo regem uma obra pintada em tons secos e povoada por elegantes figuras onde a humanidade se parece por vezes fundir com a animalidade. Um triunfo no arranque desta competição curtas 2 na MONSTRA 2021.
Classificação: 89/100
PRÍNCIPE NUMA PASTELARIA (POLÓNIA, 2020, 16′)

“Príncipe numa Pastelaria” é uma história aparentemente humorística sobre a felicidade. Porque “a felicidade só traz problemas”, diz o Não-Tão-Pequeno Príncipe, que multiplica os exemplos destes problemas. O seu interlocutor é Prickly Pear, a personificação da despreocupação, do coração leve, da alegria de viver, mas ao mesmo tempo uma mente activa e inteligente que faz o Príncipe pensar antes de falar. Esta parábola filosófica sobre um casal a comer bolos num café aborda problemas fundamentais comuns a toda a gente – a intangibilidade da felicidade, e como nem sempre a compreendemos, quanto mais vivê-la ao máximo.
O existencialismo tem a sua mais bela das representações em “Prince in a Pastry Shop”, uma parábola acerca da impossibilidade, natureza não palpável e fugaz da felicidade.
Esta é uma animação estonteantemente deslumbrante, composta na sua vasta maioria por animadores especialistas em desenho tradicional 2D, a qual bebe inspiração do livro “Prince in a pastry shop”, de Marek Bieńczyk. O filme teve a sua estreia mundial apenas em junho de 2021, estando agora a percorrer a sua rota de festivais. Promete enfeitiçar e sugar para este mundo à là Lewis Carroll.
Classificação: 85/100
VÊ-ME (PAÍSES BAIXOS, 2020, 8′)
De: Patty Stenger, Yvonne Kroese
Quando ninguém te vê, parece que desapareces. Só quando cais, é que pareces pertencer, e só por um bocadinho.
“See Me” é uma história bastante criativa acerca de negligência infantil, narrada da perspetiva de uma criança que se procura entreter numa festa dedicada apenas a adultos.
Enquanto todo o enredo deste “Vê-me” é extremamente bem pensado, por vezes irónico e não raramente cruel para os seus vis co-protagonistas, a animação é um livro aberto de influências e estilos díspares. A animação digital e tradicional casa-se com os recortes e com as marionetas, criando um visual em tudo disforme e dissonante. É um esforço visualmente enigmático, embora pouco apelativo.
A reação que os vários elementos visuais provocam no espectador podem ser mesmo viscerais, ajudando a intensificar a estranheza da noite e a desadequação de todo o evento para a jovem menina que o vive, procurando ser vista a todo o custo…
Podendo não ser consensual, esta obra sem dúvida é uma das mais memoráveis desta Competição de Curtas 2. Original, distinta, invulgar, assim é a criação de Patty Stenger e Yvonne Kroese. O trailer da curta pode ser visto aqui.
Classificação: 80/100
O PASSEIO (CANADÁ, 2020, 4′)

De: Yoakim Bélanger
Mulheres de todas as idades emergem das sombras e juntas caminham em direção a uma luz. Guiadas pelos seus instintos, irão enfrentar e transcender os seus próprios limites.
Yoakim Bélanger, artista multidisciplinar sediado em Montreal, surgiu no panorama das artes através do seu trabalho na pintura, o que não poderia ser mais evidente neste seu “The Walk”, um exuberante grito feminista que se assemelha a uma pintura que ganha vida. A sua arte caracteriza-se, de forma frequente, pela ligação ao corpo e às emoções humanas, das quais não se dissocia aqui.
Quanto a esta pequena obra ambiciosa, foi por ele escrita, editada e produzida. O seu envolvimento passou ainda pela criação a três mãos de uma sonoridade que se destaca largamente. Por fim, criou também o design de produção minimalista mas impactante.
Podemos ouvir o realizador a falar sobre o filme a propósito do Palm Springs Film Festival, aqui.
Classificação: 80/100
SOGNI AL CAMPO (FRANÇA, 2020, 9′)

