'Evil Does Not Exist' ©Biennale di Venezia

Festival de Veneza | Se ‘Evil Does Not Exist’, Sakamoto é um deus

O japonês Ryusuke Hamaguchi, o realizador de ‘Drive My Car’, apresentou na Competição o seu novo filme ‘Evil Does Not Exist’, um ensaio ecologista e filosófico sobre uma comunidade, que se vê ameaçada pela construção de um glampig de luxo, no seu bosque. Mas foi dia de homenagem ao lendário compositor Ryuichi Sakamoto.

‘Evil Does Not Exist’, o novo filme que japonês Ryusuke Hamaguchi, traz ao Festival de Veneza, conta uma história que examina minuciosamente, o dinamismo de poder, entre os habitantes de uma pequena comunidade rural e uma sociedade para o desenvolvimento imobiliário. Contudo é igualmente uma bucólica reflexão sobre a vida, a natureza e o cinismo de certas instituições (e empresas), que sobre a capa da sustentabilidade e defesa do ambiente, não querem mais do que o desenvolvimento urbano e promoção de negócios de alta rentabilidade. O capitalismo selvagem cai-se adaptando a todas as situações. O filme começa com Takumi (Hitoshi Omika) e a sua filha Hana, de 8 anos, que vivem na pequena vila de Mizubiki, perto de Tóquio. Como outras gerações anteriores, vivem uma existência modesta, segundo os ciclos e a ordem da natureza. No entanto, um dia, todos os moradores da vila têm conhecimento de um plano para se construir um glamping, que ficará localizado no bosque, muito perto da casa de Takumi.

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VÊ TRAILER DE ‘EVIL DOES NOT EXIST’

Um plano enganador que pretende oferecer a quem vive na cidade uma cómoda fuga na natureza e ao mesmo tempo gerar receitas para melhorar a qualidade de vida dos habitantes. Quando os dois representantes da empresa de Tóquio chegaram à vila por causa de um incidente provocado, procuram defender o projeto a todo o custo, enquanto os habitantes reunidos, questionam o impacto negativo, não só do projecto como, da aprovação do local, onde se fará um melhor aproveitamento hídrico. As intenções do promotor são obviamente um perigo para equilíbrio ecológico, sobretudo das águas claras e limpas, vindas da montanha e sobretudo para o modo de vida, dos habitantes, inclusive do melancólico Takumi.




Evil Does Not Exist
‘Evil Does Not Exist’ © Biennale di Venezia

Em ‘Evil Does Not Exist’ é um pequeno paraíso terrestre que está sendo posto em causa por quem pensa apenas em negócios e no seu retorno económico. Hamaguchi aposta claramente numa perspectiva ambientalista e humana, focando-se na resistência das pessoas ao empreendimento. Porém, propõe ainda algo ainda mais interessante, para além de nos descrever o ritmo pausado da vida na vila: entra também no mundo privado dos agentes imobiliários, das empresas de comunicação, especializadas em estratégias de crise e nas suas técnicas de manipulação e convencimento. Termina com uma reviravolta dramática muito simples, mas suficientemente forte para questionar os instintos humanos e a crescente dificuldade da humanidade, viver em harmonia com a natureza.

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Ryuichi Sakamoto-Opus
‘Ryuichi Sakamoto-Opus’ © Biennale di Venezia

A propósito, é importante destacar mencionar outro extraordinário japonês: o lendário compositor Ryuichi Sakamoto, falecido a 28 de março de 2023, aos 71 anos, após uma longa batalha contra um cancro foi homenageado com a apresentação de ‘Ryuichi Sakamoto-Opus’ (Fora de Competição), um filme que funciona como o seu testamento espiritual e artístico. Nos anos que antecederam a sua morte, Sakamoto não conseguia dar concertos ao vivo, nem viajar. Em 2022, reuniu todas as suas poucas energias — e o esforço é visível no filme, apesar do seu talento — para deixar registada uma última actuação ao vivo. Esta obra póstuma, intimista, sublime e comovente, tomou a forma de um filme-concerto num elegante registo a preto e branco, dirigida pelo seu filho Neo Sora. Porém, Sakamoto teve o cuidado de escolher as vinte músicas do alinhamento concerto, com as quais quis reconstituir toda a sua carreira: do período techno pop com a sua banda, Yellow Magic Orchestra, até as magníficas magníficas sonoras a solo, entre as quais se destacam as dos filmes, ‘Chá no Deserto’ e ‘O Último Imperador’ (Óscar de Melhor Banda Sonora Original) de Bernardo Bertolucci, começando pela música meditativa de ’12’, o seu último álbum e talvez o seu testamento artístico, um resumo do conjunto da sua obra.




VÊ TRAILER DE ‘RYUICHI SAKAMOTO-OPUS’

‘Ryuichi Sakamoto-Opus’ é um dos raros exemplos de uma obra onde um artista consegue concluir toda a sua criação permanentemente quase no leito de morte. Um esforço, que lembra também a criação do esplêndido e doloroso álbum ‘Blackstar’, nos últimos dias de sua vida do seu colega e amigo David Bowie, com quem Sakamoto dividiu o set como ator em 1983, no inesquecível ‘Feliz Natal Mr. Laurence’ (‘Furyo’), de Nagisa Ôshima. Ambos devem estar sentados ao lado um do outro no Olímpio dos grandes talentos artísticos da Humanidade. Neo Sora, filho de Sakamoto é realizador, diretor de fotografia e artista visual, que em 2015 dirigiu o documentário ‘Ainu Neno An Ainu’, com o coletivo artístico Lunch Bee House e das curtas-metragens ‘The Chickens’ (2021) e ‘Sugar Glass Bottle’ (2022). 

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JVM, em Veneza

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