Downton Abbey | Novas modas para “Uma Nova Era”
“Downton Abbey: Uma Nova Era” leva a família Crawley até ao fim dos Loucos Anos 20, ao mundo do cinema e à Riviera Francesa. Tais aventuras exigem modas a condizer, novos figurinos para aquele que é, quiçá, o capítulo final desta história.
Anna Robbins só começou a trabalhar para os criadores de “Downton Abbey” aquando da sua quinta e penúltima temporada. No entanto, foi ela que seguiu a série para o cinema, desenhando o guarda-roupa para o filme de 2019 e esta nova sequela. Decorrendo em 1928, a história de “Downton Abbey: Uma Nova Era” leva as personagens da muito amada série até ao fim de uma época e o início de outra. O rescaldo da Primeira Guerra Mundial vai dar lugar ao prelúdio da segunda e, no panorama cinematográfico, o mudo morre em prol da ascensão do sonoro.
Trata-se de um momento de transição na História da Moda e isso é bem visível na generalidade das personagens. O que outrora era a última berra, agora é corriqueiro. Até as personagens mais velhas e conservadoras já vestem as linhas andróginas dos anos 20, mesmo que outros pormenores indiquem estéticas passadas. Veja-se, por exemplo, a senhora Crawley interpreta por Penelope Wilton. Seu trajo segue tendências modernas, mas o cabelo é mais antiquado, assim como as escolhas de chapelaria. No entanto, alguns dos desenhos de Roberts têm já os olhos postos no futuro.
A cintura descaída que marcou a década começa a subir novamente para uma posição mais natural. Só as mulheres mais novas adotam estes estilos, dando a peculiar ilusão de regressarem alguns dos preceitos estéticos que já tinham abandonado com o apogeu da Guerra. Notem-se as escolhas de Mary, cujas linhas severas são perfeitas para essas sugestões dos anos 30, ou mesmo Edith. Apesar de ser menos sofisticada que a sua irmã mais velha, ela é de um estatuto aristocrático superior, algo revelado pelas roupas mais ostensivamente ornamentadas e modernas.
Feitas estas observações gerais, passemos para alguma especificidade narrativa. “Downton Abbey: Uma Nova Era” começa com um casamento – o de Tom e Lucy. Para estas personagens, Robbins teve de negociar um balanço entre as suas origens e aspirações. Nunca devemos esquecer que Tom começou por ser um motorista irlandês com ideais revolucionários, enquanto Lucy passou a vida escondida enquanto criada da mãe. O matrimónio destes dois representa uma espécie de final para duas histórias de transformação social, quiçá assimilação.
Enquanto Tom enverga o uniforme formal de qualquer homem da alta-sociedade britânica da época, o vestido de Lucy vai buscar mais ao moderno que ao tradicional. A figurinista baseou-se em fotografias da Vogue para a peça, mas simplificou algumas linhas. Era importante que o vestido fosse mais prático que aqueles que Mary ou Edith em tempos exibiram, mais humilde até um certo ponto. O véu, contudo, revela a influência da força materna e uma vida no seio da monarquia. Tule e renda caem como uma cascata branca, coroada com diamantes e pérolas.
Depois desse início nupcial, a história divide-se em duas ações paralelas e, ocasionalmente, perpendiculares. A Condessa de Grantham herdou uma propriedade no Sul de França, o que leva algumas personagens a viajar até terras gálicas no pico do Verão. Ao mesmo tempo, outros membros da família e a maior parte do staff ficam para trás, em Yorkshire, servindo de anfitriões a uma equipa de filmagens. Estas desventuras trazem novas linhas estilísticas a uma narrativa que sempre foi fortemente focada na aristocracia conservadora.
