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Tudo Pelo Vosso Bem, em análise

O triller ‘Tudo Pelo Vosso Bem’ (‘I Care a Lot’), de J Blakenson, com Rosamund Pike é talvez o filme mais irreverente do momento na Netflix. Nesta história de uma enorme vilã, nada é (politicamente) correcto, pelo contrário tudo é primorosamente desagradável.  

Logo que foi apresentado, mesmo online, no último TIFF—Festival de Cinema de Toronto 2020, ‘Tudo Pelo Vosso Bem’, do realizador J Blakeson que a Netflix se apressou a comprar os direitos desta comédia irreverente, que já na altura recebeu grande aclamação da crítica, que no fundo é uma história de vilões, onde a moralidade duvidosa encontra impunidade legal. O realizador J Blakeson, — e já vamos falar mais dele — parece que inventou esta trama de ‘Tudo Pelo Vosso Bem’, depois de ter lido um artigo sobre os abusos no sistema americano de tutela legal, para dependentes. Uma questão muito comentada atualmente sobre o caso da cantora Britney Spears e do movimento #FreeBritney: muitos dos seguidores da artista acreditam que desde 2008, o pai Jamie Spears, continua controlar-lhe a vida e as suas escolhas pessoais e profissionais. A cantora já teve vários episódios de crises de saúde mental, e o pai acabou por ficar com a sua tutela em tribunal. Tal determina, que uma pessoa não está apta a tomar decisões sobre a sua vida sozinha, devido à sua fragilidade física e emocional. A partir daí, o pai da cantora ficou responsável pelo seu património financeiro e pela sua carreira.

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‘Tudo Pelo Vosso Bem’ é um filme que também fala sobre o sonho americano e o sucesso, que mesmo assim é muito complexo e relativo, mas agora no que diz respeito a idosos com posses e a empresas e instituições sem escrúpulos, que procuram tirar partido da lei, para dai tirarem lucros. Neste complicado contexto, em que o Estado ou melhor os tribunais se impõe ao indivíduo — como aliás acontece em ‘Listen’ de Ana Rocha de Sousa, no que diz respeito às adopções forçadas — ‘Tudo Pelo Vosso Bem’ torna-se antes numa brilhante comédia de vilões, baseada precisamente, nas áreas cinzentas da lei, onde a moralidade duvidosa se cruza com a impunidade legal. Nada que os protagonistas façam é ilegal, mas é igualmente nefasto, como acontecia em parte na trama do filme luso-britânico. 

Tudo Pelo Vosso Bem
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Descritos estes elementos introdutórios à matéria-prima de ‘Tudo Pelo Vosso Bem’, recordo que há cerca de 12 anos, quando o argumentista e realizador J Blakeson, se estreou com ‘O Desaparecimento de Alice Creed’ (2009) — a história de um sequestro — já na altura se lhe previa, um futuro promissor nos filmes. E o facto é que logo no início de ‘Tudo Pelo Vosso Bem’, que se sente, em sentido figurado obviamente, um certo cheiro a esturro, num thriller de entretenimento, alegremente cínico, extremamente desagradável e que às vezes até parece horrível e imoral de se assistir. Mas o facto é que resistimos a ir surpreendentemente até ao fim, ao lado dos vilões, sempre iludidos pelas tremendas e imprevisíveis reviravoltas.

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Tudo Pelo Vosso Bem
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Marla Grayson (Rosamund Pike) não tem escrúpulos em se beneficiar dos outros. Juntamente com a sua companheira Fran (bela e selvagem mexicana Eiza González), as duas mulheres encontram buracos na lei e aproveita-se de dezenas de idosos reformados e ricos e sem cuidados da família, tornando-se Marla a sua tutora legal e a parceira, a cuidadora informal. Ao detectarem a situação de Jennifer Peterson (Dianne Wiest), uma mulher milionária, e conseguirem declará-la dependente à força, primeiro pela sua médica assistente e depois pelo tribunal, o casal acredita ter apanhado, uma verdadeira galinha de ovos de ouro, a quem facilmente poderiam extorquir os bens. Enquanto tentam realizar seu plano de extorsão, Marla e Fran acabam por descobrir que a velha senhora, não é tão vulnerável ou tola quanto parece; ou melhor que a Sra. Peterson —maravilhosamente interpretada pela veterana Wiest — não é exactamente o que pensavam. Então as ações do casal, começam a ser travadas, por um proeminente criminoso, interpretado por Peter Dinklage (o Tyrion Lannister de ‘A Guerra dos Tronos’), que protege discretamente, a despachada velhota.

