Madeira Fantastic FilmFest | Entrevista a Virgínia Barbosa e Pedro Melo
No âmbito do Madeira Fantastic FilmFest, a MHD teve o privilégio de entrevistar dois jovens cineastas: Virgínia Barbosa e Pedro Melo.
O Madeira Fantastic FilmFest continua de vento em pompa no Auditório da Reitoria – Colégio dos Jesuítas do Funchal! Depois de ter começado no passado dia 12 de março, as projeções completamente gratuitas continuam nos próximos dias, e estendem-se até ao próximo dia 16.
O objetivo do MFFF é mostrar ao público madeirense filmes pouco conhecidos nos géneros cinematográficos do terror e do fantástico. Aliás, foi mesmo essa a intenção demonstrada pelos seus 3 responsáveis aquando da entrevista exclusiva que conferiram à equipa MHD.
Hoje, continuamos a dar-vos conhecer o trabalho que é feito no MFFF, mas desta vez do ponto de vista dos cineastas que nele participam. Assim, tivemos o extraordinário privilégio de entrevistar dois jovens cineastas cujos filmes estão presentes no certame este ano. Virgínia Barbosa e Pedro Melo podem nem ser dois nomes muito conhecidos do público português, mas têm uma paixão inacreditável pelas imagens em movimento, que nasceu quando eram ainda crianças, e que passar aos seus espectadores, que são também sonhadores.
Em conversa contaram um pouco sobre os seus filmes, sobre os seus projetos e ainda sobre “o medo” no cinema, uma das principais temáticas em destaque do Madeira Fantastic FilmFest ao longo dos três anos.
A MHD falou com Virgínia Barbosa, realizadora de “Consequência”
Virgínia Barbosa traz ao Madeira Fantastic FilmFest um filme chamado “Consequência”. Neste filme viajamos até à vida de um homem que procura descobrir o poder das cartas, através do encontro misterioso com um Mágico. Por sua vez, a curta-metragem faz-nos interrogar: será uma obsessão consequência de uma (des)ilusão? A projeção da curta-metragem “Consequência” acontece no próximo dia 15 de março às 20h.
Já Pedro Melo regressa ao MFFF para apresentar a sua nova curta-metragem. O cineasta já tinha participado no Madeira Fantastic FilmFest no ano passado com “Viagens de um Ser Senciente”, curta-metragem vencedora de dois prémios nessa mesma edição: Melhor Curta da Madeira e o Prémio do Público.
A MHD falou com Pedro Melo, realizador de “Fiddler”
Em “Fiddler”, a sua nova curta-metragem, somos levados até ao aniversário da Tânia e, tal como todos os outros dias ela está novamente a trabalhar até tarde. Exactamente às 00:00, ela recebe uma estranha mensagem de uma das suas amigas. Aparentemente, tem uma “grande surpresa” à sua espera como prenda de aniversário. No entanto, estranhamente, a mensagem não parece ser nada da sua amiga…“Fiddler” será apresentada no dia 16 de março às 19h.
A longa, mas tão interessante conversa com ambos os cineastas está disponível em baixo.
MHD: Como descobriram o vosso talento para o cinema? E qual a razão da vossa incursão pelos géneros do fantástico e do terror?
VB: É relativamente recente, e apesar de sempre ter tido uma paixão pelo cinema, (os meus pais levaram-me ao cinema desde muito cedo e a minha mãe trabalhava num clube de vídeo que me deu acesso a muitos filmes em VHS), nunca segui esse caminho. Estudei engenharia e quando comecei a trabalhar decidi comprar algum material para fazer filmes, mas ficou a ganhar pó durante alguns anos. Só em 2016, incentivada pelo meu namorado e após uns meses de preparação e estudo auto-didacta, decidi perder o medo e arriscar ao participar na competição do 48 Hour Film Project Lisboa (fazer um filme em apenas 48 horas, escrever, filmar e editar).