De: Magda Guidi, Mara Cerri
Um rapaz procura o seu gato ao longo de um rio. Não vai encontrá-lo. Prestes a morrer, afastou-se de tudo para encontrar intimidade. A criança chega às portas do tempo, onde os mortos desaparecem e os vivos os deixam ir. A criança tem medo, e entra numa floresta de símbolos e memórias. Cresce e as ilusões de criança dissolvem-se e misturam-se com a paisagem.
“Sogni Al Campo”, como o nome indica, é uma obra para lá de abstrata e lírica, com as suas fundações alicerçadas no sonho e não na realidade. Reinando o esotérico nesta curta exibida no Festival MONSTRA, é difícil aferir um rumo claro dos acontecimentos. A obra permite e até incentiva a abstração de quem a vê. Sem significações estanques ou caminhos narrativos auto-evidentes, o filme conduz a consciência para novos caminhos sensoriais.
Quanto à animação deste conto, é estonteante. Pintada à mão recorrendo a lápis, lápis de cor e tinta acrílica, “Sogni Al Campo” vence pela simplicidade e não artificialidade do seu traço. A obra, que competiu em 2020 em Veneza, foi ainda nomeada a prémios em Filadélfia e no Dok Leipzig e prima pela sua composição de imagem subtil e evocativa das memórias mais profundas da humanidade.
Caso tenham perdido a exibição na MONSTRA, a curta pode ser alugada no Vimeo por 1,95€.
Classificação: 85/100
SUSPENSÃO (PORTUGAL, 2020, 7′)

De: Luís Soares
Deitado na cama de um pequeno quarto, um homem está num impasse, incapaz de decidir. No quarto minimalista e na cidade geométrica, o tempo está suspenso, dentro e fora dele. Enquanto isso, um homem observa, ao lado a lado com umas flores secas, vermelhas. Inação. Pressionado pela repulsa e pelo desespero, parece vislumbrar-se brevemente uma saída: entre ciclos de análise e sequências quebradas, a possibilidade do erro.
Mais uma curta-metragem de ficção extremamente metafórica e abstrata nesta segunda sessão de curtas na MONSTRA 2021. “Suspensão” integra não só a Competição Internacional, como também a Competição Nacional de Curtas.
Esta é, do ponto de vista estético, uma obra muito simples, com linhas retas e minimalistas. Contudo, o visual é perfeitamente coerente com a temática da criação. De acordo com o realizador e com a nota de intenções, o seu objetivo passaria por explorar todas as ramificações de um momento de indecisão e as suas consequentes tensões. Trata-se de um estudo sobre “micro-acções”, sejam elas mentais ou emocionais.
O peso da indecisão é uma temática pós-moderna fortíssima, a qual torna a obra de Luís Soares particularmente incisiva.
Classificação: 83/100
A MENINA PARADA (PORTUGAL, 2021, 9′)

De: Joana Toste
Uma menina perde-se da mãe e recusa-se a sair do mesmo lugar. Um polícia impede todos os outros de a obrigarem a mexer. A menina parada e o polícia que a guarda param o trânsito e agitam os corações da cidade.
Da produtora Sardinha em Lata, casa de animação nacional que em 2021 também estreia na competição da MONSTRA – nacional e internacional – a co-produção “The Monkey”, chega-nos o novo filme da realizadora Joana Toste (“A Gruta de Darwin”, para ver aqui).
Animação tradicional simples num argumento desprovido de pretensão e verdadeiramente apropriado para todas as faixas etárias. “A Menina Parada” fala-nos de carinho, tolerância e respeito pelo outro. Projeta, a partir de um pequeno gesto do quotidiano, uma excecional aventura estonteante e mediática. Um pequeno tesourinho que fecha em grande esta Competição de Curtas 2 na MONSTRA.
A MONSTRA decorreu, em 2021, entre 21 de julho e 1 de agosto.
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