Emma Thompson | ©HBO Portugal

Years and Years, primeira temporada em análise

“Years and Years” é a chamada de atenção que temíamos receber, e a prova de que podemos de facto estar a regredir, em vez de evoluir…

Years and Years” poderá ter passado despercebida, em comparação com outras séries lançadas na mesma altura. A mini-série de seis episódios resulta de uma produção conjunta da BBC e HBO, sendo assinada por Russell T. Davies (“Doctor Who“; “A Very English Scandal”). Apresentada como “um drama que acompanha os membros de uma família à medida que as suas atarefadas vidas convergem numa noite crucial em 2019,” “Years and Years” não deverá ser limitado à sua pobre sinopse.

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Ao contrário de, por exemplo, “The Handmaid’s Tale” ou “Black Mirror,” “Years and Years” transporta-nos para uma realidade, cujo grau de probabilidade é assustador e surpreendente. O futuro continua a ser distópico, mas o seu grau de proximidade é a chamada de atenção que, muito seguramente, não queríamos receber. A série tem como ponto de partida 2019, numa Grã-Bretanha pós-Brexit, onde os primeiros impactos desta decisão começam a ser sentidos. Do outro lado do Atlântico, Donald Trump ganha o segundo mandato e a China decide construir uma base militar em forma de ilha artificial em águas controversas, apelidada de Hong Sha Dao. Nos entretantos, a polémica empresária Vivienne Rook (Emma Thompson) forma um partido, o Four Star Party, com o qual concorre às eleições de 2022 da Grã-Bretanha e perde. No mesmo ano, a Rússia apodera-se da Ucrânia, e Trump explode uma bomba nuclear em Hong Sha Dao.

Emma Thompson
Emma Thompson dá vida a Vivienne Rook, a cara do Four Star Party | ©HBO Portugal

Seguimos estes acontecimentos e os seus impactos em paralelo com a vida dos Lyons, uma família britânica composta por quatro irmãos e respetivas famílias, cuja matriarca é a avó (Anne Reid) que parece não envelhecer. Não lhes podemos chamar propriamente a família típica, mas podemos afirmar que variedade não lhes falta. Edith (Jessica Hynes), a irmã mais velha do clã, é uma ativista, conhecida por estar sempre na frente dos últimos acontecimentos, mesmo quando estes implicam levar com uma dose de radioactividade mortal.  Stephen (Rory Kinnear) é o próximo na linha dos irmãos Lyons, um ex-bancário frustrado, que perdeu todo o seu dinheiro quando a banca colapsou. Esta cena é uma das que fica na memória, retratando como se de peças de dominó se tratassem o fecho de banco, após banco, acompanhado por uma multidão enraivecida que segue porta a porta o colapso, na tentativa de resgatar a sua conta.

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Ironicamente, não podemos deixar de relembrar o papel de Kinnear em “Brexit,” também disponível na HBO Portugal, no qual liderava a campanha contra a saída da Grã-Bretanha da UE, enfrentando para isso a inteligência de Dominic Cummings, interpretado por Benedict Cumberbatch. Agora, em “Years and Years” o seu personagem sofre com as consequências da perda dessa luta. Stephen é casado com Celeste (T’Nia Miller), uma mulher que é o seu oposto e de quem tem duas filhas, Ruby (Jade Alleyne) e Bethany (Lydia West). Ruby é a adolescente ‘normal,’ ao passo que Bethany já não tanto. É com ela que descobrimos que existe uma nova vertente entre os jovens: a transhumanidade, ou seja, a capacidade de exportar a consciência para a Cloud. Não há nada mais que Bethany deseje do que se tornar digital e estar em todo o lado, para sempre. É com a adolescente que vemos também a possibilidade da existência de filtros, como os que usamos nas redes sociais, na vida real, substituindo a cara pelo ‘holograma-máscara’ escolhido. Enquanto estreante, não podemos deixar de referir que a atriz Lydia West ganhou a nossa atenção.