Foi a primeira vez que tentei fazer um filme e o facto de ter conseguido terminar a curta-metragem num fim-de-semana deu-me a motivação para continuar. Esta incursão pelo género fantástico não foi premeditada, surgiu naturalmente quando estava a escrever o guião. A magia teria um papel central mas ainda não sabia em que medida, quando conheci o José Castro, o Mágico do filme, soube logo que queria fazer um filme com ele, mas a história é que levou ao género, no meu caso fantástico e não terror.
PM: Em primeiro lugar, terei que dizer que não sei bem se tenho ou não talento para a sétima arte. Confesso sim, que tenho uma enorme paixão por esta área, a qual sempre vivi desde muito cedo. Nestas coisas as sementes são quase sempre colocadas pelos nossos progenitores, e no meu caso não constituo qualquer excepção. Fui exposto às artes pelo meu pai, e os filmes, a “tela mágica”, desde muito cedo se compatibilizaram com a minha propensão enquanto criança para o imaginar e criar. Essa paixão de criança evoluiu e actualmente faz mesmo parte da minha identidade. A partir daí foi só querer explorar mais esse fascínio, e vivê-lo. Deixar essa paixão e conhecimento manifestarem-se naturalmente ao leme do que a minha mente vai criando.
O fantástico sempre foi um género bastante intrigante e, salvo a redundância, “fantástico”. Poder criar mundos para além daquele que habitualmente lidamos, de forma a que, por breves momentos, façamos uma viagem em algo nunca antes vivido, sintamos emoções e encaremos experiências nunca antes tocadas parece-me, a mim, ser um dos pilares basilares da sétima arte. Tudo isso confere-me o cenário ideal para quebrar barreiras à imaginação, e simplesmente deixar fluir o que a criatividade tem para dar. Já o género de terror sempre foi um dos mais intrigantes para mim, e ainda hoje é. Para além da componente de adrenalina que fornece, o terror encara-nos com o maior dos desafios inerentes à nossa humanidade: o medo. E isso só por si confere igual oportunidade para um vasto campo de exploração de diversos temas e sentidos.
O fantástico sempre foi um género bastante intrigante e, salvo a redundância, “fantástico”. Poder criar mundos para além daquele que habitualmente lidamos […] sintamos emoções e encaremos experiências nunca antes tocadas
MHD: Como é que surgiu o convite para os vossos trabalhos serem projetados no Madeira Fantastic FilmFest?
VB: No meu caso não foi através de convite. Eu já tinha conhecimento do festival e queria muito que este filme fosse exibido na minha terra natal, seria muito especial para mim. Submeti o filme para o MFFF através do processo normal.
PM: A minha experiência no Madeira Fantastic FilmFest não é nova. Tive a feliz oportunidade de participar na versão do ano transacto com a minha outra curta-metragem “Viagens de um Ser Senciente”. É com muito carinho que posso afirmar que foi a minha primeira experiência num festival de cinema. E ainda bem que assim foi, pois, apesar de não ter tido a oportunidade de estar presente, a distância não foi obstáculo para sentir a incrível recepção, o apoio e o profissionalismo na realização do festival. Desta feita, não podia deixar de querer repetir a experiência, quanto mais de ter a oportunidade de poder (agora sim) marcar presença e poder mostrar o meu agradecimento pessoalmente às pessoas por detrás deste festival especial.
Podes ver o trailer de Viagens de um ser Senciente a seguir
MHD: Como decorreu a rodagem dos vossos filmes? E de que falam?
VB: A rodagem demorou vários meses. Levou muito tempo porque só filmámos aos fins-de-semana, conforme a disponibilidade da equipa e actores. Como não trabalhamos na área e todos temos outros empregos, tivemos que ajustar a rodagem.
Quando conheci o José Castro, o mágico do Consequência, tive logo uma imagem dele no Bar Old Vic em Lisboa. Essa imagem foi a génese de tudo, não sabia nada da história, nem o que fazia o mágico nesse bar, mas a história foi construída a partir dessa imagem.
Também tivemos algumas limitações de tempo ao rodar as cenas dos bares e quiosques de Lisboa, devido ao horário de expediente. Dificultou um pouco algumas cenas, porque tens que ser muito rápido a fazer a iluminação e depois a gravar, não podes fazer tantos takes quanto gostarias, mas obriga-te a trabalhar rápido e a tomar decisões rápidas, o que é sempre bom para o futuro. O filme fala sobre uma (des)ilusão e a consequência que isso pode ter na vida de uma pessoa.
