10 filmes para recordar o Dia contra a Discriminação Racial
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O passado dia 21 de março, sábado, não só assinalou o Dia Mundial da Poesia como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.
Por isso focamo-nos agora em Cinema que procura agir contra o Racismo – seja a sua acção propensa a reivindicar ou promover tolerância.
Em Portugal, há muito que celebramos este Dia Internacional contra a Discriminação Racial. Contudo, como é que esta data surgiu? Uma “celebração” algo recente, o dia foi criado após o massacre de Sharpeville, perpetuado pelo regime sul-africano do apartheid e contra a população negra, em 1960. As feridas do racismo e segregação continuam bem vivas e o cinema, muito além da função de entretenimento , pode também assumir uma função pedagógica – ensinando-nos através da ficção, do trabalho documental e da reflexão sobre o passado outras formas de garantir um futuro distinto.
Seguem-se dez títulos essenciais para celebrar uma data que não só precisa de ser lembrada, como honrada com acções sociais e políticas concertadas.
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“WITHIN OUR GATES” DE OSCAR MICHEAUX (1920)
Começamos esta lista com um pedaço de história fundamental. “Within Our Gates”, obra de 1920 que se encontra já em acesso público, é tida como a mais antiga longa-metragem realizada por um artista afro-americano a sobreviver até à data. O seu realizador, Oscar Micheaux, é considerado um pioneiro não só do cinema racial como do cinema independente.
Lançado 25 anos depois da primeira projecção dos irmãos Lumière, a qual comemorou 125 anos no passado dia 22 de março, e apenas 5 anos depois do lançamento do intolerante “O Nascimento de Uma Nação” (1915), “Within Our Gates” é uma memória do cinema mudo (ou surdo) a não esquecer. O filme recorda a situação racial dos Estados Unidos no início do Século XX, incluindo o movimento de reincidência do KKK ou a grande migração de negros sulistas para o norte.
Esta obra, criada fora do grande sistema de estúdios de Hollywood que começava a erguer-se, enquadrava-se dentro de um cinema racial realizado com a audiência negra em mente. Ao contrário de muitas das suas produções contemporâneas no circuito, aqui temos o exemplo de um não recurso à utilização de atores brancos para retratar personagens negros (“black face“).
O filme conta precisamente a história de uma migração. A protagonista, uma professora chamada Sylvia Landry, viaja do Sul para o Norte com um objetivo – angariar fundos para abrir uma escola para estudantes negros com carências sócio-económicas e que habitam no sul profundo. A personagem carrega consigo um pesado passado e a promessa da inversão de paradigmas. Um grito ativo contra a discriminação racial.
“SOMBRAS” DE JOHN CASSAVETES (1958)
John Cassavetes foi um pioneiro na cena indie norte-americana. O emblemático ator, realizador e argumentista estreou-se atrás das câmaras precisamente com este “Sombras” ou “Shadows” – no original. O drama romântico retrata, de forma inaugural, a natureza da discriminação racial nas relações inter-pessoais. Neste seu argumento uma mulher afro-americana com uma tez clara apaixona-se por um homem branco que apenas repara na etnicidade da sua namorada quando conhece o irmão da mesma, visivelmente mais escuro. Esta realização traz conflito ao casal e elucida uma problemática até então pouco abordada no cinema daquele país.
Este “Shadows” é marcado também pela sua musicalidade, pelo jazz que percorre toda a duração do filme. Um filme sobre paixão, relações inter-raciais, inocência, a era Beat e a energética Nova Iorque dos anos 50. “Shadows” sente-se inacabado mas também iluminado – pulsando de energia. Um mergulho rumo ao improviso que promove a aceitação e tolerância.
“DILEMMA – A WORLD OF STRANGERS” DE HENNING CARLSEN (1962)
Uma co-produção entre a Dinamarca e a África do Sul, “Dilemma” é um filme arriscado que retratou a situação do Apartheid no momento preciso em que estava a decorrer na África do Sul.
Esta obra gravada em Johannesburg mascarou o seu verdadeiro tema, e fez-se filmar em secretismo sob o falso pretexto de criar um documentário musical numa época em que a temáticas raciais seriam abafada pelas autoridades. Por isso, temos em “A World Of Strangers” um dos exemplos mais flagrantes de cinema de resistência nesta lista. O filme baseia-se num romance escrito por Nadine Gordimer, vencedora do Prémio Nobel. Aqui, filmaram-se e registaram-se as caras do Apartheid.
A história acompanha Toby (Ivan Jackson), um jovem empresário inglês que chega à África do Sul para se encarregar de uma editora. Desconhecendo a acção do Apartheid, trava amizade tanto junto da elite branca como junto daqueles que lutam contra a discriminação racial e segmentação populacional perpetuada neste país. Depressa começa a compreender a opressão existente no país….
