A Concierge, Crítica | Depois de animar o Rapaz e a Garça (vencedor do Óscar deste ano), Yoshimi Itazu chega à MONSTRA ’24
“A Concierge”, uma das longas em competição na MONSTRA 2024, é um trabalho oriundo do Japão e assinado por Yoshimi Itazu, experiente animador com uma carreira ainda curta no campo da realização. Que nos traz esta invulgar história sobre a vida na hospitalidade?
Numa sala Manoel de Oliveira bem composta para quinta-feira à noite, e no dia 14 de março, exibiu-se a 4.ª longa-metragem em competição na 23.ª edição do Festival de Animação de Lisboa. Aventura familiar bem humorada com breves toques de reflexão política e ambientalista, “A Concierge”, “The Concierge at Hokkyoku Department Store” ou, no original japonês, “Hokkyoku Hyakkaten no Concierge San” foi aqui visto maioritariamente por adultos apesar do seu pendor juvenil e familiar. Não obstante, os risos sonoros fizeram-se ouvir pela sala.
O filme de Yoshimi Itazu acompanha o ponto de vista de Akino, uma jovem que começa a trabalhar como estagiária num local com o qual sempre sonhou: o “Hokkyoku Department Store”. Este grande armazém comercial de luxo (um pouco à semelhança do icónico Harrods, entre outros do género) é para lá de pouco usual, pois a sua clientela é exclusivamente animal. Perante o olhar para lá de atento do gerente e das concierges mais experientes, Akino tenta aprender a lidar com os pedidos dos visitantes da loja. O essencial? Servir de forma plena, antecipando as necessidades de quem visita o surreal e quase utópico Hokkyoku Department Store.
Inicialmente, “A Concierge” parece ser uma ode ao setor terciário e à hospitalidade. Um serviço meticuloso e perto do ritualístico é aqui enaltecido, e a personagem de Akino quase nos faz lembrar a invulgar protagonista da obra literária japonesa “Convenience Store Woman” de Sayaka Murata; uma figura feminina que existe para prestar um serviço de forma eficaz e que retira satisfação a partir da pertença ao conjunto. Todavia, rapidamente compreendemos que são as narrativas pessoais que se fazem valer nesta grande loja e que a componente humana terá um peso significativo na jornada de Akino – que deverá saber ouvir, reagir e empatizar para assim contribuir para a felicidade dos animais com quem contacta.
Em pouco tempo chegamos também ao âmago desta pequena obra com apenas 70 minutos de duração (ligeiramente acima da duração regulamentada para uma longa): a conservação animal e ecológica. Os exigentes clientes são “V.I.A” (Animais Muito Importantes). O que os une? A pertença à lista de espécies extintas ou em vias de extinção. A loja não é senão um oásis onde os animais maltratados e extintos pela ganância humana têm a hipótese de ser servidos e apaparicados por estes mesmos humanos.
“A Concierge”, em toda a sua leveza, colorida beleza e natureza humorística, assume-se como um ato de expiação de pecados. Onde o capitalismo é combatido com capitalismo. A sua premissa parece funcionar como uma contradição de termos: estes animais foram perseguidos pelas suas belas pelagens e levados à extinção com o fim de alimentar com roupas luxuosas lojas semelhantes a esta. Todavia, um espaço destes serve-lhes agora de porto seguro. Não seria um habitat natural um melhor refúgio? E qual é a vida que estes animais têm fora da Hokkyoku Department Store. Como é que lhes é possível sobreviver?
Os protagonistas animais desta história têm ocupações: são pintores, advogados, atores e estudantes. Mas como conseguem conciliar o seu estatuto de animais em vias de extinção (ou extintos) com esta vivência quotidiana junto de humanos? Enfim, “A Concierge” apresenta um enredo fácil de desmontar e muito cingido ao microcosmos da loja, mas assim aceitamos esta bela mensagem de conservação animal para lá das imperfeições da concretização.
Acima de tudo, “Hokkyoku Hyakkaten no Concierge San”, uma simpática fantasia para toda a família, distingue-se através da sua apresentação visual. Não fosse este um filme japonês, o traço da animação tradicional é deslumbrante. Esta beleza faz-se sentir essencialmente através das marcantes artes de fundos. O background design é um elemento distintivo, e não poderia deixar de o ser, quando o realizador Yoshimi Itazu já foi animador em obras essenciais como “Paprika” de Satoshi Kon; ou “As Asas do Vento” e “O Rapaz e a Garça” de Hayao Miyazaki. A sua escola fala por si.
Por todas as suas imperfeições, que serão tão óbvias para o espectador adulto, a mensagem focada na conservação animal e no respeito para com o próximo torna “A Concierge” um recomendável filme familiar.
TRAILER | A CONCIERGE EXIBIU EM PORTUGAL NA 23.ª MONSTRA
Entre 7 e 17 de março, a MONSTRA regressou à capital com a 23.ª edição do Festival de Animação de Lisboa. Este “A Concierge”, vindo do Japão, insere-se na sua Competição de Longas.
A Concierge, a Crítica
Movie title: A Concierge
Movie description: É o primeiro dia de Akino no trabalho como estagiária de concierge no "Hokkyoku Department Store" - uma loja incomum que atende exclusivamente a animais. Sob o olhar atento do gerente de piso e dos concierges mais experientes, Akino é testada por clientes com inúmeras necessidades e problemas em sua busca para se tornar uma concierge de pleno direito. Isso é especialmente verdadeiro para os exigentes "V.I.A" (Animais Muito Importantes), que estão na lista de espécies em extinção. Uma coruja risonha que quer agradar à sua amada esposa. Um vison marinho à procura de um presente especial para o seu pai. Um lobo japonês que não tem confiança para propor à sua amada... Akino corre para atender aos desejos dos seus clientes que vêm ao "Hokkyoku Department Store" por si mesmos, pelos que amam e por muitas outras razões.
Date published: 17 de March de 2024
Country: Japão
Duration: 70'
Author: Satomi Oshima
Director(s): Yoshimi Itazu
Actor(s): Natsumi Kawaida, Takeo Otsuka, Nobuo Tobita
Genre: Animação, Fantasia
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Maggie Silva - 65
CONCLUSÃO
“A Concierge” é uma obra inócua que, apesar de se distinguir através de uma animação apelativa, nunca chega a construir um mundo completamente coeso para as suas nobres personagens centrais. Apesar disso, conseguirá partilhar a sua agridoce e importante moral com o público mais jovem.
Pros
- O intuito ecologista e defensor da vida animal;
- O pendor emotivo das pequenas narrativas que se vão traçando para os animais que visitam a loja;
- As belíssimas artes, principalmente quando falamos dos fundos.
Cons
- A falta de coesão do enredo, que cria na loja onde a nossa concierge trabalha um refúgio para animais em vias de extinção sem nunca nos dizer como é a sua vida no mundo real: só existem no vazio do armazém de compras?;
- Os estranhos jogos dos gerentes da loja, à medida que tentam decidir se Akino merece ou não ser concierge. Para quem, enquanto adulto, já sentiu alguma toxicidade no ambiente laboral, não se sentirá tão tranquilo quanto isso perante a excessiva sucessão de comportamentos controladores;
- O estilo sobrepõe-se à substância.