PM: O “Fiddler” surgiu, muito basicamente, da velha e enigmática questão: “o que é a morte”? Colocando igualmente a hipótese de como seria a morte personificada? E será que, uma vez que aceitemos a ideia de que a morte possa ser personificada, sente necessidade de manipular? De fazer batota no seu ofício e a rodagem foi muito simples. Maioritariamente filmada durante a noite, contou com a presença de pessoas que nunca antes haviam feito algo “sério” à frente das câmaras. É, no seu âmago, um projecto inteiramente independente e amador. É também um projecto familiar, no sentido em que foi filmado inteiramente com elementos da família.
Nesse aspecto confesso que tive muita sorte com as pessoas que trabalhei. Uma delas, a “estrela” principal é a minha namorada, que apresentou uma incrível sensibilidade para o que se pretendia com cada cena, para além de ter contribuído de forma útil para a construção da personagem. Não é usual contar com essa prontidão na preparação e compreensão das cenas a serem interpretadas.
MHD: Quais foram as vossas influências artísticas e/ou pessoais para contar histórias como as de “Consequência” e de “Fiddler”?
VB: Quando conheci o José Castro, o mágico do Consequência, tive logo uma imagem dele no Bar Old Vic em Lisboa. Essa imagem foi a génese de tudo, não sabia nada da história, nem o que fazia o mágico nesse bar, mas a história foi construída a partir dessa imagem. Depois naturalmente entram elementos mais ou menos pessoais na história. Decidi explorar a consequência de uma obsessão interligada com a perda ou separação de uma pessoa querida, seja um amigo um familiar ou a pessoa com quem se partilha uma vida.
Neste caso mostro um bocado da vida de um personagem que está a passar por isso. No fundo acho que há algo pessoal mas também universal. Cada um tem a sua maneira de lidar com situações deste género, mas quando há essa separação ou quebra numa relação ficamos numa espécie de limbo emocional, o que era real ontem, hoje já não é. Será que aconteceu mesmo? Foi tudo uma ilusão? Pretendi interligar isso com a ilusão das cartas e também com a ilusão da câmara.
PM: As influências artísticas, ao estarem alojadas no subconsciente, acabam por ser sempre imensas. No entanto, tenho perfeita noção de que existem umas mais conscientes do que outras. Sem dúvida que existem trabalhos essenciais que serão quase sempre base de influência de tudo o que seja terror (veja-se o “Shining” por exemplo), e para além desses, sou um defensor de uma exploração mais minimalista do terror. Entendo que uma aproximação mais realista e menos artificial contribui para uma maior intensidade do sentimento de tensão e medo.
Nesse sentido produções mais recentes como “Hereditário” também contribuíram para orientação, para além de curtas-metragens como “He Dies At The End” ou “Lights Out”. Aliado a isso, não podemos deixar de colocar de lado aquilo que nos move pessoalmente o dia-a-dia, e nesse sentido, confesso também estar expresso um pouco do meu próprio relacionamento com a morte.
O medo funciona melhor quando está na imaginação, a antecipação misturada com a incerteza do que vai acontecer faz com que as pessoas imaginem as coisas mais horrendas, e tu nunca vais conseguir colocar no ecrã algo tão poderoso como o que foi imaginado.
MHD: Em conversa com os organizadores do Madeira Fantastic FilmFest falámos sobre o medo. O que é o “medo” do ponto de visto do realizador e em que medida esta sensação influencia a relação umbilical entre realizador, o público e o projeto-filme?
VB: Julgo que do ponto de vista do realizador o truque é conseguir engendrar a coisa de maneira a provocar essa sensação de medo ou suspense na audiência. Que é muito difícil, quando já estás a trabalhar numa história há algum tempo e todas as pessoas envolvidas também já sabem como tudo acontece é ainda assim têm que fazer passar o tal suspense e ter a sensibilidade para perceber se funciona ou não com uma audiência que não sabe nada. É um equilíbrio entre dar demasiado e dar muito pouco.
