©Leopardo Filmes

No Interior do Casulo Amarelo, a Crítica | O cineasta Thien An Pham dá a conhecer o seu novo drama

Le Phong Vu e Nguyen Thi Truc Quynh protagonizam “No Interior do Casulo Amarelo”, o novo drama do cineasta vietnamita Thien An Pham.

Primeira obra de ficção de um vietnamita, Thien An Pham, com alguma experiência e provas dadas num passado recente no domínio das curtas-metragens, “Bên trong vo kén vàng” (No Interior do Casulo Amarelo), 2023, procura através do protagonista desta demanda da fé e do significado da vida num país que lhe está próximo e distante (o realizador nasceu em 1989 na Província de Lam Dong, Vietname, mas vive desde 2015 em Houston, Texas, Estados Unidos da América), respostas para a chamada crise de identidade que passa aqui por ser igualmente uma crise de identificação religiosa.

DERIVA DO CORPO EM BUSCA DA ALMA

No Interior do Casulo Amarelo
©Leopardo Filmes

Estamos no domínio do permanente confronto que a personagem do jovem Thien (Le Phong Vu) pacificamente estabelece com a presença dos ritos católicos e os dogmas do catolicismo introduzido no período colonial pelas autoridades civis e militares francesas. Na verdade, não me parece ser por acaso que autor e personagem partilhem o mesmo nome. E o que veremos neste “casulo amarelo” onde germinam as matérias que nos fazem sonhar são os caminhos que ele irá percorrer como uma via simultaneamente sacra e laica durante a qual se desdobra num quadro de circunvoluções voluntárias ou involuntárias pelos mistérios da alma própria e também da alma milenária de um povo a que pertence, mesmo quando se sente distante das montanhas e da ruralidade que vai encontrar, ou melhor, reencontrar depois de um longo período de aculturação nos meandros da vida urbana, onde não se privara das virtudes e dos vícios da grande cidade, neste caso, Saigão.

Lê Também:   O Amor Louco, a Crítica | O clássico de Jacques Rivette com Jean-Pierre Kalfon regressa aos cinemas

Para os devidos efeitos, Thien An Pham usa longos planos, muitos deles planos sequência, onde as escalas raramente ultrapassam os planos médios e não se aproximam dos grandes planos, o que nos faz concentrar a atenção numa série de quadros sucessivos de imagens e sons no interior dos quais de desenvolvem as principais linhas da acção definidas no essencial pelos diálogos ou pelo posicionamento relativo dos actores face ao eixo da objectiva.




Desde cedo que esta opção e este estilo se consolidam no filme que, aliás, começa mesmo por um plano sequência que parte de uma posição fixa durante a qual assistimos a um jogo de futebol. Segue-se um movimento lateral que se detém na mesa de um restaurante onde um grupo de amigos no lugar mais prosaico do mundo do ponto de vista gastronómico discute os mais refinados pontos de vista e preocupações filosóficas. De repente um barulho, uma pancada, e a confusão instala-se. Novo movimento lateral e o plano acaba por enquadrar um acidente de moto num cruzamento de ruas com o ruído da chuva que entretanto começara a cair a sobrepor-se aos sons dos lamentos das vozes anónimas que comentam o sucedido. Mais adiante, e já num outro contexto, iremos saber que a cunhada do protagonista morrera e o filho ainda criança sobrevivera milagrosamente.

No Interior do Casulo Amarelo
©Leopardo Filmes

Este plano serve, digamos assim, de matriz e de aviso para a navegação, ou melhor, divagação futura através dos longos minutos deste filme. Muitas outras sequências de igual complexidade narrativa e superiormente fotografados e sonorizados irão suceder-se umas atrás das outras. E cada uma com o ritmo próprio da demanda espiritual que se manifesta sempre subjacente ao comportamento daqueles que maior importância apresentam na materialização da estrutura ficcional. Mesmo as personagens ditas secundárias, incluindo as que aparecem por breves minutos, são peças indispensáveis para compreender e dar corpo ao conjunto.

Lê Também:   Ainda Temos o Amanhã, a Crítica | Filme de Paola Cortellesi chega à Festa do Cinema Italiano

Há por vezes soluções que nos parecem simples, mas precisamente na sua simplicidade logística reside a sedução de as acompanhar. Por exemplo, há um longo Plano Sequência combinado com um Travelling (dura cerca de 25 minutos), aquele em que Thien segue de moto ao encontro de um senhor a quem devia entregar uma soma em dinheiro por conta dos préstimos daquele na preparação do funeral da cunhada, morte que fora a razão primeira da sua deslocação da cidade para uma região rural de montanhas, rodeadas de verde e cobertas pelo branco manto das brumas. Este movimento parte mais uma vez de uma posição fixa, e a certa altura, quando Thien decide arrancar para a estrada e para as vias secundárias que o levariam ao destino, a câmara arranca e não o larga até lá chegar. Mas não se pense que o plano corta para o interior da casa.




O plano continua e o que vemos a seguir, através de uma janela, equivale ao que se passa no interior, e ali iremos escutar, mais do que uma conversa de circunstância, a confissão do velho senhor a propósito de um passado que aqui se refere pela primeira vez de viva voz. Diga-se, aquilo que ao longo do filme ecoava na nossa mente diante do que víramos em diferentes situações e em diversos flagrantes da vida real, ou seja, a memória e o recalcamento das vicissitudes da guerra, neste caso sobretudo para quem lutou pelo lado que a perdeu, as forças que apoiaram o Vietname do Sul (será mesmo citado um confronto que ficou famoso pelas piores razões, a Batalha de Vung Rô).

No Interior do Casulo Amarelo
©Leopardo Filmes

Em suma, um verdadeiro filme de autor que, sejamos francos, precisa de uma grande disponibilidade por parte do espectador e que nos seus quase 180 minutos encerra muitos motivos para o desfrutar, mesmo que a parte final não seja capaz de assegurar, como praticamente até aos 120 minutos de duração, a mesma coerência entre as forças subjectivas do destino que movem o jovem Thien, quer ele queira quer não, as linhas de separação entre o real e o onírico, e a sua conjugação objectiva numa plataforma que usa os flashbacks e a ilusão do presente com o mesmo grau de eficácia imagética e sonora. Há muitas coisas magníficas, sim, mas muitas outras precisavam de ser condensadas numa montagem mais económica.

Lê Também:   O Hotel Palace, a Crítica | Roman Polanski regressa ao grande ecrã com Joaquim de Almeida em destaque
No Interior do Casulo Amarelo, a Crítica
No Interior do Casulo Amarelo

Movie title: Bên trong vo kén vàng

Director(s): Thien An Pham

Actor(s): Le Phong Vu, Nguyen Thi Truc Quynh, Nguyen Thinh, Vu Ngoc Manh

Genre: Drama, 2023, 178min

  • João Garção Borges - 60
60

Conclusão:

PRÓS: Recebeu no Festival de Cannes de 2023 o galardão máximo atribuído a primeiras-obras, a ambicionada Caméra D’Or.

CONTRA: Nada que comprometa a serena e sensorial visão do filme em causa.

Sending
User Review
1 (1 vote)

Leave a Reply