A tragédia transformada em farsa. ©Festival de Cannes/Divulgação

Era Uma Vez em Gaza – Análise

No novo filme dos irmãos Nasser, “Era Uma Vez em Gaza”, o absurdo do quotidiano e o peso da ocupação encontram-se numa comédia negra travestida de western. Uma sátira ácida que fala de sobrevivência e coragem em tempos de ruína.

Estreado na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2025, “Era Uma Vez em Gaza” é o terceiro longa-metragem dos irmãos Tarzan e Arab Nasser, cineastas palestinianos que continuam a projetar a realidade da sua terra natal com uma linguagem cinematográfica ousada e inventiva. Misturando o estilo de western spaghetti com uma comédia negra, o filme conta a história de dois pequenos traficantes de droga disfarçados de vendedores de falafel, num cenário que beira o colapso social e moral.

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Uma Gaza reinventada pelo western

Era Uma Vez em Gaza
Luzes e sombras em Gaza, de Christophe Graillot entre drogas, falafel, violência e corrupção. ©Ukbar Filmes

Inspirado por clássicos como “Era Uma Vez no Oeste” ou “Era Uma Vez em Hollywood”, o título não é apenas um aceno ao género, é também um lamento. Os realizadores explicam que o nome escolhido em 2015, antes do atual conflito devastador entre Israel e o Hamas, tornou-se tragicamente profético. Hoje, “Era Uma Vez em Gaza” é mais do que uma ficção: é quase um epitáfio.

Três personagens e um território em ruínas

No centro da narrativa estão Yahya (Nader Abd Alhay), um estudante ingénuo, e Osama (Majd Eid), um dono de restaurante com carisma e um plano: traficar droga escondida nos sanduíches de falafel. O humor surge do contraste entre a banalidade da vida e a constante ameaça da repressão. À medida que se cruzam com um polícia corrupto (Ramzi Maqdisi) de ego inflado, o filme mergulha num ciclo de tensões morais, económicas e políticas, sem nunca perder a leveza formal do western.

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Um filme político sem panfletos

Embora os irmãos Nasser insistam que fazem “apenas cinema”, é impossível ignorar a carga política de “Era Uma Vez em Gaza”. A ocupação, os bombardeamentos e o bloqueio são evocados discretamente, mas de forma contundente. A simples tentativa de viver — ou sobreviver — em Gaza torna-se um ato de resistência. Há referências subtis ao plano “Gaza Riviera” e ecos da guerra, mas o foco está sempre nas pessoas comuns e na sua capacidade de adaptação ao absurdo.

Co-produção internacional e elenco de peso

Era Uma Vez em Gaza
Até os polícias em Gaza parecem figuras dos Monty Python. ©Ukbar Filmes

Produzido entre a França, Palestina, Alemanha, Portugal, Catar e Jordânia, o filme conta como já dissemos com nomes como Nader Abd Alhay, Ramzi Maqdisi e Majd Eid no elenco, e com a colaboração do aclamado diretor de fotografia ”Christophe Graillot e da montadora Sophie Reine. A produção portuguesa ficou a cargo da Ukbar Filmes (Pandora da Cunha Teles e Pablo Iraola), com apoio da RTP e diversos fundos internacionais, incluindo o CNC, Eurimages e o Doha Film Institute.

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Os irmãos Nasser e o cinema como resistência

Yahya, (Nader Abd Alhay) é um estudante ingénuo. ©Ukbar Filmes

Nascidos em Gaza em 1988, Tarzan e Arab Nasser são presença recorrente nos maiores festivais internacionais. Depois do curta “Condom Lead” (Cannes 2013) e dos longas “Dégradé” (Cannes 2015) e “Gaza, Meu Amor” (Veneza 2020), o novo filme confirma a sua capacidade de contar histórias locais com alcance universal. O humor negro, a compaixão pelas personagens e a sensibilidade estética marcam mais um passo firme no cinema palestiniano contemporâneo.

JVM

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“Era Uma Vez em Gaza” — Análise
  • José Vieira Mendes - 85

Conclusão:

“Era Uma Vez em Gaza” é um filme de contrastes: cómico e trágico, leve e pesado, local e universal. É uma homenagem a um povo em ruínas, mas também uma declaração de vida. Em tempos sombrios, o cinema dos irmãos Nasser continua a iluminar as sombras com coragem, humanidade e um olhar cinematográfico ímpar.

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Pros

O melhor:
A fusão entre western e comédia negra dá ao filme um tom raro: político sem panfletos, humano sem pieguices; humor como forma de resistência, excelente fotografia e a marca dos irmãos Nasser no seu melhor.

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Cons

O pior:
Alguns desequilíbrios de ritmo e de tom, o faroeste por vezes engole o drama; mas nada que apague o brilho e a coragem do conjunto.

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