LEFFEST ’21 | A Pior Pessoa do Mundo, em análise
A comédia dramática “A Pior Pessoa do Mundo” teve a sua estreia mundial no Festival de Cannes em 2021, onde competiu pela Palma de Ouro e onde foi distinguido com o prémio de Melhor Atriz. A obra norueguesa chega pela primeira vez às salas portuguesas na presente edição do Lisbon & Sintra Film Festival.
“A Pior Pessoa do Mundo”, como será conhecida a fita em Portugal, é uma comédia romântica dramática existencialista que se debruça, com novo charme redobrado, sobre uma temática recorrente no cinema: a definitiva transição para a idade adulta, seja ela no final da adolescência ou já a largos passos rumo à casa dos 30. Este é um motivo particularmente popular no cinema indie norte-americano, mas esta obra dá ao tema uma nova e mais aprofundada roupagem.
“The Worst Person in the World” triunfa essencialmente através da sua representação das relações entre os protagonistas, com o perfil romântico de cada casal bem traçado. Os relacionamentos sentem-se reais, palpáveis, naturalistas. Evidencia-se também, como não podia deixar de ser, a prestação central de Renate Reinsve como a protagonista Julie, vencedora de Melhor Atriz em Cannes, como indicado, e com todo o mérito. A história centra-se na presença da sua força e, embora por vezes seja difícil compreender as suas acções, nunca deixamos de sentir uma muito necessária empatia para com esta figura central.
O argumento da obra ilude à primeira vista, uma jovem prestes a virar para a casa dos 30 que, abundando em autocomiseração, passa por uma crise identitária. Aparentemente um ponto de partida genérico e algo cliché, é nos detalhes que “The Worst Person in the World” se permite brilhar. Quando Julie, encurralada numa relação com um correto e apaixonado homem mais velho, Askel, se farta da expectativa do seu par, a de começar uma família em breve, eis que a jovem se envolve numa interessante e e a roçar o realismo mágico “não-traição” com Eivind.
Eivind encontra-se também ele comprometido, mas o seu encontro fortuito provocará um forte impacto no futuro do seu relacionamento e eis que o seu “não-caso” leva a novas escolhas de vida e novos começos. As duas relações não são melhores ou piores entre si, apenas correspondem a interacções distintas, robustas, entre seres afins.
Quanto aos aspectos técnicos de “The Worst Person in the World”, a história filmada é por muitas vezes quase lírica e frequentemente bela. Kasper Tuxen, DOP, foi premiado com a distinção de Melhor Fotografia no Festival Internacional de Cinema de Chicago, com mérito, pela sua representação belíssima da neurose urbana. Aliás, em diversos outros festivais recebeu também esta distinção, o que não é surpreendente, uma vez que a cidade de Oslo é sempre cativante e deslumbrante.
O olhar da câmara é próximo, mas nunca sufocante, atento, mas nunca claustrofóbico. O naturalismo ocasional da imagem casa-se na perfeição com o já mencionado ocasional realismo mágico e os dois elementos nunca entram em conflito entre si. A cena em que a heroína corre pelas ruas, com tudo à sua volta congelado, à medida que oscila entre amantes, é um exemplo claro da natureza da imagem e também a prova viva de que o trabalho da Fotografia se revela exímio e difícil de esquecer.
Visualmente rico, narrativamente carinhoso e quente, “The Worst Person in the World” não é de todo a representação de pessoas más, pouco afáveis ou pouco lá perto, se é que alguém tirou do título tal conclusão. Antes, os protagonistas são seres humanos falíveis mas profundamente empáticos.
A história é satisfatória e, se precisasse de criticar algo, seria sem dúvida um pequeno twist final desnecessário. Lá para o fim, o melodrama ganha forma através de uma reviravolta narrativa da qual o filme pura e simplesmente não necessitava. Mas eis que, com medo de que a história parecesse demasiado banal, o realizador lá incluiu este momento. Para a próxima fica a nota: o real, como ele se desenrola, é mais do que suficiente…
A obra norueguesa “A Pior Pessoa do Mundo” chegará às salas comerciais portuguesas com distribuição assegurada pela Alambique. A data de estreia não é ainda conhecida, sabendo-se apenas que terá estreia já em 2022.
A Pior Pessoa do Mundo, em análise
Movie title: The Worst Person in the World
Movie description: Prestes a completar trinta anos, Julie encontra-se numa crise existencial. Depois de ser pressionada pelo namorado, Askel, para assentar, a jovem invade uma festa e conhece Eivind, com o qual inicia um relacionamento amoroso, na expectativa de novas vivências. Porém, apercebe-se de que algumas escolhas de vida ficaram irremediavelmente para trás.
Date published: 20 de November de 2021
Country: Noruega, França, Suécia
Duration: 121'
Director(s): Joachim Trier
Actor(s): Renate Reinsve , Anders Danielsen Lie, Herbert Nordrum
Genre: Comédia, Romance, Drama
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Maggie Silva - 81
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Cláudio Alves - 80
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João Garção Borges - 75
CONCLUSÃO
Inteligente, sensível, detalhado e perspicaz, assim é “A Pior Pessoa do Mundo”, uma comédia romântica dramática existencialista que explora temáticas comuns de forma inventiva.
Pros
- A prestação central da atriz Renate Reinsve, a qual ilumina o ecrã do início ao fim;
- O tímido humor irónico que permeia a obra;
- A fotografia e as escolhas estéticas que tornam a cidade mais interessante e as relações humanas mais emotivas e quentes;
- A cena em que o tempo congela;
Cons
- A previsibilidade do enredo;
- Sem dúvida (e de longe) a necessidade de introduzir um elemento melodramático para dar “corpo” à trama – esta não precisava;