Asteroid City, em análise

“Asteroid City”, nos cinemas portugueses a 21 de junho de 2023, é a mais recente obra da autoria de Wes Anderson, o mais europeu dos realizadores norte-americanos. Será que a sua nova comédia é capaz de nos encher as medidas? 

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Mais estilizado que narrativo, o formalista Wes Anderson é um dos realizadores fetiche de muitos cinéfilos. Um americano em Paris, um realizador dos Estados Unidos acima de tudo alinhado com as sensibilidades do cinema europeu, e europeu de há 50 e 60 anos atrás. Não obstante, Anderson é também um fenómeno de culto no seu país de origem, embora tenha demorado um pouco a lá chegar.

Anderson é o pináculo de autoral, na medida em que um filme seu é reconhecível aos primeiros frames e obras que bebam inspiração no seu trabalho são, por norma, transparentes e identificáveis. Da obsessão doentia por simetria, à colaboração regular com dois ‘Coppolas’ sempre na linha da frente – Roman Coppola no argumento e  Jason Schwartzman algures no elenco – às cores nostálgicas e estética retro, passando pela fixação por maquetes, uma longa de Wes Anderson é uma experiência fílmica inegável.

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Em “Asteroid City”, Schwartzman e Hanks apresentam-se como uma singular dupla de ‘família à força’ | ©Pop. 87 Productions/Focus Features

Sejamos ou não fãs, o seu estilo apresenta uma consistência quase desconcertante, sendo que grande parte do seu charme advém da capacidade de criar universos completamente isolados no tempo e no espaço e com características visuais distintas. Podemos pensar no belíssimo submarino de “Life Aquatic” ou no maravilhoso “Grand Budapeste Hotel”, até hoje a sua obra mais consensual, a par do onírico “Moonrise Kingdom, um festim de referências à nouvelle vague francesa.

Ultimamente, muitos são os que condenam o estilo característico de Wes Anderson, criticando uma das suas características mais inabaláveis – o elenco composto por dezenas de nomes e personagens. No seu último filme antes de “Asteroid City”, “The French Dispatch”, Anderson contou a sua história através da divisão em inúmeros capítulos e as histórias foram mais fragmentadas e episódicas do que em qualquer outro dos seus filmes prévios. Estava lá no nome, à vista de todos, no título português “Crónicas de França”.

Ávido por trazer Wes Anderson ao seu festival, o produtor de topo português Paulo Branco lá conseguiu trazer o norte-americano a Lisboa, por ocasião do LEFFEST de 2014, e como já havia feito recentemente uma retrospectiva do seu trabalho, a conversa centrou-se antes nas inspirações cinematográficas de Anderson. Perante uma sala cheia e que tratou Wes como uma rockstar, o realizador apresentou várias curtas italianas dos anos 50, todas elas com um registo cómico-observacional que vemos Wes a tentar atingir também nas suas obras. Esta pequena visita, embora supérflua à primeira vista, permitiu-nos uma janela interessante acerca do que motiva este realizador peculiar.

E assim chegamos a “Asteroid City”, um filme com uma reação muito morna aquando da sua estreia este ano em Cannes, e em geral por parte da crítica. Sem levantar grandes ondas, o filme chega a Portugal a 22 de junho de 2023, distribuído pela Cinemundo, e sem estrear em algumas das grandes salas do país, com uma estrutura de salas algo modesta.

Asteroid City
Os cenários inorgânicos e por vezes a duas dimensões de “Asteroid City” © 2022 Pop. 87 Productions LLC

Não obstante, não posso deixar de defender “Asteroid City” como um filme que, apesar do seu estrondoso e gigante elenco, consegue criar um claro centro emocional que nos permite uma maior ligação às personagens e à sua jornada. Além disso, o próprio setting do filme e a sua natureza meta permitem-nos entrar por um delicioso sem fim de reflexões existencialistas. Ademais, “Asteroid City” é genuinamente engraçado, de uma forma offbeat que ilustra uma continuidade, mas também uma elevação no humor dos argumentos de Wes Anderson.

Desde o primeiro instante, “Asteroid City” é visualmente inebriante, apresentando-se em vários formatos, como uma janela intimista sobre uma peça de teatro a encenar, e como uma grande janela sobre a arte megalómana que é o cinema. Muitos podem defender que, com um elenco tão considerável, Wes já não coloca em primeiro plano as suas personagens e a sua humanização, dando antes primazia à construção de décors meticulosos e criados ao ínfimo pormenor, mundos dentro de mundos e dentro de mundos.

“Asteroid City” equilibra com graça todos estes elementos, apresentando-se como uma farsa anunciada desde o primeiro frame. Uma peça de teatro é encenada, com a intromissão do real e dos bastidores ao longo da duração deste filme. No arranque, o narrador, interpretado por Bryan Cranston, coloca tudo em pratos limpos. O que estamos prestes a ver é uma encenação de uma peça sobre uma vila fictícia. Ao longo da obra, vamos regressando a esta ideia, da vida privada dos atores, do dramaturgo (o Conrad Earp de Edward Norton) e do encenador interpretado por Adrien Brody, sendo o filme também pautado por intromissões espontâneas dos bastidores da peça.

O enredo de “Asteroid City” acontece numa cidade decrépita do mesmo nome, situada em pleno deserto americano e na década de 50. Este é um fim de semana especial na minúscula e condenada localidade, pois acontecerá e uma convenção de Observadores Cósmicos Jr./Cadetes Espaciais, por ocasião do aniversário da queda de um objecto espacial na terra, nesta mesma localização.




