"7500" / © Amazon Prime

7500, em análise

7500” amarra-nos ao assento do passageiro com violência e temor, tornando-nos reféns de um dos sequestros aéreos mais realistas, tensos e claustrofóbicos das últimas duas décadas. Joseph Gordon-Levitt é o filme!

Falar sobre “7500” é tocar num género de filme (thrillers aéreos), cuja variante temática algo tabu (sequestros de aeronaves), nunca fora tratada com a devida seriedade e autenticidade por parte da indústria de Hollywood, nem mesmo no pós 11 de Setembro, com a rara exceção da recriação cinematográfica a pedido do fatídico voo da “United 93”, que se despenhou numa zona rural da Pensilvânia às 10h03 do mesmo dia. E só para notarem na escassez de conteúdo ou na ausência de uma memória vívida acerca da problemática em questão, é preciso recuar a 1997 para recordarmos o famoso ataque terrorista ao avião presidencial em “Força Aérea 1”. Coincidência ou não, o ano em questão parece ter esgotado a ida aos céus sob resgate, com “Con Air: Fortaleza Voadora” e “Turbulência” a empilharem-se num pacote triplo de películas espalhafatosas mais vocacionadas para a doçura da ação pipoca, do que para salina realista da ficção. Mas “7500” – o código secreto de uma ameaça grave ou eminente introduzida no “transponder” de uma qualquer aeronave, não só vem colmatar esse hiato valorosamente, como declarar mais uma vez a ousadia e competência de uma produção independente, que provavelmente terá esgotado grande parte do seu “budget” no caché de Levitt.

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Mas este “7500”, realizado pelo jovem austríaco Patrick Vollrath, que passou os últimos dez anos da sua vida a colecionar curtas de calibre oscariano, e estamos a falar concretamente do seu último trabalho “Everything Will Be Ok”, possui uma imagem tão envolvente e polida, que chega a envergonhar outras produções mais endinheiradas. A abordagem inconvencional de Vollrath, que enaltece aqui a filmagem experimental e a encenação improvisada, faz destes dois componentes as linhas mestras para alcançar um realismo cru e espicaçar uma emoção espontânea deveras empolgante e comovente. É nesta ordem de ideias, que a derradeira peça do seu esquema visual é agregada, trazendo à colação o seu colega de curso e cinematógrafo Sebastian Thaler – um confesso adepto das pungentes aguarelas emotivas de Roger Deakins, que aceitou intrincheirar-se no cenário mais desafiante e tortuoso de todos para se filmar: um cockpit escuro, minúsculo e apertado. Aliás, essa sensação adstringente aloja-se de imediato mal a fita começa a rolar, através da visualização das câmaras de videovigilância do aeroporto internacional de Berlim, que perseguem os três piratas do ar até ao embarque no malogrado voo comercial com destino a Paris.

7500 Análise Corpo
© Amazon Prime

Durante esses breves instantes, o co-argumento de Patrick Vollrath e Senad Halilbasic, revela-nos vislumbres dos rostos suspeitos coadjuvados a uma linguagem corporal inquietante, para apressadamente ancorar-se à confraternização dos pilotos com a tripulação de cabine. É neste momento descontraidamente rotineiro, que somos apresentados ao confiante e espirituoso comandante Michael Lutzmann (Carlo Kitzlinger) – um invulgar ator com experiência real em pilotar aviões da Lufthansa -, e o seu copiloto ou Primeiro Oficial mais sério e introvertido, Tobias Ellis (Joseph Gordon-Levitt). Logo ali, durante a descolagem, Thaler vai expandindo as constrições físicas do habitáculo aéreo, focando a iluminação noturna da pista, transitando em seguida para a paisagem exterior do lusco-fusco acima da camada de nuvens, como um pára-brisas a deslizar suavemente de direção num ato de calmaria contemplativa. Aliás, a primeira meia hora de filme avança com todas as “ganas”, sobretudo a partir do momento em que os sequestradores tentam forçar a sua entrada a todo o custo no cockpit do avião. A partir daí, a visualização assume a perspetiva ocular de Tobias, injetando-nos octanas de adrenalina pelos olhos adentro, enquanto somos teletransportados sem dar conta para aquele espaço a arder de fúria e terror. Mas Tobias Ellis mantém o sangue frio a correr nas veias, tendo apenas uma visão mórbida e granulosa da câmara de segurança pendurada do lado de fora da porta, que o separa das investidas fogosas dos assaltantes islâmicos.

