Viagem a Lisboa (1994) |©LEFFEST

LEFFEST ’19 | Uma Viagem a Lisboa com Wim Wenders como convidado

Wim Wenders é um dos artistas homenageados na presente 13ª edição do Lisbon & Sintra Film Festival.  O realizador regressa à capital, e ao LEFFEST, depois de ter estado presente no festival em 2015. Volta apresentar os três filmes que gravou no nosso país, entre eles este “Viagem a Lisboa”. 

No penúltimo dia do LEFFEST, 23 de novembro, pelas 22h00, “Viagem a Lisboa”, da autoria de Wim Wenders, foi  apresentado no LEFFEST, celebrando agora o seu 25ª aniversário. O filme, datado de 1994, pretendia na altura celebrar os 100 anos da invenção do cinema, e também assinalar Lisboa como a Capital Europeia da Cultura em 1994. Wim Wenders voltou a falar sobre o filme, desta vez numa versão restaurada em 4K, que garantiu à sala repleta uma experiência cinematográfica bem satisfatória.

Desde já, avanço que não vou estabelecer aqui propriamente uma crítica, mas acima de tudo uma apreciação desta obra, tecendo algumas palavras de admiração aos seus momentos decisivos, e recuperando também algumas das perguntas e respostas que se seguiram à sessão.

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Esta sessão, teve, desde já, um carácter extremamente familiar e quente. Wenders subiu ao palco apenas no final deste seu “Viagem a Lisboa” e foi recebido com uma longa ovação e muitas palmas. O realizador ficou até algo espantado pela reacção tão calorosa, que aqui recebeu do público. “Lisbon Story”, em inglês, é visto como um filme pouco inspirado, ou foi assim visto, por parte de muitos dos críticos da época. O próprio realizador o pareceu de certa forma confirmar ao longo da sessão de q&a (questions and answers, ou perguntas e respostas). Então, afinal, o que torna “Viagem a Lisboa” especial para o espectador português?

Lisbon Story
©LEFFEST

O filme conta uma história bastante simples. O realizador Friedrich Monroe, ou como os locais o chamam, “Frederico”, está em Lisboa a terminar um filme silencioso e a preto e branco sobre a cidade. Envia um postal ao seu amigo e sonoplasta Phillip Winter, pedindo-lhe ajuda para acabar a obra. Winter chega a Lisboa passadas algumas semanas, e depois de alguns contratempos hilariantes,  acaba por concluir que o seu amigo “Fritz”, como lhe chama carinhosamente, desapareceu sem deixar rasto, deixando na casa onde estava a viver todos os vestígios desta obra por acabar.

Winter acaba por decidir ficar na cidade, fascinado pela sua vida, pelos seus sons muito próprios, e pela cantora portuguesa Teresa Salgueiro, vocalista dos Madredeus, que compõe a banda sonora do filme de Fritz e do filme de Wenders, e que são uma parte imprescindível da obra. O sonoplasta decide ficar em Lisboa e terminar o filme de Fritz, ao mesmo tempo que o procura. Começa assim a gravar sons que recuperam as imagens já captadas, e para o efeito entrevista aqueles que se encontraram com o seu amigo realizador nos últimos tempos. Ao mesmo tempo, passeia-se pela cidade com a sua câmara, captando imagens aqui e ali, procurando inspirações em poemas de Fernando Pessoa, alguém , ou ninguém. Já o seu amigo Fritz, “queria ser toda a gente, e estar em toda a parte”, tal como pessoa.

Viagem a Lisboa
©LEFFEST

O filme acaba por se tornar uma reflexão sobre a função, pertinência e validade atual das imagens em movimento, dos fotogramas que constituem uma obra cinematográfica. O realizador Fritz está a ter uma crise de fé, um devaneio do criador, e o regrado Winter procura incutir nova beleza onde o descrédito possa ter tomado conta.

Este é um filme sensorial, que se faz das suas imagens mais do que a sua narrativa. Mas será que o criador confia nas imagens? Serão elas traiçoeiras por procurarem sempre transmitir um ponto de vista? Estão as imagens apenas a transmitir impressões sobre o mundo do seu criador, estão elas sempre a tentar vender? Será a democratização da imagem uma maldição ou uma salvação? Diversas questões são colocadas sobre a natureza da imagem em movimento e do seu criador, questões que continuam hoje tão válidas como há 25 anos. Foram colocadas na altura, e continuam a sê-lo, à medida que o cinema procura eternamente formas de se legitimar.

