J'Accuse | © Canal+

76º Festival de Veneza | Em ‘J’accuse’, Polanski faz História

Aos 86 anos, o veterano Roman Polanski parece estar em grande forma com ‘J’accuse’, a sua (re)interpretação do Caso Dreyfus, o escândalo judiciário passado na França dos finais do século XIX.

J’accuse, era um dos filmes mais aguardados na competição de Veneza 76, aliás como qualquer nova obra do veterano Roman Polanski, (Paris, 1933). Há dois anos Polanski estreou em Cannes, A Partir de Uma História Verdadeira, um perverso e inquietaste divertimento ‘hitchcokiano’ onde Emmanuelle Seigner e Eva Green interpretam duas mulheres em rota de colisão por causa da autoria de um livro. A expectativa em relação a este ‘J’accuse’ cresceu nos primeiros dias de festival, devido à controvérsia desencadeada pela presidente do júri, Lucrecia Martel, que na conferência de imprensa dos jurados, disse que não prejudicaria o filme nas decisões. Contudo, avisou que não estaria presente hoje à tarde na sessão oficial, para não ter que aplaudir o filme de um cineasta condenado por abuso sexual, em 1977. De qualquer modo, tanto para nós, como para ela uma coisa é o homem, outra é obra portanto ‘J’accuse’ trata-se de um excelente fresco histórico, que é até agora um dos melhores filmes da competição.

j'accuse
Foi também o título do manifesto escrito por Emilio Zola. | © Canal+

O filme mergulha numa complexa história de espionagem e investigação, baseada na (re)interpretação de Polanski — também ele com razões de queixa dos tribunais — do famoso Caso Dreyfus. Em 1894, Alfred Dreyfus, um capitão do exército francês de origem judaica foi acusado de traição, por passar informações aos inimigos alemães, e condenado através de provas nada convincentes, a prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. O seu julgamento inflamou o exército, políticos e opinião pública, dividindo a França entre culpados e inocentes. Tudo isto na sequência de uma vaga de anti-semitismo de massas, sombrio e irracional, que só amainou em 1906 com a reabilitação e reconhecimento da inocência do militar. Contra esse clima de intolerância e injustiça, o famoso escritor francês Émile Zola atacou o Estado e as instituições com o seu famoso manifesto, ‘J’accuse’, através de uma carta pública dirigida a Félix Faure, então Presidente da República Francesa. É precisamente com esse mesmo título que Roman Polanski, sensível ao tema, decidiu adaptar ao cinema o romance ‘O Oficial e o Espião’, de Robert Harris (o autor de O Escritor Fantasma’, que também deu outro filme do realizador), livro aliás publicado em Portugal pela Presença.

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VÊ UM EXCERTO DE ‘J’ACCUSE’

Pese o valor histórico, o filme tem muita ficção, para dar mais envolvimento ao mistério, que se desenrola numa Paris em pleno fin-du-siécle. O drama desenvolve-se a partir do ponto de vista e das investigações do Coronel George Piquart (Jean Dujardin), um oficial da contra-inteligência que descobre que depois da prisão de Dreyfus (Louis Garrel), o fluxo de informações secretas para os alemães não cessou. Quem será então o verdadeiro culpado? Até que ponto os acusadores estão dispostos a voltar com a palavra atrás para defender um inocente?

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Jean Dujardin no papel do oficial que procede à investigação. | © Canal+

Estas são as razões do filme, uma obra convencional, mas poderosa que agarra o espectador até ao fim. Além dos dois actores já referidos ‘J’accuse’ conta com um prestigiado elenco onde estão nomes franceses bem conhecidos do grande público, desde a sempre presente Emmanuelle Seigner, a esposa do cineasta, a Mathieu Amalric, Melvil Poupaud e Denis Podalydès, entre outros.

Il Sindaco del Rione Sanitá
Este filme é uma história de um crime perfeito e vingança. | © Indigo Film

Do teatro de Eduardo De Fillipo para o cinema, e um ano depois de ter estreado ‘Capri-Revolution’, o cineasta italiano Mario Martone regressou ao Lido com o seu novo filme, ‘Il Sindaco del Rione Sanitá’, uma história de mafiosos quase como sempre com o Vesúvio em fundo. Em tom de comédia burlesca e a partir de dois cenários — ou duas casas, uma nos arredores no distrito de Sanitá e outra na peculiar cidade de Nápoles — Martone conta a história de uma curiosa personagem, Antonio Barracano, um jovem ‘capo’ da máfia, que administra a justiça como se fosse o Estado ou os tribunais. Contudo, ’Il Sindaco del Rione Sanitá’ nasceu há cerca de dois anos a partir da adaptação da comédia homónima, que o realizador napolitano dirigiu para teatro numa localidade nos arredores de Nápoles, com uma corajosa companhia criada por quatro actores, na problemática zona do Golfo, ao sul de Itália. No entanto, não é por acaso que tanto no teatro como no filme os actores são os mesmos: Francesco Di Leva, como protagonista, Adriano Pantaleo e Giusseppe Gaudino. De facto se há algo que se possa destacar em ’Il Sindaco del Rione Sanitá’ é o trabalho dos actores na interpretação dos ‘toscos mafiosos’, que na versão de De Filipo, eram um pouco mais velhos. Transportando para os dias de hoje a peça escrita em 1960, Martone construi a história de um crime perfeito e de uma vingança, que coloca muitas questões actuais sobre a honra, a ética e a justiça, sobre o bem e o mal, a ganância e a generosidade. Um filme que vamos poder rever certamente em breve na Festa do Cinema Italiano.

JVM em Veneza



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