Mindhunter | © Netflix

Mindhunter, segunda temporada em análise

Dois anos depois, “Mindhunter” regressou com Manson e os assassinatos de Atlanta. E uma vez mais a série conhece os seus melhores momentos quando se senta à mesa e entrevista, olhos nos olhos, os seus objetos de estudo.

Sujeito estudado no briefing do departamento. Muda de roupa na mala no porta-bagagens. Gravador. Bloco de notas. Canetas. Café. Dose reforçada. Parece estar tudo pronto para uma viagem com “Mindhunter”.

Em outubro de 2017 a Netflix acrescentou ao seu portefólio de originais uma série produzida por um dos mestres do suspense nos nossos dias, o perfeccionista David Fincher. “Mindhunter” (2.º lugar na eleição da MHD de Melhores Séries Estreadas em 2017) inspirou-se nas vivências de John E. Douglas e Robert Ressler e edificou uma dupla de detetives equilibrada pelos seus desequilíbrios – algo que “Seven – 7 Pecados Mortais” ou a primeira temporada de “True Detective” já tinham provado ser fórmula de sucesso – composta por Jonathan Groff, o ator que deu a voz a Kristoff em “Frozen”, e pelo cinquentão que entretanto virou sex symbol Holt McCallany, com ares de vocalista dos 3 Doors Down embora com com mais saúde. Como com Pitt e Freeman em 1995, dinâmica estabelecida entre um idealista com paixão para mudar o mundo e um quase-reformado contagiado. E se a primeira temporada (acontecimentos vividos entre 1977 e 1980) mostrou a vanguarda na construção de perfis, a queda de dogmas e lugares comuns, com novas regras criadas e tantas outras desrespeitadas, nesta segunda (80-81) assistimos à consolidação.

Mindhunter | © Netflix

Ed Kemper (Cameron Britton foi uma revelação na série em 2017), Richard Speck, Jerry Brudos, Monte Rissell e Darrel Devier foram os serial killers entrevistados na primeira fornada; desta vez há David Berkowitz/ Filho of Sam, Elmer Wayne Henley Jr., Paul Bateson (curiosidade: teve uma breve aparição no filme “O Exorcista” de 1973, seis anos antes de ser condenado a 20 anos de prisão), William Pierce Jr., Wayne Williams, um tal de Charles Manson, e um dos membros da sua Família, Tex Watson.

Verdadeiro museu de horrores relatados, “Mindhunter” continua a ser diálogo, psicologia e comportamento. E é fantástico como uma das séries mais pesadas da atualidade acaba por rejeitar quase por completo a violência gráfica e exibida, sendo violenta a palavra, a descrição e, como tal, a nossa imaginação.

Nos bastidores, esta temporada teve realização tripartida entre David Fincher (3 episódios), Andrew Dominik (2) e Carl Franklin (4), dando Joe Penhall lugar a Courtenay Miles na supervisão escrita. O som do silêncio mantém-se inconfundível impressão digital da série, contribuindo para um maior estado de alerta do espectador, e Fincher e companhia continuam a deixar as entrevistas respirar durante o tempo necessário, tempo fundamental para que cada pingue-pongue soe orgânico e hipnotize a audiência.

Mindhunter | © Netflix

É inequívoco que “Mindhunter” conhece a sua principal força, e não tem por isso qualquer problema em deixar a câmara repousar à medida que Ford e Tench mergulham na infância, na sexualidade e na satisfação de cada assassino. Uma palavra de elogio babado para o casting dos serial killers retratados, dando inclusive a ideia que “Mindhunter” faz casting nas prisões para descobrir novos valores tão “adequados” aos papéis.