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Assim, é difícil considerar “Viagem a Lisboa” como um filme simplista. Wim Wenders, ao longo do Q&A, referiu por diversas vezes como o filme tinha muito pouca história. No fundo, depois de uma conversa com o produtor Paulo Branco, surgiu a possibilidade de voltarem a colaborar, e esta “Viagem a Lisboa” aconteceu de forma muito orgânica, com pouco diálogo escrito e muita improvisação. Wenders chega a considerar o diálogo que de facto escreveu como idiota, o que é discutível, evidentemente.

LEFFEST
©LEFFEST

Este filme diz muito, tem a capacidade de tocar o povo português mais do que qualquer outro. Claro, é uma viagem digna para qualquer espectador, mas ver esta Lisboa perdida é uma pérola emotiva para qualquer alfacinha. Eu por exemplo, nascida em Almada dois anos antes da realização deste filme, nunca conheci a Lisboa que aqui é filmada. Algo que foi muito reforçado na conversa após a sessão foi esta ideia de uma cidade em transformação. Um dos momentos mais significativos da narrativa é quando vemos o antigo Bairro da Liberdade, imediatamente abaixo do Aqueduto das Águas livres.

Este bairro era povoado por pessoas, pelas suas histórias, e estava de momento a ser demolido para a construção das auto-estradas que vemos hoje. Apenas restam agora as memórias, e claro, as imagens. E, por isso, podemos discordar de Manoel de Oliveira, que num encantador cameo neste filme, defende que as imagens são traiçoeiras, que talvez só existam na mente do criador, e que se extinguem no momento em que são captadas. Aqui, a imagem é tudo o que resta.

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Wim Wenders defendeu, no final da sessão, que não saberia por onde começar a filmar a Lisboa de hoje. Descreve Lisboa como um sítio único, e reforça que certas partes da cidade ainda retêm a sua especificidade, mas e daí, talvez apenas assim o seja devido ao apreço que ganhou à cidade. Palavras sábias, certamente. Wenders defende que este movimento de contaminação que existe nas cidades não é exclusivo da nossa Lisboa, que os filmes já não são sobre locais, mas antes sobre a própria história. Hoje em dia, esta mesma realidade teria de ser representada com um argumento muito mais estruturado e preciso.

Esta sessão contou ainda com outras surpresas que a tornaram especial. Dois dos miúdos protagonistas do filme estavam presentes na sala, já bem crescidos e um deles com o seu pequeno rebento. O protagonista, Rüdiger Vogler, esteve também entre os membros do público, e a conversa tornou-se um verdadeiro reencontro, uma troca rica, que durou, de forma fluída, durante cerca de 20 a 30 minutos.

São destes momentos que se fazem os festivais de cinema, e foi de momentos que se fez este “Viagem a Lisboa”. Com o novo restauro em 4K, não há motivo para não ver e rever esta bela obra de Wim Wenders, uma homenagem sentida não só à capital portuguesa, mas também à arte de fazer cinema. O LEFFEST regressa em 2020. 

Viagem a Lisboa

Movie title: Viagem a Lisboa

Date published: 25 de November de 2019

Director(s): Wim Wenders

Actor(s): Rüdiger Vogler, Patrick Bauchau, Vasco Sequeira , Teresa Salgueiro

Genre: Drama, Comédia

  • Maggie Silva - 90
  • Cláudio Alves - 85
88

CONCLUSÃO

“Viagem a Lisboa” é uma cápsula de tempo para a nossa Lisboa, menina e moça, e também um testemunho do poder da imagem em movimento, para que não nos esqueçamos da importância das imagens.

O MELHOR: A visita a uma Lisboa que já não existe, aqui cristalizada. A forma como o realizador procurou verdadeiramente compreender a cultura que procurou aqui retratar.

O PIOR: Talvez Wim Wenders tenha razão, talvez o filme pudesse beneficiar de um enredo um pouco mais forte, mas o seu carácter vago, e a forma como os seus personagens vagueiam acaba por fazer parte do seu charme.

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