Ciclo | Michelangelo Antonioni – O Passo em Frente

Depois de Sica e Zurlini é a vez de revisitarmos a obra em 4K, de outro grande mestre do cinema italiano: Michelangelo Antonioni (1912-2007), a partir de amanhã, 26 de agosto, primeiro no Cinema Nimas, em Lisboa e depois por outras salas por esse país fora.

É curioso que no mesmo dia ou poucas horas depois de Ingmar Bergman, num final de julho de 2007, desaparecia também outra das grandes figuras da história do cinema mundial: Michelangelo Antonioni (1912-2007).  O cineasta italiano, faleceu na sua casa de Roma aos 94 anos de idade, deixando os cinéfilos duplamente enlutados, por tão triste e forte coincidência. Ficava-nos a ideia que os dois grandes mestres do cinema mundial que revolucionaram a história do cinema, tinham combinado chegar juntos ao Olimpo dos artistas. Efectivamente com a sua genialidade, ambos ajudaram a mudar o mundo já que as suas obras centraram-se sobretudo nas grandes contradições sociais do século XX. Em Antonioni, por exemplo, a temática dos seus filmes girava quase sempre à volta da crise de sentimentos e da incomunicabilidade da sociedade burguesa e do capitalismo. A verdade é que a narrativa argumental das obras de Antonioni, continua a resistir ao reflexo da passagem do tempo, não como uma mera descrição dos elementos ou uma simples representação concreta dos factos e da história. Da sua filmografia, não muito extensa, que teve inicio na década de 50, com ‘Escândalo de Amor’, e que culmina basicamente na trilogia formada por ‘A Aventura’, ‘A Noite’ e ‘O Eclipse’, destacam-se ainda outras obras importantes como ‘Le Amiche’, ‘O Grito’, ‘Deserto Vermelho’, ‘Blow Up-História de um Fotógrafo’, ‘Zabriskie Point’, ‘Identificação de uma Mulher’, ‘O Mistério de Oberwald’ e o super-actual ‘Profissão-Repórter’. O último filme assinado por Antonioni foi ‘Il Filo Pereicoloso delle Cose’, uma curta-metragem da obra colectiva ‘Eros’, apresentada em 2004 na Mostra Cinematográfica de Veneza. É uma boa parte destes filmes que vamos agora poder rever neste ciclo programado pela Leopardo Filmes e que vai depois correr o País.

Antonioni
Leopardo Filmes©

IDENTIFICAÇÃO DE UM CINEASTA

Michelangelo Antonioni nasceu em Ferrara (Itália) a 29 de Setembro de 1912 e de facto sempre foi ao lado de Rosselini, uma das figuras mais controversas do cinema italiano, que curiosamente viveu a sua época dourada durante a década de 60, que coincide também com o apogeu do então jovem realizador, ao lado do mestre. Curiosamente foi precisamente com Roberto Rosselini, que Antonioni começou a trabalhar, como argumentista do filme de propaganda fascista ‘Un Pilota Ritorna’ (1941), e antes disso já escrevia críticas de cinema, na imprensa da especialidade. Estreou-se como realizador com ‘Escândalo de Amor’, em 1953, mas a verdadeira consagração internacional obteve-a em 1960 no Festival de Cannes, onde apresentou ‘A Aventura’, realizado um ano antes. Seguiram-se os filmes que completam a trilogia ‘A Noite’ (1960), ‘O Eclipse’ (1961) e ainda o maravilhoso ‘Deserto Vermelho’ (1964), que marcam o seu estilo muito pessoal e militante. Desde os seus primeiros filmes que Antonioni pareceu preocupar-se com os males da sociedade moderna e com um certo sentimento de incomunicabilidade entre as pessoas, que dai advém. Talvez por isso os seus filmes estejam pejados de silêncios e sejam construídos de uma forma complexa de modo a captar desesperadamente o vazio existencial da burguesia da sua época e logo causarem um forte impacto social. 

Antonioni
Leopardo Filmes ©

CINEASTA MILITANTE

Em 1966, realiza ‘Blow-Up-História de um Fotógrafo’, talvez o seu filme mais popular e comercial, baseado num famoso romance de Julio Cortázar, onde nos propõe uma extraordinária reflexão, diria mesmo antevisão, sobre o poder, a manipulação das imagens fotográficas e a sua interpretação. Na mesma linha situa-se o seu filme seguinte ‘Zabriskie Point’ (1969), a sua experiência de uma rodagem norte-americana, num filme que novamente procura combinar pretensões meta-linguísticas com as aspirações comerciais da indústria e grande público. Mas pouco a pouco começa a decrescer o interesse comercial pela obra de Antonioni, embora este tenha tentado continuar febrilmente activo na sua militância cinematográfica, primeiro com o thriller jornalístico ‘Profissão: Repórter’ (1975) e com a sua curiosa experimentação no domínio da rodagem em video, com o notável ‘Mistério de Oberwald’ (1981); e por fim com o belíssimo drama de ‘Identificação de uma Mulher’ (1982). O seu último filme, intitulado ‘Para Além da Nuvens’ (1995) e já com problemas de saúde, já foi co-dirigido com Wim Wenders. 

Deserto Vermelho
Deserto Vermelho/Leopardo Filmes ©

MONICA (MUSA) VITTI

Ao abordar a obra de Antonioni é impossível não falar de Monica Vitti que se tornou na sua musa, algo que começou durante a fase de dobragem de som de ‘O Grito’ em 1957. Presente nos estúdios, vestindo uma blusa escura larga e com os seus cabelos presos, ela ouviu de Antonioni a frase que iria inaugurar um longo período de sedução mútua e vida em comum: ‘Você tem uma bela nuca’. Daí em diante, a atriz foi a perfeita intérprete da criatividade e das angústias do cineasta desde essa trilogia composta por ‘A Aventura’, ‘A Noite’ e ‘O Eclipse’, passando pelo papel da esposa neurótica que afeta as paisagens por onde passa com visões perturbadas em ‘Deserto Vermelho’, até chegar ao romantismo exacerbado da rainha de ‘O Mistério de Oberwald’. Vitti foi a mais importante intérprete dos estados de espírito de Antonioni.

Identificação de Uma Mulher
Identificação de Uma Mulher/Leopardo Filmes ©

O PROGRAMA DA LEOPARDO 

A revisitação da obra de Antonioni e o seu regresso às salas pode revelar profundas surpresas, e reveste-se de uma enorme actualidade, além de ser uma chave para a compreensão do cinema nas últimas a décadas. Programa: ‘Escândalo de Amor’ (1950), ‘O Grito’ (1957), ‘A Noite’ (1961), ‘O Eclipse’ (1962), ‘O Deserto Vermelho’ (1964), ‘Identificação de Uma Mulher’ (1982). No Cinema Nimas, em Lisboa, a partir de 26 de Agosto, e no Teatro Campo Alegre, no Porto, a partir de 1 de Setembro. Contará com exibições no Theatro Circo de Braga (30 Setembro), no Cinema Charlot, em Setúbal (2 Setembro) e no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz (9 Setembro).

JVM

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