Começando pelas férias em França, Anna Robbins foi buscar inspiração a algumas das figuras reais que o próprio guião nomeia enquanto influências da moda e dos bons costumes. Trocando lãs e sedas por linho e algodão, os Crawley vestem-se em jeito mais relaxado. Para Lady Edith, em particular, Coco Chanel serviu de inspiração. Também há que se considerar quanto ela tem regressado aos círculos boémios londrinos, pelo que alguns detalhes a definem enquanto uma mulher moderna quando comparada com a mãe e as outras senhoras mais velhas.
Alguns desses detalhes incluem o uso de calças como moda de lounge, um quimono ao invés de robes ocidentais e novos pijamas de cetim. Numa cena, em particular, Edith e companhia envergam bons exemplos dos estilos desportivos que começavam a dominar as revistas de então. Para jogar ténis, os membros mais novos do clã envergam uma cornucópia de brancos e cremes, tecidos leves e cortes pragmáticos. Mesmo assim, o luxo mantém-se, ora em sapatos de cabedal branco, lenços de seda na cabeça ou óculos-de-sol baseados nos modelos de marcas caras.
Em interlúdios mais formais, vemos como o jazz passou de transgressão proibida a algo que toda a gente moderna tolera. Isso influencia os vestidos cada vez mais curtos, trocando a volumetria das saias até aos pés por traços mais ligeiros. Isso não se aplica a todos, é claro. A anfitriã francesa prefere estilos que denunciam o apogeu da Belle Époque, enquanto Cora Crawley não dispensa mangas largas, capas e grandes extensões de seda a marcar presença. Considerando a história desta personagem específica, a ideia de ser ultrapassada pelo tempo é algo que faz sentido, tanto ao nível do traje como da psicologia.
É evidente, contudo, que as modas veraneantes no Sul de França continuam a ser mais próximas dos Crawley do que os invasores do grande ecrã. A equipa de filmagens que invade o casarão exemplifica uma sociedade mais despegada à tradição e até às estéticas vinculadamente inglesas. Por outras palavras, o glamour de Hollywood chegou a Downton. Isso é evidente no guarda-roupa de Myrna Dalgleish, cheio de joalharia Arte Deco e um gosto pelos tons platina a condizer com o cabelo. Também ela se cobre de peles caras, sempre brancas e quase reluzentes.
Robbins diz ter-se inspirado em Gloria Swanson e Clara Bow, mas a atriz parece-se mais com Jean Harlow cujo estrelato só começaria uns anos depois de 1928. Anacronismos aparte, faz sentido reforçar quanto a gente do cinema vem de um mundo muito diferente da nobreza rural. Essa natureza exótica é sublinhada ainda mais pelos figurinos do filme dentro do filme. A trama rodada em Downton passa-se em 1875, pelo que o ecrã é invadido por uma cornucópia de fatos Vitorianos. O grande desafio destas peças é o modo como são uma justaposição de estilos.
Por um lado, os preceitos do século XIX dominam a silhueta, mas os materiais e detalhes piscam o olho aos anos 20. Numa das mais deliciosas cenas, os criados de Downton viram figurantes e têm direito a vestir-se a rigor. De repente, o elenco secundário até então limitado a roupas práticas e sem ornamento, aparece-nos coberto de rendas e brilhantes. É um momento feito para agradar aos fãs, concedendo o deslumbramento estilístico até às classes mais baixas. A folia serve para contrastar as notas melancólicas com que o filme termina.
Nessas conclusões funéreas, a vida e morte fecham um círculo eterno e a saga da família Crawley parece ter encontrado um ponto perfeito de despedida. Em termos de figurino, isso denota-se no modo como certos legados são transmitidos, novos papéis assumidos no ecossistema da casa. Lady Mary começa a usar a joalharia de outra personagem, por exemplo, assumindo a sua posição enquanto matriarca autoritária para as gerações que virão. Assim o filme termina, de olhos postos no futuro, ao mesmo tempo bebe a ambrósia nostálgica, celebrando a mudança enquanto os figurinos brilham com o esplendor do passado.
“Downton Abbey: Uma Nova Era” já chegou aos cinemas portugueses. Não percas esta continuação cinematográfica do fenómeno televisivo.