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São cenas de grande pujança audiovisual, e de uma carga emocional brutalizante, que nos dão somente um acesso premeditado do corredor dianteiro à cortina da primeira fila de assentos, de um Airbus A320 descomissionado, retalhado em segmentos para permitir a manipulação das zonas interventivas, destinadas à gravação daqueles “takes” impactantes. Mas é também aqui, que o populacho guião começa a trepidar, ao desconsiderar os motivos e intenções dos agressores, encravando-se naquele preconceito estereotipado de que todos os muçulmanos possam ser potenciais terroristas, e de que os mesmos tenham fatalmente de odiar o mundo ocidental. O último terço da trama, trava e amortece os arrombamentos dos “Allahu Akbars” num subserviente diálogo com Vedat (Omid Memar) – o mais jovem do trio de invasores com quem Tobias consegue estabelecer uma conexão mais profunda, através do intercomunicador exterior à cabina de pilotagem. E é deste tipo de “inputs” espontâneos e isentos de qualquer texto, sobretudo para um enredo cuja escrita possui apenas tecnicalidades vocabulares, que a “mise-en-scène” se confunde habilmente com uma simulação verosímil, fazendo cambalear o nervosismo irascível de Vedat e a paciência suplicante de Tobias aos pés um do outro. Thaler, qual aracnídeo invisível a trepar por onde pode com a sua lente “Zeiss” para captar o choque bipolar dessas emoções cruas, que Gordon Levitt tão bem destila numa vulnerabilidade facial embebida numa certa decadência hitchcockiana.

7500 Análise Corpo
© Amazon Prime

Mas foi assim, “numa autêntica dança entre atores num espaço pequeno a tentar descobrir a cena…”, que Thaler, com uma certa elegância documental, faz-nos parecer cúmplices daquela barbárie impensável. E pese embora o esforço gratificante em manter o rastilho das emoções ao rubro, o clímax de toda aquela situação tensional, acaba por arrastar-se em demasia para um desfecho praticamente previsível. Está claro, que “7500” consente alguns buracos fáceis na fuselagem da sua história, mas compensa sobremaneira com o seu formalismo cénico mais clássico, abrindo todo o espaço possível à honestidade da emoção. É por isso que louvamos a abordagem simplista e engenhosa de Patrick Vollrath, pelo mesmo exato motivo que levou Joseph Gordon Levitt a esperar quatro anos pelo projeto certo, até regressar novamente aos básicos da representação. Talvez por isso, Omid Memar, que ainda está na tábula rasa destas andanças, constrói com ele uma química genuína e audaz na negociação de uma saída limpa para ambos os intervenientes, porque como profetiza o realizador logo na abertura desta sua primeira longa-metragem: “Olho por olho e o mundo acabará cego”.

7500
7500 Análise Póster

Movie title: 7500 (Amazon Prime)

Movie description: Quando terroristas tentam tomar o comando de um voo Berlim-Paris, um jovem copiloto americano de voz suave procura salvar a vida de passageiros e tripulantes, entabulando uma surpreendente ligação com um dos sequestradores.

Date published: 29 de August de 2020

Director(s): Patrick Vollrath

Actor(s): Joseph Gordon-Levitt, Aylin Tezel, Omid Memar

Genre: Ação, Drama, Thriller

  • Miguel Simão - 80
80

CONCLUSÃO

“7500” é um produto de qualidade proveniente da Academia de Cinema de Viena, que volta a demonstrar que existe muito talento emergente fora do circuito mainstream. A prova disso, é que “7500” é uma pequena jóia cinematográfica, pois possui o mérito de conseguir deixar-nos na borda do assento com as mãos atadas a transpirar de emoção. Não é perfeito, mas é um filme tétrico e intimista, que coloca a descoberto de forma extremamente credível as fragilidades do ser humano perante situações de máxima tensão. Joseph Gordon-Levitt é arrebatador, e é a argamassa que cola o avião a uma rota favorável!

O MELHOR: Joseph Gordon-Levitt numa faceta mais pessoal e desarmada; sensação desconfortável de claustrofobia, tensão e pavor; cinematografia impecável na captação emocional e na recriação plausível do cenário.

O PIOR: Enredo preguiçoso e pouco desenvolvido; final algo arrastado e quase previsível.

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