“NA SOMBRA E NO SILÊNCIO” DE ROBERT MULLIGAN (1962)
Numa década tão urgente como a de 1960, no que a questões raciais diz respeito, recuperamos assim mais um título de 1962. Desta vez, saltamos da realidade do Apartheid para o racismo endémico nos Estados Unidos da América. Uma obra “óbvia” nesta galeria, mas de certa forma fundamental, relembramos “To Kill a Mockingbird”. Baseado num dos mais importantes romances lidos, ainda hoje, nas escolas norte-americanas, esta é uma lição apresentada através do olhar inocente das crianças e permite-nos ver a sociedade e os seus vícios de uma forma mais pura. A obra da autora Harper Lee, lançada em 1960, tornou-se um sucesso instantâneo, venceu o Pulitzer e é considerada um clássico fundamental.
A adaptação cinematográfica de 1962, liderada pela prestação de Gregory Peck (“Férias em Roma”), venceu três Óscares e é ainda hoje uma obra de referência na ficção acerca de discriminação racial e contra a mesma. No filme realizado por Robert Mulligan, Peck dá vida a Atticus Finch, um advogado sulista que defende um homem negro erroneamente acusado de violação. A sua família torna-se por extensão um alvo de preconceito contra o qual procura lutar.
“BLACK PANTHERS” DE AGNÈS VARDA (1968)
Em 2019, como forma de homenagem à falecida Agnès Varda, o “MICAR – Mostra Internacional de Cinema Anti-Racista”, Mostra organizada pela Associação “SOS Racismo”, a mais ativa organização contra o Racismo em Portugal, exibiu a obra documental “Black Panthers”. A curta em formato documentário regista os protestos do verão de 1968, em Oakland, contra a prisão da influente figura Huey P. Newton – membro fundador dos Black Panther. Este partido político foi uma organização urbana socialista revolucionária que agiu em defesa da população negra nos Estados Unidos da América, e que continua a ser retratada de forma recorrente na ficção e documentário cinematográfico.
No âmbito da realização deste filme, Agnès Varda entrevistou dezenas de intervenientes com o intuito de desenhar, dois anos após a sua fundação, um movimento de luta contra a discriminação racial e pró direitos civis nos Estados Unidos da América. Focou-se no programa político em causa e no papel da liderança deste grupo. Acima de tudo, retrata um dia numa causa maior. Uma manifestação em específico, com as suas reivindicações assim cristalizadas no tempo.
“NÃO DÊS BRONCA” DE SPIKE LEE (1989)
Spike Lee rima com obras mordazes, anti-discriminação racial, de elevada carga política, sarcásticas, irreverentes, polémicas e únicas. O realizador afro-americano, originário do estado sulista da Georgia, esteve há pouco nas bocas do mundo com o seu estupendo “BlacKkKlansman: O Infiltrado”, pelo qual venceu o seu primeiro Óscar na categoria de Melhor Argumento Adaptado. É mais conhecido pelo seu drama histórico “Malcolm X”, de 1992, mas hoje relembramos o seu “Do The Right Thing” – um favorito dos fãs.
Esta sua comédia dramática situada em Brooklyn retrata um dia de verão marcado por elevadas temperaturas e dinâmicas de tensão racial. Um pequeno incidente resulta numa demonstração de violência policial que escala de forma inesperada e imparável. Sem um tom sisudo ou de pregação, como é habitual no trabalho de Lee, acompanhamos uma viagem vertiginosa até aos meandros do ódio e discriminação racial. Uma reflexão sobre tensões e relações raciais numa América sempre dividida. Tão atual em 1989 como em 2020, assim é o legado do trabalho de Spike Lee.
“PARIAH” DE DEE REES (2011)
Dee Rees é mais conhecida pelo seu trabalho de realização em “Mudbound – As Lamas do Mississipi”, uma narrativa de época sobre dois jovens, um negro e um branco, que se procuram readaptar à vida rural no Mississipi depois de terem combatido na Segunda Guerra Mundial numa Europa destruída e onde preconceito de raça não era uma questão dominante ou urgente. Por este filme foi nomeada ao Óscar de Melhor Argumento Adaptado, tornando-se a primeira mulher afro-americana, em 2018(!!), a ser indicada nesta categoria.
Antes de “Mudbound” (2017) Rees tinha já despertado a curiosidade do mundo com a sua curta universitária “Pariah”, a qual lançou em 2007. A curta que produziu e realizou recuperava a narrativa de uma adolescente lésbica negra a procurar evitar a rejeição da sua família e pares. Esta reflectia, em parte, a sua própria narrativa biográfica. Em 2011, a sua estreia no formato da longa-metragem foi com “Pariah” – uma nova atualização desta história. O filme apresenta-nos Alike, uma adolescente que vive em Brooklyn, e mostra-nos como esta tenta conciliar a realidade de ser negra e gay num ambiente familiar conservador. Uma história que procura ser específica e ao mesmo tempo reflectir valores universais. Não só sobre discriminação racial, mas também sobre o peso real da homofobia. Um filme urgente e marcado por uma impecável prestação central.
