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¿De qué casa eres?, em análise | IndieLisboa 2025 e as memórias de uma infância difícil

“¿De qué casa eres?” é o primeiro filme realizado por Ana Pérez-Quiroga. A autora trabalha sobretudo em artes plásticas, com vários trabalhos de colagens, fotografia, desenhos ou tapeçaria. Nesta primeira incursão no cinema, a realizadora parte de uma instalação artística para criar este documentário. O filme é uma bonita homenagem à sua mãe Angelita Pérez, que é a protagonista do documentário. A obra reflete sobre a infância de Angelita Pérez (creditada como Ângela Petra Cabral no genérico), exilada na União Soviética durante a Guerra Civil Espanhola, com apenas 4 anos de idade. O filme fez parte da secção “Rizoma” do IndieLisboa de 2025 e foi exibido em sessão única a 10 de maio.

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¿De qué casa eres? – a pergunta sem resposta…

¿De qué casa eres?
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Às crianças espanholas exiladas na União Soviética era-lhes feita a pergunta “O que consideras casa?” Exiladas devido a uma guerra, esta é uma pergunta difícil… A sua casa já não o era e a sua nova casa também lhes era estranha…

“A história da minha mãe começou em Espanha, mas foi a União Soviética que foi decisiva na sua vida. Sou Portuguesa e Espanhola, mas também sou Russa e Ucraniana. Quando filmava e via com horror que a Rússia invadia a Ucrânia era impossível não ouvir a voz da minha mãe quando lhe perguntavam ¿De qué casa eres?” reflete a realizadora.

“Levaram-nos para o Cáucaso (…) e lembro-me de ter feito uma composição em que eles perguntaram o que queríamos ser quando fôssemos grandes. Tinha nove anos. E eu disse, no tempo da Guerra, com tantas bombas e tudo, (…) queria ser tanquista, guiar um tanque.” lembra Angelita. Nesta altura, já a U.R.S.S. estava em plena II Guerra Mundial. Angelita tinha escapado à Guerra Civil para viver mais uma Guerra…

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O início de ¿De qué casa eres?

¿De qué casa eres?
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“¿De qué casa eres?” começa por ser uma exposição individual de Ana Pérez-Quiroga iniciada em 2017. Esta exposição aconteceu em vários locais e com diferentes fases. Esteve exposta em locais como, por exemplo, o Museu de Arte Contemporânea da Madeira ou a Universidade Católica Portuguesa. O ponto de partida da exposição é precisamente a infância soviética da mãe.

É também com esta exposição que a realizadora abre o filme e dá o mote para toda a narrativa do documentário. Dada esta ligação, podemos dizer que estamos perante um documentário transmedial com toda a plástica do ADN da criadora presente de forma permanente.

Falo, por exemplo, dos primeiros minutos do filme com tapeçarias, fotografias e alguns objetos simbólicos. Mas falo também da dramatização que a realizadora faz sobre uma projeção do clássico “O Couraçado Potemkine” (1925, Serguei Eisenstein), bem como ainda a (re)montagem de planos em diferentes quadrados para lhes dar outras leituras (conforme imagem acima). As artes plásticas são, portanto, aplicadas ao cinema em “¿De qué casa eres?”.

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Os arquivos, as memórias e o presente

¿De qué casa eres?
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Neste seu documentário, Ana Pérez-Quiroga tem como ponto de partida uma conversa que tem com a sua mãe sobre o seu passado. Isso torna-se pretexto para conhecer as fotografias dela, os documentos dela. Tentar, assim, perceber a vida de uma criança à qual lhe foi roubada a infância normal.

Além disso, a realizadora inclui filmes de arquivo (estes já não do arquivo pessoal da mãe), bem como filmes super8 (estes, possivelmente, filmados por si; a câmara com que filma a sua interpretação da obra “Guernica” de Picasso evidencia-o) para complementar o filme. Aí, o lado plástico dos filmes entra em ação… Tal como Susana de Sousa Dias desacelera os arquivos nos seus filmes (o expoente máximo é “Natureza Morta”, de 2005), Ana Pérez-Quiroga fá-lo também aqui para tentar encontrar significados nos rostos das crianças refugiadas; crianças que, não sendo a sua mãe, podem ter os mesmos sentimentos da sua mãe.

Ainda assim, “¿De qué casa eres?” é um filme que não se fecha – e ainda bem – apenas no passado da protagonista. Atualmente, Angelita mora em Portugal na aldeia de Sezures e toma conta de uma vindima há mais de 20 anos. Os primeiros e últimos minutos de filme são alusivos a isso. Em conclusão, este filme é uma obra necessária para os tempos atuais, onde as guerras continuam e proliferam. Angelita teve a sua infância marcada mas demonstra a sua felicidade na atualidade, porque a esperança faz parte de si. Também por isso Ana Pérez-Quiroga fecha o filme com um desenho em homenagem à sua mãe e que enrola e atira numa garrafa pelo mar. A sua mãe é um pilar que pode dar esperança a todos nós.

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¿De qué casa eres?

Conclusão

  • “¿De qué casa eres?” é o primeiro filme da artista plástica Ana Pérez-Quiroga. É um documentário que traz uma bonita homenagem à sua mãe Angelita Pérez que foi exilada para a União Soviética com apenas 4 anos.
  • Apesar de se refletir sobre o Passado, este é um filme importante para o Presente na medida em que se pode pensar sobre o impacto da guerra nas pessoas, sobretudo na infância. É um filme bem conseguido. A realizadora peca apenas pelo facto de manter os seus tiques das artes plásticas que, embora sejam uma mais valia para um filme diferente, por vezes, certos efeitos visuais tornam-se distrativos.
Overall
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