François Duhamel / Courtesy of Netflix - © Netflix

LEFFEST ’23 | May December: Segredos de Um Escândalo, a Crítica

Em antestreia exclusiva no LEFFEST 2023, 17.º Lisbon Film Festival, que decorreu entre 9 e 19 de novembro, e na secção Fora de Competição, pudemos ver “May December”, a mais recente longa-metragem assinada pelo prolífico realizador norte-americano Todd Haynes. 

O autor de obras sonantes e premiadas como “Longe do Paraíso” (2003) e “Carol” (2015) regressa com um drama com um forte cunho de comédia negra, escrito por Samy Burch a partir da história criada por este em conjunto com Alex Mechanik. Se iguala o impacto de algumas das suas obras mais poderosas? Nem por isso. Não obstante, a longa-metragem explora o comportamento humano de forma inventiva e parodia o “processo criativo” dos atores dramáticos, enquanto escrutina o nosso fascínio pelo fruto proibido e pelo escândalo.

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Com este projeto, Todd Haynes e Julianne Moore assinalam a sua 4.ª colaboração (recentemente, haviam cooperado no enternecedor “Wonderstruck – O Museu das Maravilhas“) e não deixamos de celebrar esta sua associação abençoada. Em “May December”, Natalie Portman e Julianne Moore estão inesquecíveis num dramalhão que resvala por vezes para o melodramático, e que nas mãos de um realizador e argumentistas menos talentosos teria sido um desastre completo. Todavia, Haynes sabe como explorar devidamente estas suas desconcertantes personagens.

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© Francois Duhamel / Netflix

Portman e Moore são verdadeiramente o âmago da obra, à medida que a história brinca com o conceito de Doppelgänger, criando uma atmosfera surreal e plástica desde o primeiro instante. A suspensão do real nunca acontece, estando os eventos ancorados no concreto. Mas por pouco, por muito pouco. A qualquer momento, toda esta farsa (salvo seja) podia cair que nem castelo de cartas. E é nessa mesma tensão que encontramos o verdadeiro valor de “May December”.

Esta é a história de duas mulheres: A primeira é Elizabeth (Portman), uma atriz famosa que se desloca até uma pacata povoação, um lugar daqueles que nos transmitem uma forte sensação de ‘nenhures’, apenas mais um subúrbio norte-americano aparentemente idílico, semelhante a tantos outros. Aqui, encontrar-se-á com Gracie (Moore), à medida que se prepara para a representar num novo filme independente.




Há mais de 20 anos atrás, Gracie havia causado um escândalo de tablóides com consequências duradouras, ao começar, com 36 anos, um relacionamento romântico com um adolescente de 13 anos, Joe (aqui interpretado por Charles Melton). Gracie e Joe casaram-se, constituíram família, mas toda a sua domesticidade mune-se de uma permanente  bizarria incontornável, por mais que o amor seja professado. Na aura desta representação flutuam influências ‘Lynchianas’, ‘Hitchcockianas’ e ‘Bergimanianas’.

O surreal gruda e não quer largar e o casting tem aqui um papel fundamental: Joe tem 36 anos no tempo da narrativa, a idade de Gracie quando o conheceu, mas aproximadamente 30 na vida real. Ao fim de contas, Melton representara um adolescente na série “Riverdale” entre 2017-2023 e participara noutros conteúdos fílmicos para jovens adultos em anos recentes. Vê-lo ao lado da Gracie de Julianne Moore, juntamente com os seus filhos adolescentes, nunca deixa de desconcertar e provocar uma forte sensação de uncanny.

Para esta constante aura de consternação contribui grandemente o trabalho da mistura de som, que nos deixa em permanente estado de alarme, logo desde as primeiras cenas, as quais e nos mergulham numa vida familiar que é em igual parte banal e objecto da construção de um quasi thriller. A situação caricata aqui exposta nunca é tratada com genuína seriedade, tal é certo. Todavia, também não podemos dizer que esta seja uma paródia: quer da formação da opinião pública, quer do processo de criação de uma personagem para um filme (o qual é esquivo e ardiloso por natureza). “May December” move-se agilmente, de forma a escapar a definições estanques.