“12 ANOS ESCRAVO” DE STEVE MCQUEEN (2013)
Steve McQueen é um exemplar realizador que conta com muitas curtas e ainda poucas longas-metragens na sua filmografia. Depois de uma maravilhosa estreia no formato longa com “Fome”, em 2008, seguiu-se-lhe o intenso “Vergonha” em 2011. Ambos localizados num reino mais afeto ao cinema indie e de festival, foi com “12 Anos Escravos” que McQueen se lançou ao mainstream e marcou pela primeira vez presença rigorosa na temporada de prémios cinematográficos. “12 Anos Escravo”, lançado em 2013, é um drama histórico biográfico de dimensões épicas. Narra, com elevada empatia e apenas laivos ocasionais de melodrama, a história verídica de Solomon Northup, um homem negro livre oriundo de Nova Iorque que foi raptado e vendido com escravo.
A sua epopeia de regresso até casa durou 12 anos, e foi traduzida em 130 agonizantes minutos onde Chiwetel Ejiofor entregou o papel da sua vida como protagonista. Lupita Nyong’o”, como ilustre desconhecida, saiu naturalmente oscarizada numa obra nomeada a 9 Óscares, que além de Melhor Atriz Secundária levou ainda Melhor Filme e Melhor Argumento Adaptado em 2014.
Esta obra marcou a história dos Óscares, tendo este sido o primeiro filme realizado por um cineasta negro a vencer a categoria principal. Foi também a primeira obra vencedora de Filme do Ano a ser escrita por um afro-americano (John Ridley). “12 Anos Escravo” é mais do que um lugar comum sobre discriminação social, é o monumental e visceral retrato do sofrimento que devemos ver removido do mundo. Um olhar fixo num passado vergonhoso, mas que vislumbra um futuro distinto.
“FRUITVALE STATION: A ÚLTIMA PARAGEM” DE RYAN COOGLER (2013)
Ao contrário de muitas outras narrativas sobre racismo e discriminação racial que se centram no colectivo, “Fruitvale Station” transporta-nos para o micro-cosmos individual de uma vida humana. Uma vez mais uma história verídica, esta “Última Paragem” foi favorita do público e venceu ainda o Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, e tornou célebre a estrela em ascensão Michael B. Jordan. Foi esta a estreia, bem recebida, de Ryan Coogler no formato da longa-metragem. O argumentista e realizador deste filme viria, em breve na sua carreira, a operar transformações na diversidade presente em grandes produções de Hollywood. Não tivessem sido as suas criações seguintes “Creed”, também protagonizado por Jordan, e o hino de libertação e orgulho “Black Panther”, posteriormente em 2018.
“Fruitvale Station”, a sua estreia, é assim também a sua obra mais intimista e tocante. Menos sobre grandes movimentos e mais sobre injustiça social no quotidiano, a brutalidade policial é o gatilho que motiva este retrato acerca de uma alma anónima merecedora de ver a sua história contada. O filme recupera o último dia de vida do jovem Oscar Grant, que com apenas 22 anos foi assassino a tiro por um agente policial na noite da Passagem de Ano de 2009 no âmbito de um desacato público. “Fruitvale Station” peca talvez por fazer do seu protagonista quase santo, mas é competente no seu retrato de injustiça. Apesar de puxa lágrima e pouco focado nas ramificações do crime perpetuado, esta comovente história que passou por Cannes, Toronto, Zurich, Rio de Janeiro ou até Lisboa (LEFFEST) na sua rota de festivais merece o lugar que ocupou- o de uma história que transporta um alerta.
“I AM NOT YOUR NEGRO – NÃO SOU O TEU NEGRO” DE RAOUL PECK (2016)
Este documentário realizado pelo argumentista, produtor e realizador haitiano Raoul Peck foi em 2017 nomeado ao Óscar nesta categoria e venceu nos BAFTA em 2018. Tudo isto depois de já ter tido uma estrondosa recepção aquando da sua rota festivaleira, a qual durou entre o final de 2016 e o final de 2018. Foi ainda premiado com o Prémio do Público na Berlinale e no TIFF – Toronto International Film Festival.
O inegável sucesso passou pelo Indie Lisboa em 2017, onde apaixonou também a crítica e público nacional. Este documentário narrado por Samuel L. Jackson recupera grandes eventos do século XX, utilizando-os como ponto de referência para uma reflexão atual. Como ponto de partida, Peck recorreu ao manuscrito inacabado deixado pelo escritor negro James Baldwin. Um manuscrito composto por memórias de grandes activistas, todos eles amigos de Baldwin, todos eles assassinados: Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King.
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Que outros títulos gostariam de ver nesta lista?
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