Tudo Pelo Vosso Bem
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Rosamund Pike vale o filme todo, porque é tremenda na sua interpretação, dando-nos uma faceta estilo ‘loira Hitchcock’, agora talvez, numa das personagens mais ultrajantes, desde ‘Em Parte Incerta’ (2014). Pike, proporciona-nos uma enorme vitrine de pura perversidade predatória, iluminando o ecrã com seu, jeito de andar, corte de cabelo, os seus óculos escuros, as roupas coloridas de moda. Ela é deplorável e sociopata, mas ao mesmo tempo é uma personagem fascinante pela sua arrogância, coragem e hedonismo: consegue ser sedutora, num traço comum a todos os vilões, quer no ecrã quer na vida real.  É impossível assistir a algumas cenas de ‘Tudo Pelo Vosso Bem’, sem sentir repulsa, vontade de intervir, sem uma sensação de raiva ou revolta, que nos impulsiona, durante praticamente todo o filme. Todos conseguimos imaginar a possibilidade de acontecer o mesmo à nossa mãe ou pai, ou a nós mesmos, de estarmos um dia na situação da Sra. Peterson, quando formos velhos e dependentes. Blakeson e Pike transformam a Marla, numa personagem implacável e violenta, cujos os comportamentos rígidos, tensos e gelados, cresceram, porque teve e tem de enfrentar agora homens, que são tão ou mais maquiavélicos que ela, mas talvez menos inteligentes. Talvez por isso, ela tenha optando antes, pelo amor de uma mulher.

Tudo Pelo Vosso Bem

E não são necessárias não sei quantas cenas de sexo para acreditar que as duas mulheres Marla e Fran, estão apaixonadas e é isso que lhes dá a adrenalina, que se traduz-se no seu espírito das guerreiras-vencedoras e quase imortais. Pike é a grande ‘vilona’, desta desta comédia negra, com um final imprevisível, onde ninguém é bonzinho e numa história que conta com um elenco de estrelas, que inclui ainda Chris Messina (‘Birds of Prey’), Peter Dinklage (‘A Guerra dos Tronos’) e Dianne Wiest (‘Hannah e Suas Irmãs’). É curioso também como este olhar ácido sobre o sistema americano, de protecção de idosos, seja protagonizado no essencial, por uma mexicana, (Eiza González) e por uma britânica, Rosamund Pike, no papel da retorcida, elegante e luminosa Marla, que consegue, criar química até com uma parede. Para já esta interpretação de Rosamund Pike, em ‘Tudo Pelo Vosso Bem’ já lhe valeu uma nomeação para os Golden Globe 2021, na categoria de Melhor Actriz de Comédia. E mais se espera desta aposta da Netflix, que continua a cumprir com o seu objectivo de lançar um filme por semana, no streaming.

Tudo Pelo Vosso Bem, em análise
  • José Vieira Mendes - 80
80

CONCLUSÃO:

‘Tudo Pelo Vosso Bem’ é uma comédia negra de vilões, onde moralidade duvidosa se cruza com a impunidade legal. Marla (Rosamunda Pike) e Fran (Eiza González) formam um casal de cuidadoras de idosos, que, longe de fazerem um bom trabalho, aproveitam-se da lei da dependência nos EUA, para criarem um complexo enredo, no qual roubam todos os pertences e o dinheiro, daqueles que ele supostamente ajudam legalmente. Ao conhecer uma mulher milionária, declarada dependente à força, o casal acredita ter acertado no alvo perfeito, até perceber que a velha não é tão vulnerável ou tola quanto parece e logo a sinistra actividade das duas é posta em causa.

O MELHOR: A interpretação de Rosamund Pike é primorosamente desagradável neste thriller tóxico e imprevisível;

O PIOR: As situações apesar de desagradáveis e imprevisíveis, perdem por vezes em alguma inverosimilhança em exagerados super-poderes.

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