Nesse aspecto, embora o principal caso da temporada confira maior peso a Wayne Williams (condenado pelo assassinato de 2 adultos, embora suspeito de ter morto 23 das 30 crianças mortas em Atlanta entre 1979 e 1981), o primeiro brilharete acontece com Oliver Cooper como David Berkowitz, autonomeado Filho de Sam. Mas nada bate a fugaz embora poderosa e marcante participação de Damon Herriman como Charles Manson. O ator que convenceu simultaneamente Fincher e Tarantino que era o melhor para interpretar Manson serve-se de apenas 10 minutos de ecrã para nos oferecer um dos desempenhos do ano, merecendo um Emmy de ator convidado em 2020.

Na transição entre temporadas, todas as correções ou afinações fazem sentido. A série optou por remover, sem pensar duas vezes, a namorada de Holden Ford (a relação do agente com Debbie, talvez fruto da reduzida química entre Groff e Hannah Gross, fora um dos pontos fracos em 2017) e preferiu abdicar da esfera privada do protagonista viciado no seu trabalho, apostando sim na dimensão pessoal e familiar de Bill e Wendy (procurando neste último caso construir maior empatia com a personagem de Anna Torv).

Mindhunter | © Netflix

Inteligente e eficaz o ponto de partida desta temporada ser com Bill, mantendo Holden à margem, desenhando a série uma subtil alternância de protagonismo entre os dois consoante o foco de cada um no caso. Enquanto falta o oxigénio a Ford, condicionado pela ansiedade e pelo pânico, “Mindhunter” respira através dos pulmões de Tench; mas à medida que o crime em que participa o filho de Bill – que abre portas, acrescenta e enriquece várias cenas (ex.: o frente-a-frente com Manson) pelo subtexto da interpretação que um pai preocupado dá a determinadas afirmações – o assalta, Ford toma novamente as rédeas.

Michael Cerveris e Lauren Glazier são reforços, a atriz que interpreta a mulher de Bill (Stacey Roca) deixa escapar aqui e ali o seu sotaque, e as vinhetas da história de Dennis Rader (o assassino BTK – Blind, Torture, Kill – capturado apenas em 2005) prosseguem em paralelo, reforçando que nem sempre o perfil construído e algumas assumpções de Ford e Tench estão certos, uma ideia trazida à conversa pelo “consultor” Ed Kemper quando relembra aos agentes que tudo o que eles vão analisando baseia-se em assassinos capturados, quando muitos nunca o chegam a ser…

Mindhunter | © Netflix

Só deveremos ter nova temporada lá para 2021 (Fincher desenvolveu a série com um plano inicial de 5 temporadas), e não é descabido atirar que poderá incluir Ted Bundy ou John Wayne Gacy. Só podemos esperar que o nível se mantenha e que a taxonomia de serial killers prossiga, fascinada e fascinante, com uma próxima temporada a explorar novos temas com a habilidade com que esta manuseia noções como a dúvida e a culpa.

TRAILER | “MINDHUNTER”

Quais foram para ti os destaques desta segunda temporada de “Mindhunter”?

Mindhunter - Temporada 2

Name: Mindhunter

Description: Entre 1980 e 1981, Ford e Tench entrevistam vários serial killers condenados e investigam os assassinatos de crianças em Atlanta.

  • Miguel Pontares - 83
  • Filipa Machado - 80
  • Inês Serra - 70
78

CONCLUSÃO

O MELHOR – Os 10 minutos de Damon Herriman como Charles Manson e a entrevista ao Filho de Sam. A segunda temporada trabalha com habilidade as noções de dúvida e culpa. Ao manter-se verdadeiro museu de horrores relatados, “Mindhunter” continua a ser diálogo, psicologia e comportamento, rejeitando quase por completo a violência gráfica e exibida, e sendo violenta a palavra, a descrição e a nossa imaginação.

O PIOR – A taxa de acerto de Holden Ford ao traçar perfis terá que baixar em algum momento. A nova temporada corrige e afina vários aspectos da esfera privada das personagens, mas embora acerte ao remover o interesse amoroso do protagonista, acaba por exagerar e torná-lo aborrecido qb ao retirar ao agente workaholic toda e qualquer dimensão pessoal.

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