Era uma vez em…Hollywood, em análise
O novo filme de Quentin Tarantino, ‘Era Uma Vez em…Hollywood’, é muito inspirador para os cinéfilos, pois apresenta Leonardo DiCaprio e Brad Pitt lutando para lidar com uma indústria de Hollywood em rápida mudança de paradigma nos finais dos anos 60 e uma cidade em decadência.
Em ‘Era Uma Vez em…Hollywood’ estamos em Los Angeles (L.A.), 1969, uma cidade pouco aberta às mudanças para além das ambições de quem trabalhava nos estúdios da Velha Hollywood, para atingir os picos da glória e da imortalidade. Só que em L.A. por essa altura começaram a aparecer colados nos postes de rua os primeiros cartazes psicadélicos, anunciando festas e manifestações de amor-livre; as velhas salas de cinema de cadeiras e passadeiras vermelhas gastas de tanta estreia dos dourados anos 50, ostentam os seus anúncios, cartazes e néons dos filmes em cartaz. Os homens musculados e bem parecidos e as belas starlettes que passeavam pelas ruas de Hollywood foram sendo substituídos por gente esquisita de longos cabelos, roupas berrantes e sensuais e muitos alucinados pelo consumo de drogas.
A Califórnia dos anos 60 foi talvez o maior palco das convulsões sociais da era da contracultura nos EUA. Não só em San Francisco mas igualmente em L.A., diversos grupos de jovens reagiram contra os poderes e a sociedade em geral, com mensagens e manifestações de amor e espírito livres, na defesa da paz e contra a Guerra do Vietname. São esses grupos de jovens, os seus ideais, simbolismos geracionais, e os conflitos com o establishment que pairam em torno do tema central de ‘Era Uma Vez em…Hollywood’. Um filme que é uma saudosa e nostálgica declaração de amor aos filmes à era do star system, à cidade do realizador — também ela com muitas facetas trágicas —, à Meca do Cinema, que a partir daí sofreu uma rápida mudança, para a era dos blockbusters, até agora que o cinema se tornou uma indústria global.
VÊ TRAILER DE ‘ERA UMA VEZ EM…HOLLYWOOD’:
Em ‘Era Uma Vez em…Hollywood’, Quentin Tarantino triangulou pontos de vista de três personagens, colocado-os perante o antigo e o novo da indústria de cinema e da sociedade dos finais da década de 60. Tarantino comunica essas ideias, como sempre o faz através das suas brilhantes escolhas ao nível dos actores (Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie) cenários, adereços, guarda-roupa e música, em histórias quase soltas que se cruzam como um mosaico de vidas. A principal revela como na indústria do entretenimento — como em ‘Birdman, ou a Inesperada Virtude da Ignorância’, de Alejandro Gonzáles Iñárritu, 2014 — onde a imagem é tudo, se um artista começar a ser visto como um ‘has been’, e como isso pode representar um destino pior do que a morte.
Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), um ator ainda relativamente jovem começa a temer que tenha um problema de imagem e de queda no limbo. Conhecido protagonista de várias séries de televisão de sucesso nos anos 50, que se tornaram obsoletas à medida, que os gostos se transformaram, Dalton vai-se arrastando e hesitando nos caminhos seguir na sua carreira e na imagem a adoptar para o futuro. Será que se consegue adaptar aos novos desafios da indústria do cinema? Em primeiro lugar procura criar um certo estilo próprio vestindo um blusão de cabedal cor-de-mel mel, com um camisola gola alta e botas de cowboy, dando um ar de durão, para mostrar que é um artista seguro de si, e não um ‘maricas’. Usa ao pescoço uma fina corrente de ouro com uma medalha, talvez a única concessão que faz em relação às novas tendências da moda que estão à deriva, em direção ao extravagante.
Na tentativa de mudar Dalton vai falar com um agente de talentos (Al Pacino) que o aconselha a tentar uma nova carreira nos westerns spaghetti, na Europa. Mais ou menos bem-sucedido no seu percurso europeu, passam seis meses e a permanência de Rick no cinema italiano leva-o novamente ao regresso. Contudo, revelando-se um homem novo, no avião de regresso à casa de Cielo Drive — vizinho do casa Sharon Tate e Roman Polanski — em Hollywood. Mas agora com uma aliança no dedo, uma nova esposa italiana e um motivo de orgulho e a alegria, embora a sua condição financeira não seja das melhores. Contrastando com a a resistência de Rick ao envelhecimento, os muitos jovens hippies espalham-se por L.A., com as suas roupas folgadas e sensuais para enfatizar mais essa liberdade sem limites. Essa gente arrastava-se pela cidade sem fazer grande coisa, a não ser a vender cigarros com LSD e a vasculhar caixotes do lixo para conseguirem comida de graça. Rick odeia hippies e, o seu comportamento enfurece-o. O seu duplo/motorista/melhor amigo, Cliff Booth (Brad Pitt), e uma espécie de sombra de Rick é mais tranquilo e tolerante: dá boleia a uma sexy, sedutora e sorridente adolescente-hippie chamada Pussycat (Margaret Qualley). Ela passeia-se no filme de mini-shorts-jeans, um top de croché e pés descalços. A câmara de Tarantino, sem surpresa, fica obviamente deliciada e seduzida pelo corpo da rapariga.