Years and Years
Os Lyons, da esquerda para a direita, Daniel, Edith, Rosie, Stephen e Bethany | © HBO Portugal

Alterando a ordem cronológica dos irmãos, exploramos Rosie (Ruth Madeley), a irmã mais nova do clã Lyons. Rosie nasceu com espinha bífida, pelo que se movimenta através de numa cadeira de rodas, tal como Madeley na vida real, mas isso não é de todo impeditivo para a sua vida, quer profissional, quer amorosa. Aliás, de todos os Lyons, Rosie é a que tem dois filhos de dois pais diferentes e está sempre pronta para o romance. Trabalhadora e determinada, a irmã mais nova é despedida da cantina onde cozinhava quando a comida passou a ser ‘de laboratório,’ começando a venda de cachorros-quentes, igualmente produzidos a partir de bactérias, numa roulote. No entanto, os seus problemas não acabaram ai, uma vez que à medida que a personagem de Thompson cresce politicamente, ascendendo a Primeira-Ministra, o número de leis aumenta em proporção. Uma dessas leis delimita precisamente as áreas em que Rosie pode estar com o veículo e chega ao ponto de a limitar, e a quem mora na sua zona agora considerada perigosa, de circular livremente, obrigando a um recolher obrigatório.

Esta restrição é apenas um exemplo das medidas impostas por Vivienne Rook e o seu Four Star Party. Outros exemplos incluem a limitação do voto a pessoas com QI abaixo de 70, ou, a obrigatoriedade de todos os que tiverem quartos desocupados de acolher refugiados, uma vez que já não existe alojamento governamental suficiente para todos. Aliás, este problema leva ao surgimento de uma variante do Terceiro Reich, com o envio de refugiados para campos Erstwhile, palavra que ironicamente significa “antigamente,” onde é espalhada uma ‘gripe’ entre a população… E mais não iremos revelar.

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Deixamos o irmão do meio para último, Daniel (Russell Tovey), que é provavelmente a personagem com maior densidade e que maior empatia desperta em nós. Um funcionário do governo gay responsável pelo alojamento de refugiados. Tal como referimos, a Rússia tomou posse da Ucrânia, o que despoletou uma crise de refugiados um pouco por toda a Europa. É durante o trabalho que Daniel conhece Viktor (Maxim Baldry), um Ucraniano que fugiu do seu país após ter sido torturado por ser homossexual, em consequência da denuncia dos próprios pais. A sua relação evolui ao ponto de Daniel se separar do marido e ficar noivo do refugiado. Aqui não podemos deixar de destacar a química entre os dois atores, Tovey e Baldry, que é notável e cativante. E é através desta relação que entramos na dura realidade de quem é obrigado por diversas razões a deixar seu país de origem, em busca de um refúgio. No caso de Viktor, essa busca torna-se numa verdadeira odisseia, motivada em grande parte pelas leis que Rook também impõe a quem chega à Grã-Bretanha.

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Maxim Baldry protagoniza algumas das melhores cenas de “Years and Years”| ©HBO Portugal

Aqui, tal como em muitas outras cenas, T. Davies não teve medo de retratar as coisas como elas são e de assumir que, muito provavelmente, nada mudará durante os próximos 10 ou 15 anos. Podemos pensar que estamos a evoluir – e podemos estar tecnologicamente, – mas humanamente a regressão é superior. E “Years and Years” personifica este dualismo de forma brilhante. Pensamos que daqui a uma ou duas décadas o mundo irá estar diferente, mas Russell T. Davies dá-nos todos os argumentos de que tal possa não acontecer com uma credibilidade assustadora. Não é por acaso que o guionista britânico é considerado um dos melhores da sua geração, sendo a grande maioria dos seus projetos dramas emocionais, com foque na temática gay e na sexualidade.

Contudo é interessante ver como em “Years and Years,” temas que ainda possam ser considerados chocantes, caem no pano de fundo da série. No final dos seis episódios, a informação que retemos não foram as cenas de sexo gay ou o facto de ninguém se importar com a existência de uma criança transgénero, mas sim o quão iminente qualquer uma destas tóxicas situações poderá estar.

Years and Years - Primeira Temporada
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Name: Years and Years

Description: Years and Years acompanha os membros de uma família à medida que as suas complexas vidas convergem numa noite crucial em 2019, quando a Grã-Bretanha é abalada por avanços políticos, económicos e tecnológicos.

  • Inês Serra - 90
  • João Fernandes - 75
  • Maria João Sá - 80
  • Miguel Pontares - 79
81

CONCLUSÃO

“Years and Years” é, até agora, uma das melhores séries estreadas. A mestria com que Russell T. Davies nos leva de acontecimento em acontecimento, cada um mais provável que o outro, é de facto espantosa e não deve ser ignorada.

O MELHOR: O argumento, a realização e o elenco, que é realmente capaz de transmitir o sentido de coesão e proximidade que a série exige.

O PIOR: Serem só seis episódios.

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