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Netflix May December
© Francois Duhamel / Netflix

Não fosse a coabitação de Gracie e Joe tão invulgar e repleta de dilemas abafados acerca de responsabilidade pessoal e normas sociais vigentes, eis que Elizabeth (uma estrondosa Natalie Portman merecedora de louvores) tem um único objecto impiedoso: compreender quais os motivos que motivaram esta união, de que forma foi Joe influenciado (‘groomed’) e que segredos se escondem na mente de Gracie.




As duas personagens femininas protagonizam um jogo do gato e do rato, à medida que Elizabeth procura compreender a sua ‘personagem’. Quanto mais se embrenha neste jogo, mais deliciosamente complexo e difícil de atingir parece o seu objectivo. A par desta observação acerca da grotesca e simplista representação ‘hollywoodesca’ de true crime e narrativas verídicas, o filme contrabalança a sua estranheza com algumas reflexões honestas sobre culpa, crescimento pessoal e fortes processos de negação que moldam a forma como interagimos connosco e com o outro.

Charles Melton May December
Courtesy of Netflix – © May December 2022 Investors LLC

Como reflexão, “May December” deixa-nos com mais perguntas do que respostas e não poderíamos esperar nada menos de Todd Haynes. De Julianne Moore e Natalie Portman esperávamos o mundo e, após esta visualização, o sentimento não mudou. Charles Melton acaba por surpreender, pois apenas lhe conhecíamos personagens um pouco mais unidimensionais e aqui cria uma persona complexa, munida de quietude durante grande parte do tempo e pautada por alguns laivos de profundidade que nunca deixam de nos desarmar e de trazer  humanidade a uma história camp que serve de espaço de duelo para as gigantes Portman-Moore.

“May December” teve antestreia exclusiva no LEFFEST e chega no dia 30 de novembro às salas de cinema comerciais. Posteriormente, encontrará casa na Netflix. Em Portugal, é distribuído com o subtítulo “Segredos de um Escândalo”.

TRAILER | MAY DECEMBER, DE TODD HAYNES, ESTÁ QUASE A CHEGAR AOS CINEMAS

May December, em análise
Segredos de Um Escândalo Poster 2023

Movie title: May December

Movie description: Elizabeth (Natalie Portman) é uma actriz famosa que pretende encontrar-se com Gracie (Julianne Moore) cujo papel irá interpretar no grande ecrã. Duas décadas antes, Gracie havia causado um escândalo na imprensa devido ao seu relacionamento com o adolescente Joe (Charles Melton), 23 anos mais novo. O encontro resulta num doloroso regresso ao passado para Gracie, que procura seguir em frente, confrontada com uma perigosa busca pela verdade por parte de uma estrela de Hollywood no auge da sua carreira.

Date published: 22 de November de 2023

Country: EUA

Duration: 113’

Author: Samy Burch, Alex Mechanik

Director(s): Todd Haynes

Actor(s): Natalie Portman, Julianne Moore, Charles Melton

Genre: Drama, Comédia,

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  • Maggie Silva - 80
80

CONCLUSÃO

“May December” é uma deliciosa narrativa povoada por um sensibilidades camp e surreais, onde duas grandes intérpretes deixam a sua marca indelével.

Pros

  • O trio central, bastante equilibrado.
  • A brutal honestidade presente em certos diálogos, a qual nos desarma.
  • A plasticidade e clima de alarme instaurados pela mistura de som e montagem desde o primeiro instante.

Cons

  • Uma certa qualidade melodramática e novelesca que é inerente à estrutura do enredo, que poderá não ser do agrado de qualquer espectador(a).
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