Dentro das lógicas, obsessões e referências ‘tarantinescas’, ‘Era Uma Vez em…Hollywood’ é um dos filmes mais personalizados de Tarantino, além de traçar uma clara dicotomia entre a velha guarda de Hollywood encarnada por Rick, acabando por deixar o seu duplo Cliff, — talvez um das profissões mais ameaçados pela mudança — num meio termo bastante curioso e interessante. Cliff é um personagem bastante dúbio e difícil de entender, pois tem uma saborosa duplicidade: é uma personagem muito simpática, indiferente e descontraída, e mais receptivo aos hippies e à mudança, embora faça parte da mesma geração que Rick. No entanto, reflectindo na sua vida e no seu tempo, Cliff embora com a mente mais aberta do que seus contemporâneos, é algo céptico e não está inteiramente confiante nas ideias e lutas dos mais jovens. Cliff na verdade começa o filme abraçando a nova estética, vestindo camisa jeans e calças jeans. A imagem mais marcante de Cliff, destaca-se quando este aparece — como aliás no emblemático cartaz do filme — com uma camiseta branca desbotada com o logótipo da marca de combustíveis Champion e uma camisa havaiana amarela por cima. É efectivamente a sua imagem de marca que define o seu perfil entre o tipo fixe e o foleiro, entre o trendy e o conservador.
‘Era Uma Vez em…Hollywood’ toma a mudança de época em Hollywood como foco principal, marcando de facto o início de uma nova era, uma vez que mata — deita fogo como com um lança-chamas — praticamente a tudo o que apareceu antes de Rick Dalton. O filme decerto modo encaixa na filmografia de Tarantino como um trabalho palpável de muitas e inúmeras referências, mas em fase tardia (é o seu nono filme) ou talvez um dos últimos como tem anunciado. Contudo, o filme oferece-nos novamente a perspectiva de um brilhante realizador que há anos ou mesmo desde o início da sua carreira, reflecte sobre um mundo do cinema à sua volta em mudança constante. Pode-se arriscar mesmo que Tarantino possa ter partilhado agora em ‘Era Uma Vez em Hollywood’, o mesmo mal-estar que Rick teve no seu seu tempo, em 1969. O facto de Tarantino querer continuar a filmar e a projectar os seus filmes em 35mm, pode também ser uma prova disso. Ele sente uma repentina falta de familiaridade com um terreno no qual já foi rei e senhor no cinema independente — este filme agora é da Sony-Columbia, ele começou praticamente com a Miramax dos Weinstein —; ou uma sensação de olhar em volta e não conseguir reconhecer ninguém, nem reconhecer-se no estado actual da indústria de Hollywood.
Resumindo ‘Era Uma Vez em…Hollywood’, o último filme de Quentin Tarantino, trata-se de uma obra sobre a sua cidade L.A. — já a tinha homenageado num dos seus melhores filmes ‘Jackie Brown’ com Pam Grier — e sobre um tempo da história da indústria do cinema americano (e da televisão). O filme divide-se entre um passado que foi desaparecendo e um futuro que avançou rapidamente e, é protagonizado por grupo de personagens que foram apanhados entre o fogo cruzado das mudanças e convulsões sociais da época. Essas mudanças passaram-se num momento delicado da história da ‘cidade dos sonhos’ — o assassínio de um grupo de pessoas entre elas a actriz Sharon Tate (numa participação quase sem diálogos da bela e talentosa Margot Robbie), pela seita satânica liderada por Charles Mason — e são relatadas através de uma surpreendente crónica de época que altera a realidade e aquilo que verdadeiramente aconteceu. Mas que no entanto é muito fiel à época através de um pormenorizado estilo do design das roupas, ambientes e como sempre com uma excelente banda sonora. Mas nada que não seja novo no cinema de Quentin Tarantino.
Era Uma Vez em Hollywood, em análise
Movie title: Once Upon a Time in...Hollywood
Date published: 14 de August de 2019
Director(s): Quentin Tarantino
Actor(s): Leonardo DiCaprio,, Brad Pitt,, Margot Robbie, Al Pacino
Genre: Drama, Thriller, EUA, 2019, 161 min
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José Vieira Mendes - 70
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Cláudio Alves - 92
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Inês Serra - 87
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Catarina d'Oliveira - 87
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Maria João Sá - 80
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Maria João Bilro - 80
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Catarina Novais - 75
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Luís Telles do Amaral - 88
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Virgílio Jesus - 100
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Daniel Rodrigues - 73
CONCLUSÃO:
‘Era Uma Vez em …Hollywood’ é a história ou um conjunto de histórias que seligam para mostrar o fim de uma era, de uma idade, de tempo e das mudança sociais e do paradigma da indústria de cinema de Hollywood no final dos anos 60. Embora altere a realidade qualquer semelhança entre pessoas e artistas vivos e mortos nessa época de Hollywood não é pura coincidência, mas antes uma ideia clara de Tarantino.
O MELHOR: as notáveis interpretações de Leonardo DiCaprio e Brad Pitt que se complementam na perfeição;
O PIOR: A duração de quase três horas e secundarização da personagem de Margot Robbie.
JVM
User Review
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Bem, o que mais me cativou – e realmente clamou pela minha atenção no filme – foi a visão da gente “de bem” interpretada pelos dois amigos e da gente “riponga” interpretada pelos hippies, neste desfilar de histórias entremeadas – algumas verídicas e outras ficcionais – do genial diretor. O ator desiludido com sua trajetória incendeia uma atacante do grupo de Manson quase sem querer e o aparentemente tranquilo amigo em realidade é atroz em sua violência e oposição massacrante a tudo aquilo que ele vê como confronto. Portanto, há uma enorme crítica nada velada a tudo que é hollywoodiano e rico – o dito mundo dos bons – e a tudo que é contra o sistema e pobre (o mundo hippie de 1969). Na violência final confrontada, recontando a história da família do Rancho Spahn, Sharon Tate acaba revivida e Dalton sente-se melhor como ator reconhecido ao menos por ela. E toda a nostalgia melancólica de época é aqui bem retratada e recontada pelo cineasta. Recomendado, um nove merecido!