Abril e o Mundo Extraordinário, em análise

Abril e o Mundo Extraordinário é uma excitante aventura steampunk por uma Paris retro futurista, onde uma jovem cientista tenta salvar o mundo e reunir a sua família.

abril e o mundo extraordinário

O steampunk é considerado um subgénero da ficção-científica, onde se conjuram mundos fantasiosos onde a estética e tecnologia vitoriana da maquinaria a vapor se mesclam com futurismo modernista. Basicamente, estamos a falar de retro futurismo com os pés plantados firmemente numa estética do século XIX. Pela sua dependência da história e padrões de gosto maioritariamente europeus, seria de pensar que este fosse um subgénero mais ocidental que oriental, e, de facto, isso acontece com a literatura, mas no que diz respeito a cinema, mais especificamente cinema de animação, o steampunk tende a ser muito mais comum nos mercados e produções orientais, nomeadamente no anime japonês. Tudo isto para dizer que Abril e o Mundo Extraordinário é um precioso exemplo de fantasia steampunk made in Europe que, mesmo assim, tem na sua história uma estruturação que mais facilmente irá relembrar os espetadores das maravilhas do estúdio Ghibli do que da Disney.

Já voltaremos a abordar essa ligação do filme ao anime nipónico, mas, entretanto, convém contextualizar o mundo deste filme. Em Abril e o Mundo Extraordinário , ao invés de cair na desgraça e perder o apoio público, Napoleão III morreu numa misteriosa explosão de laboratório em 1870, levando a que França nunca saísse da monarquia e a que se desse lugar a um período de relativa paz e calma, durante o qual os maiores cientistas do mundo foram sistematicamente desaparecendo. As consequências destes fatores são um mundo que, já em pleno século XX, ainda não saiu da Idade do Vapor, sendo que toda a civilização que vemos, parece estar congelada numa perpétua era vitoriana onde os mecanismos de ferro se foram tornando progressivamente complexos e grandiosos e onde a monarquia francesa impõe um controlo quase despótico e militarista sobre a sua população.

abril e o mundo extraordinário

A concretização visual deste mundo é absolutamente soberba, com os animadores a conceberem magníficas paisagens cinzentas de ferro forjado e rebites de metal até aonde a vista alcança. O modo como a industrialização consumiu toda a arquitetura é simultaneamente belo e assustador, sugerindo um mundo dominado pela tecnologia, mas também sufocado pela sua estagnação. As paisagens parisienses deste mundo alternativo são de particular destaque, com a Torre Eiffel duplicada e tornada numa espécie de hangar ou estação para um colossal meio de transporte que parece a fusão de um comboio, um teleférico e um navio de cruzeiro tal é o seu tamanho.

Lê Também:   Óscares 2025 | Academia acaba de anunciar mudanças importantes nas regras

Lê Também: Memórias de Marnie, em análise

É neste ambiente que encontramos a jovem Abril ainda no prólogo da narrativa principal. Ela vive com seus pais e avô, todos eles inventores fugidos à justiça que os quer subjugar ao poder militar. Isolada do mundo, a única companhia não familiar da personagem titular é Darwin, um gato falante que foi o produto de uma das experiências dos pais de Abril, que estão há anos a tentar encontrar a chave para a vida eterna. Um dia, quando finalmente parecem ter tido sucesso, a polícia encontra-os e despoleta-se uma perseguição por Paris que culmina num verdadeiro pesadelo, onde Abril testemunha os seus pais a serem eletrocutados por uma misteriosa nuvem negra que, vamos descobrindo, parece estar por detrás do desaparecimento dos cientistas de todo o mundo.

abril e o mundo extraordinário

Vários anos depois, a órfã já adulta continua a viver isolada do mundo, mas agora é ela a cientista obcecada em encontrar uma maneira de perdurar a vida do seu companheiro felino que já está a sentir bem o peso dos anos. Para isso, ela rouba, foge à polícia e mantem-se sempre isolada de qualquer outra interação humana até que um jovem a salva durante um dos seus roubos e o investigador a cargo do caso dos seus pais a encontra no seu esconderijo. A partir daí, toda a vida de Abril se torna numa aventura, ainda mais irreal e ensandecida que anteriormente. A ancorar toda esta loucura está a personagem em si, especialmente a prestação vocal de Marion Cotillard que acrescenta uma necessária amargura e raiva reprimida a toda a apresentação de Abril.

Com um centro humano que vibra de emoção e dor humana, o filme encontra, no entanto, uma das suas poucas fragilidades no elenco. Não no elenco vocal, mas no animado. É que, ao copiar os estilos gráficos de Jacques Tardi, os cineastas por detrás desta modesta joia acabaram por se limitar a um design de personagem bastante rígido com faces abatatadas e olhos minúsculos. A rigidez de alguns dos seus movimentos não ajuda, mas, como já foi dito anteriormente, a força do elenco vocal compensa esta pequena falha ou inconveniência estilística.

Lê Também:   Óscares 2025 | Academia acaba de anunciar mudanças importantes nas regras

abril e o mundo extraordinário

Retomando a comparação com anime que anteriormente foi estabelecida, apesar do seu desenho estar muito longe das heroínas da animação japonesa, Abril quase relembra uma protagonista de um filme dos estúdios de Hayao Myiazaki e Isao Takahata. Na sua complexidade, personalidade abrasiva e multitude de conflitos internos, ela é uma extraordinária força motriz à volta de qual todo o enredo gira. Para além disso, tal como esses filmes japoneses, Abril e o Mundo Extraordinário conjuga este tipo de sublime retrato humano com uma sofisticação cinemática que mais lembra filmes clássicos de noir e ficção-científica do que infantis esforços de animação ocidental. O uso da arquitetura para guiar as linhas composicionais do enquadramento é merecedor de particular destaque e admiração.

Lê Ainda: O Menino e o Mundo, em análise

Com tudo isto dito, não vamos revelar mais sobre a história desta aventura retro futurista. Apesar de se mover com a estonteante e excitante fluidez e síntese de um filme de terror clássico, a narrativa de Abril e o Mundo Extraordinário é tudo menos prosaica, estando recheada de imprevisíveis reviravoltas e conflitos ideológicos multifacetados. A melhor maneira de honrar tal trabalho é mesmo deixar o espetador com algum do mistério ainda presente, para que o filme os possa surpreender, tanto com os seus saltos narrativos, como com a sua inteligência e dolorosa história de uma família separada pela injustiça do mundo, pelo radicalismo de valores e pela amarga imperfeição da natureza humana.

abril e o mundo extraordinário

O MELHOR: O design retro futurista de Paris e os momentos de humor negro que vão acrescentando uma macabra leveza a toda esta aventura fantasiosa.

O PIOR: A relativa rigidez na animação nas faces das personagens.


 

Título Original: Avril et le monde truqué
Realizador:  Christian Desmares, Franck Ekinci
Elenco: 
Marion Cotillard, Philippe Katerine, Jean Rochefort,  Olivier Gourmet

NOS | Animação, Ficção-Científica, Aventura | 2015 | 105 min

abril e o mundo extraordinario

[starreviewmulti id=22 tpl=20 style=’oxygen_gif’ average_stars=’oxygen_gif’] 


CA

 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *