DocLisboa ’25 | Videoheaven – Análise
“Videoheaven” é um filme ensaio com quase três horas de duração e argumento e realização por Alex Ross Perry (“The Color Wheel”, “Her Smell”), com direito a narração pela talentosa Maya Hawke (“Stranger Things”).
O que podemos esperar quando um talentoso cineasta da cena alternativa norte-americana, responsável por indie darlings como “Listen Up Phillip” ou “The Color Wheel”, decide escrever uma carta de amor aos videoclubes e sua responsabilidade por moldar a cultura cinéfila de uma geração? Uma obra longa, detalhada, bem ritmada e onde a auto-consciência é a melhor arma para analisar o papel e a representação do espaço perdido do videoclube.
Dos anos 80 ao presente: o videclube em Videoheaven
Relegado hoje a filmes de época, o espaço do videoclube foi um dos mais vibrantes no mundo do cinema dos anos 80 e 90 e “Videoheaven” acompanha, em detalhe, a evolução da sua representação – de uma saga onde tudo parecia possível nestes espaços até à sua eventual erradicação, tornando-se progressivamente algo pertencente ao passado e até indesejável.
Na sinopse oficial de “Videoheaven”, o espaço do videoclube é tido como algo que transformou a própria forma como interagimos com os filmes, premissa claramente defendida por Alex Ross Perry nesta obra exibida no DocLisboa. Todavia, “Videoheaven” mostra também como o espaço do videoclube foi moldado através da sua própria representação cinematográfica.
Os videoclubes são tidos como espaços de primeira linha no mundo do consumismo desenfreado dos anos 80 e 90, bem como centros socioculturais e fontes de angústia existencial e social – o sítio onde, para alugar um filme, era obrigatório passar primeiro pelo funcionário da loja, sempre munido de gostos eruditos e fortes julgamentos a tecer.
“Videoheaven” é um filme que se faz a partir de dezenas, senão centenas de fontes visuais, muitas delas filmes de grande sucesso, bem como séries televisivas e ainda muitos anúncios do período de ouro dos cineclubes. Aqui se retrata a forma como estes espaços, dos uniformizados aos mais independentes, tiveram um impacto gigantesco e inegável na cultura cinematográfica, sendo a sua história tão importante quanto breve.
Esta obra longa, a rondar a barreira das três obras, é sem dúvida um filme-ensaio que podemos ver tanto de seguida como em partes (os capítulos são claros: o que é o cineclube, a sua importância e declínio, a sua representação e um epílogo colorido), sendo sempre capaz de entreter, embora vivêssemos bem se a longa-metragem fosse ligeiramente mais curta.
Uma narração abençoada por Maya Hawke

Auto-referencial desde o seu primeiro instante, “Videoheaven” começa com a nossa narradora, Maya Hawke (“Do Revenge”) a discorrer sobre imagens do seu próprio pai num filme passado num videoclube. Assim se estabelece um tom brincalhão e auto-consciente. Não fosse Hawke mais à frente narrar imagens dela mesma em “Stranger Things”, e não trabalhasse a sua personagem Robin precisamente…num videoclube. Hoje em dia, este espaço pertence, por excelência, aos filmes e séries de época.
Rapidamente entramos em modo informativo, situando-nos o filme através de alguns factos basilares. Por exemplo, em 2000 existiam mais de 20 mil videoclubes nos Estados Unidos da América, mas eis que, hoje em dia, o espaço físico da video store praticamente deixou de existir. Nos anos 80, multiplicaram-se as video-cassetes e com elas, os catálogos megalómanos dos videoclubes. Segundo consta, as lojas Blockbuster nos EUA chegaram a comportar mais de 10 mil títulos por loja, isto ainda durante o auge das cassetes.
As video stores no cinema – uma exploração

“Videoheaven” é para lá de detalhado na sua representação dos cineclubes em cenas filmadas, explorando em detalhe os enredos que se passam nestes locais. Na minha modesta opinião, talvez a exploração tão pormenorizada se torne inclusive excessiva.
Aqui, assistimos quase a um diálogo, vivo e dinâmico, entre as cenas de filmes e séries escolhidas e a narração do filme ensaio. Aqui, estamos muito para lá do valor de nostalgia, explorando todas as potencialidades deste nosso “videoheaven”.
O filme nunca deixa de entreter, mas faz-se sentir mesmo muito longo (porque assim o é). Passamos por muitas secções altamente informativas, explorando a estandardização dos videoclubes e das suas grandes marcas nos anos 90, mas também explorando o valor narrativo destes espaços, como já mencionámos.
“O cinema para adultos não está lá para ti. Está lá para outra pessoa”
Assim, no videoclube as vidas privadas são colocadas em destaque, e temos um domínio das aventuras inóspitas e da vergonha. Tal é acima de tudo representado no capítulo dedicado à importância da zona dos títulos para adultos na cultura do videoclube, mas também todo o impulso forte para esconder a sua existência e desejo inerente no consumidor.
O videoclube é também o sítio dos encontros desnecessários, o lugar onde o funcionário mítico nasce, um cromo dos anos 80 e 90 que tem um emprego precário mas que é rei neste espaço. Estas importantes figuras, descritas como inteligentes e arrogantes, são escrutinadas no filme ad nauseam.
Sem dúvida, o “gosto” é tido e explorado como um elemento de união no contexto de “Videoheaven”, mas apenas durante o período áureo destes estabelecimentos. Neste filme nada escapa: tudo o que o cineclube e o videoclube representam na cultura colectiva, quais os modos de representação desse significado e como evoluiu essa representação.
De uma cultura alternativa e “cool” até à decadência destes espaços, a qual evidentemente também se repercutiu na representação cinematográfica do espaço do videoclube. Entre uma montagem interesse e um epílogo inteligente sobre o “after life” dos videoclubes, ninguém sairá de “Videoheaven” sem um conhecimento bem reforçado sobre esta cultura, que se fez tão importante e que hoje está praticamente esquecida, sem significado até para as novas gerações.
Como é possível? Alex Ross Perry e Maya Hawke explicam tudo, em grande detalhe.
Videoheaven - Análise
Conclusão
- “Videoheaven”, filme-ensaio de Alex Ross Perry, narrado por Maya Hawke, explora em detalhe a importância dos videoclubes na cultura cinéfila.

