Memoria/Festival de Cannes ©

74º Festival de Cannes (Dia 10): Os Sons da Memória

O novo filme do cineasta tailandês, Apichatpong Weerasethakul, intitulado ‘Memoria’, proporciona-nos mais uma viagem mística-filosófica, que escuta as vozes da natureza, das pessoas e afinal também de extra-terrestres. Desta vez levando, Tilda Swinton para a Colômbia, que também lhe ajuda a pagar a conta.

A propósito da estreia aqui na competição de ‘Memoria’, o novo filme de Apichatpong Weerasethakul, recordei-me da polémica em torno da Palma de Ouro de Tim Burton entregue a ‘Tio Boonmee….’, em 2010. Desde então, acho que continuo com imensa dificuldade em pronunciar o nome de Apichatpong Weerasethakul, (que prefere para facilitar que o tratem por Joe). Mas antes da Palma de 2010,  já Apichatpong andava por Cannes e já havia vencido o Prémio do Júri de Un Certain Regard pelo encantamento de Tropical Malady’, em 2004. Seis anos após ‘Cemitério do Esplendor’, que abriu também, Un Certain Regard em 2015, Weerasethakul parece ter-se tornado definitivamente, um ‘produto’ e um efectivo do Festival de Cannes. Regressou na quinta à tarde ao Grand Théâtre Lumière e à Competição de Cannes com ‘Memoria’, o seu primeiro filme rodado fora da Tailândia. E goste-se ou não dos seus filmes Apichatpong Weerasethakul, ganhou um enorme prestígio internacional, basta ver-se nos créditos finais todas as parcerias e financiamentos que conseguiu para ‘Memoria’.

VÊ TRAILER ‘ MEMORIA’

Uma co-produção EUA-Colômbia, a oitava longa-metragem do tailandês é protagonizada por Tilda Swinton (também produtora executiva do filme) no papel de Jessica Holland, uma produtora de orquídeas. Morando em Medellín, esta expatriada vai para Bogotá para ficar com sua irmã (Agnes Brekke) que está doente. Na casa do cunhado, é acordada no meio da noite por um baque (ou um estranho ruído, que parece um disparo) cuja origem não consegue identificar. Um ruído que se torna recorrente e que ela parece ser a única a ouvir ao longo do filme e que terá uma mais do que improvável explicação. Em suas andanças pela cidade, Jessica conhece um engenheiro de som (Juan Pablo Urrego) com quem tenta recriar esse estranho som num estúdio; e uma arqueóloga francesa (Jeanne Balibar), que trabalha na escavação de um enorme túnel em construção nos Andes, onde foram encontrados ossos humanos de 6.000 anos; ou com o estranho eremita que afinal é um extra-terrestre.

Memoria
Memoria /Festival de Cannes ©

Apichatpong Weerasethakul muda de continente, mas mantêm-se fiel ao seu estilo e às suas reflexões eco-místicas. Encontramos no seu novo filme, todos os elementos que constituem o seu universo e seu cinema, que sempre foi marcado pela questão da memória, da vida da morte, do sonho e da ilusão. Depois de explorar o motivo da metempsicose — teoria da transmigração da alma, de um corpo para outro — em ‘Tio Boonmee…Aquele Que Lembra As Suas Vidas Passadas’, o tailandês interessa-se desta vez pelos rastos das das nossas vidas, pelos objetos deixados, e principalmente sobre a natureza que nos cerca. Por isso o título ‘Memoria’, que aliás ja tinha sido explorado — em termos das memórias audiovisuais —  também numa das suas instalações artísticas.

memoria
Memoria/Festival de Cannes ©

Como sempre, o tailandês enceta neste seu novo filme, um movimento que vai da cidade para a floresta ou para a natureza, para encenar essa ruptura cultural e essa necessidade de se reconectar, com o cosmos e com o mundo dos mortos. E fá-lo recorrentemente de uma forma poética, sensual e atento às sonoridades (da cidade e da natureza). Porém, tudo é muito trabalhado, de forma a fazer pairar sempre um mistério: como aquele som estranho ou o outro rosnado baixo, de uma natureza que parece, já sem fôlego. No entanto, ‘Memoria’ não é apenas uma fábula ecológica ou mística é também uma reflexão sobre esses rastos que a Humanidade deixa no tempo e sobre a possibilidade de nos voltarmos a ligar, com essas marcas do passado. Apesar de uma desajeitada, surpreendente ou mesmo hilariante resolução final — que tenta explicar o mistério dos sons — Apichatpong, leva-nos numa viagem existencial, que nos obriga quase a fazer e a sentir o mesmo que a personagem de Tilda Swinton. A actriz britânica parece um pouco perdida na tradução, (embora se defenda muito bem ao nível da fisico). Quando tem que falar espanhol, soa um pouco estranho. Mas na verdade, ninguém fala com fluência e tudo se passa sempre num nível, muito reflexivo e pausado. De qualquer modo, Swinton mostra mais uma vez a sua imensa curiosidade e disponibilidade para participar em novas experiências cinematográficas, como aconteceu com A Voz Humana, de Pedro Almodóvar e agora com este ‘Memória’, de Apichatpong Weerasethakul. E ainda paga por cima!

JVM

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *