©Juan Pablo Ramírez/Filmadora

74ª Berlinale | O Mundo Como se Fosse La Cocina

“La Cocina”, do escritor e realizador mexicano Alonso Ruizpalacios (“Una película de policías”), foi o filme mais forte do dia. Protagonizado pela actriz Rooney Mara (“Millennium 1 – Os Homens Que Odeiam as Mulheres”) e pela estrela mexicana Raúl Briones (“Una película de policías”), trata-se de uma atribulada história de amor, a preto e branco, que se passa, num só dia numa movimentada cozinha de um restaurante de Times Square.

Durante a correria dos almoços, uma elevada quantia em dinheiro desapareceu da caixa registradora do restaurante. Os cozinheiros, quase todos imigrantes ilegais, são investigados pelo representante do patrão, sendo que Pedro (Raúl Briones), um sonhador e ao mesmo tempo um tipo explosivo e conflituoso, é o principal suspeito do roubo. Pedro está apaixonado por Julia (Rooney Mara), uma das empregadas de mesa, norte-americana que não se quer comprometer com um relacionamento sério, ainda por cima, com um imigrante ilegal. Enquanto isso, o dono do restaurante promete ajudar Pedro com os seus documentos de imigração, ao mesmo tempo que uma chocante revelação sobre Julia, obriga Pedro a envolver-se numa das suas várias encrencas, que interromperá de uma vez por todas, a culinária e a linha de produção de pratos, numa das cozinhas mais movimentadas da cidade.

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Baseado na aclamada peça “La Cocina” do dramaturgo britânico Arnold Wesker — o Teatro Experimental de Cascais, estreou-a em 2007 e apresentou-a em streaming durante o confinamento —, é uma tragicomédia que homenageia não os requintados Chefs — que actualmente ganharam estudo de estrelas e tema de outros filmes — mas antes as pessoas invisíveis, os cozinheiros, os ajudantes, os imigrantes ilegais, que confecionam a nossa comida nos restaurantes da moda, ao mesmo tempo que sonham com uma vida melhor. “Comecei a sonhar acordado com este filme quando fui lavador-de-pratos e empregado de mesa no Rainforest Café, no centro de Londres, durante os meus tempos de estudante”, diz Alonso Ruizpalacios, para explicar com lhe surgiu a ideia do filme.




VÊ TRAILER DE “LA COCINA”

“La Cocina” funciona também como uma metáfora da cozinha, vista como o mundo estratificado, conflituoso e desigual, onde permanece uma luta de classes. “Foi também nessa altura que estava em Londres, que li pela primeira vez a peça ‘The Kitchen’, de Arnold Wesker, na qual o argumento deste filme é vagamente baseado. Ler a peça ao mesmo tempo, que trabalhava numa cozinha industrial tornou essa experiência muito mais interessante e as pesadas jornadas de trabalho mais suportáveis”.

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“Fiquei impressionado com o complexo sistema de estratificação, que ainda existe nas grandes cozinhas e que na verdade é uma parte essencial do que as mantém em funcionamento. Tal como acontece com a tripulação de um navio, a hierarquia não é algo que é encarado levianamente por trás das portas dos restaurantes”. E neste filme a cozinha, funciona como uma espécie de vestíbulo do mundo em que vivemos: representa um espelho uma grande cidade contemporânea e cosmopolita, que tanto pode ser Nova Iorque como Lisboa, como se fosse um babel de vozes, línguas, desejos, indivíduos com as suas mais diversas particularidades.




A COZINHA DO MUNDO

No meio destes personagens estão os seus obstáculos da vida, que têm de ser ultrapassados: a papelada para a legalização, as questões do capital e do emprego, os sonhos de cada um e, claro, o desejo também que essa grande cozinha um dia se silencie para que possam voltar a escutar, por pouco que seja, o mundo lá fora. No caos daquela “La Cocina” está a entropia do mundo e a constante repetição das tarefas de servir, um prato de comida é feita de gestos automáticos, como numa linha de montagem ou a automatização.  Ruizpalacios, mais conhecido pela sua estreia em 2014, com Gueros, diz que “nesses tipos de lugares, conhece-se todos os tipos de pessoas de todos os cantos do mundo que nunca conheceríamos fora do trabalho”, sobre este mundo do catering e das cozinhas.

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As cozinhas tornam-se um microcosmo de como o mundo funciona. É como um sistema de castas que se desenvolve. O que me atrai nesse assunto é como sobreviver num lugar como este. E a única maneira é através da amizade e da camaradagem”. “La Cocina” marca um excelente regresso de Rooney Mara desde “Women Talking – A Voz das Mulheres”, nomeado ao Óscar 2022 e um dos três filmes que a actriz fez desde 2021, após um período prolífico com 10 filmes entre 2015 e 2017.

JVM

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