Neste não-local, juntam-se estudantes de liceu brilhantes, vindos de todos os pontos dos EUA, para uma competição com direito a bolsas. Eis que a chegada de atividade extra-terrestre perturba a convenção e obriga a ser montada uma hilariante quarentena. Em pleno período de máxima paranóia norte-americana, não falássemos da era da Guerra Fria, eis que a quarentena extraterrestre serve de motivo para uma crítica social e política ténue, refinada e bem equilibrada com muitos momentos de humor.

Quanto ao elenco insano e talentoso a que já nos habituámos nos filmes de Wes Anderson, “Asteroid City” vê o regresso de alguns veteranos (Tilda Swinton na pele de uma cientista, Jason Schwartzman como um fotógrafo com três filhos que acabou de viuvar ; também de colaboradores de “The French Dispatch” que regressam já (como Jeffrey Wright) a algumas caras novas que gracejam o ecrã e o iluminam: como a “protagonista” Scarlett Johansson, a recém-chegada e fotogénica Maya Hawke ou ainda Margot Robbie (luminosa e quase mística num cameo abençoado como uma esposa falecida e uma atriz que quase entrou numa peça).

Ao todo, são estes os grandes nomes centrais com os quais podemos contar:  Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Jeffrey Wright, Tilda Swinton, Bryan Cranston, Edward Norton, Adrien Brody, Liev Schreiber, Hope Davis, Stephen Park, Rupert Friend, Maya Hawke, Steve Carell, Matt Dillon, Hong Chau, Willem Dafoe, Margot Robbie, Tony Revolori, Jake Ryan ou Jeff Goldblum (este último perfeito na pele da mais improvável das personagens, que não nos ousamos a mencionar).

No meio deste elenco gigante (que não compreende sequer todos os intérpretes da obra, claro está), Scarlett Johansson entrega uma performance imperdível e marcante como Midge Campbell, uma grande diva de Hollywood que se encontra em Asteroid City para acompanhar a sua filha Grace, um pequeno grande génio.Grace é melodramática, teatral, egocêntrica, letárgica e cativante. Aquando da sua chegada a Asteroid City cruza-se com o Augie Steenbeck de Jason Schwartzman , um viúvo que também veio acompanhar o seu pequeno génio à convenção. Depressa se gera uma química inegável entre os dois, aprofundada em conversas à janela, enquanto o ego de Midge é gentilmente apaziguado.

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Um dos cenários decisivos de “Asteroid City” |©Cinemundo

Augie e Midge lêem falas, falam sobre solidão e sobre os seus traumas e esperanças, figurando agora entre as personagens mais desenvolvidas da filmografia de Wes Anderson. “Asteroid City”, como um todo, é aliás um dos filmes de Wes que mais convidam a refletir. Mal nos é apresentada a cidade, somos confrontados com elementos bidimensionais no cenário, com o facto de toda a ação não ser senão uma peça dentro de um filme, e ainda assim este teatro da artificialidade consegue cativar rapidamente. Visitantes de outras galáxias, o sentido da vida, morte e perda, jogos de memórias intermináveis, amor adolescente, e enterros espontâneos por parte de crianças adoráveis, há mesmo de tudo em “Asteroid City”.

Wes Anderson
O realizador Wes Anderson e o seu letreiro a duas dimensões |©Cinemundo

Repleto de grandes perguntas e eventos inacreditáveis, perfeitamente equilibrado no que a comédia e drama diz respeito, “Asteroid City” é uma incursão bem-sucedida na filmografia de Wes Anderson. No final do filme, o lugar que parece ser lugar nenhum é abandonado por todos os nossos protagonistas. Da perseguição a cowboys à ponte que nos leva a nenhures, a ação abandona-nos com uma sensação de eterno retorno e de elasticidade temporal. Poderíamos até dizer que a sensação que perdura tem algo de sinistro, não fossem os convidativos tons pastel e o equilibrio de comédia e surrealismo que alimentam esta narrativa.

“Asteroid City” não tenta simular um local real, sendo a própria cidade-peça povoada por personagens exageradas, dramáticas, pautadas por traços exagerados de personalidade. Não obstante, conseguimos chegar a uma ligação emocional e, acima de tudo, dar asas à criatividade e imaginação.

TRAILER | ASTEROID CITY JÁ CHEGOU ÀS SALAS DE CINEMA PORTUGUESAS (A 22 DE JUNHO)

Asteroid City, em análise
Asteroid City 2023 review

Movie title: Asteroid City

Movie description: ASTEROID CITY decorre numa cidade ficcional em pleno deserto americano, por volta de 1955. O itinerário de uma convenção de Observadores Cósmicos Jr./Cadetes Espaciais (organizada com o objetivo de juntar estudantes e pais de todo o país para uma competição escolar com oferta de bolsas escolares) é espetacularmente perturbado por eventos que mudarão o mundo.

Date published: 22 de June de 2023

Country: EUA

Duration: 104'

Author: Wes Anderson

Director(s): Wes Anderson

Actor(s): Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Tom Hanks, Jeffrey Wright,

Genre: Comédia, Drama , Sci-fi

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  • Maggie Silva - 88
  • José Vieira Mendes - 50
69

CONCLUSÃO

Altamente estilizado e repleto de personagens coloridas, “Asteroid City” nunca se torna fragmentado ou episódico, conseguindo equilibrar na perfeição o seu surrealismo com a honestidade que transparece da performance dos atores. Gostaríamos de passar umas férias nesta quarentena.

Pros

  • Como habitual, o elenco excelente de atores, incluíndo cameos deliciosos por parte de nomes como Jeff Goldblum ou Margot Robbie.
  • A criação dos sets e de toda a mise-en-scène – Wes Anderson pode afastar-se do real quanto quiser, mas nunca perde a sua essência ou o seu humor.

Cons

  • Nada de significativo a apontar, esta é uma das produções mais equilibradas dos últimos anos da carreira do cineasta.
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