O medo funciona melhor quando está na imaginação, a antecipação misturada com a incerteza do que vai acontecer faz com que as pessoas imaginem as coisas mais horrendas, e tu nunca vais conseguir colocar no ecrã algo tão poderoso como o que foi imaginado. Portanto, quanto mais conseguires prolongar esse suspense melhor, a imaginação faz o resto.
PM: O medo é uma das emoções mais intrigantes que podem ser exploradas e vividas. Isto seja em que medida for. Seja mediante a adrenalina que nos confere, ou conduzida por uma forte e inabalável curiosidade, o ser desconhecido, enfim, é algo que faz parte de nós e que nos influencia todos os dias, muitas vezes até sem nos apercebermos. Mediante esta emoção, percepciono que nós, enquanto realizadores, temos uma oportunidade imperdível de ser autênticos manipuladores e “jogar” com o público. Sem dúvida que é uma arma bastante eficiente para cativar o público, para o prender e para o desafiar.
Acima de tudo, acho que é este o elemento-chave: desafiar o público. Praticamente, fazê-lo viver e passar um pouco por aquilo que é chamado de “fight or flight reaction” (reacção de lutar ou fugir). É algo que faz parte da nossa natureza e que é interessante no sentido de explorar os sentimentos de curiosidade versus aversão que provoca.
MHD: O Madeira Fantastic FilmFest é um dos mais recentes festivais de cinema regionais e até nacionais, sendo esta apenas a sua terceira edição. Acreditam que há espaço para o cinema e para festivais deste calibre numa cidade como o Funchal?
VB: Sim, a Madeira tem um imenso potencial para ter vários festivais de cinema, acho que há espaço mas também tem que haver promoção e apoios. Trazer público é sempre uma questão difícil, mas julgo que não podemos estar só à espera de público Madeirense, com tantos visitantes do estrangeiro, acho que há potencial para atrair público do turismo.
O clima óptimo durante todo o ano e as paisagens maravilhosas fazem da Madeira um sítio único no mundo onde há um potencial enorme para produção cinematográfica. É possível promover a Madeira como um destino de rodagem para as grandes produtoras gravarem cá os seus filmes, talvez criando incentivos, quem sabe?
PM: Eu quero acreditar que sim e, no que depender de mim, sempre farei e contribuirei para que cresça. O Madeira Fantastic FilmFest tem-se revelado cada vez mais como um cartão de visita obrigatório para o viver a sétima arte independente na Madeira. Acima de tudo, tem revelado um importante papel na disseminação do cinema madeirense, e isso é um apoio incalculável, especialmente para artistas que queiram ou estejam a começar a dar os seus primeiros passos na carreira.
Em particular, tem sido visível que tem havido cada vez mais adesão do público do Funchal a um cinema de índole diferente e alternativo. E são este tipo de festivais os responsáveis por isso. Neste sentido, o Funchal tem todas as condições para continuar a viver um crescimento neste tipo de oferta. Questão diferente é o haver apoios e vontade adjacente. Mas acredito que, quando as coisas são bem feitas, surgem os merecidos reflexos.
MHD: Procuram seguir com uma carreira cinematográfica em Portugal ou no estrangeiro? Que projetos gostariam de realizar?
VB: Eu procuro continuar a fazer filmes em Portugal ou fora, onde surgirem oportunidades e projetos interessantes. Mas ainda tenho muito para aprender e não penso em termos de carreira cinematográfica. Quero continuar a fazer os projectos que me interessam. Gostaria de realizar uma longa-metragem nos próximos anos.
PM: Confesso que gostaria de começar em território português e, de certa maneira, contribuir com algo para o crescer e desenvolver da nossa sétima arte. Temos muito bons realizadores e seria um sonho poder contribuir para ajudar ao crescendo que se tem visto do nosso cinema de forma a que receba o devido mérito, especialmente internamente. Sabemos que não é fácil, nem se afigura ser nos próximos tempos. O seguir para o estrangeiro, apesar de compreender que seja uma espécie de eterno “El Dorado” em diversas frentes, seria uma consequência agradável. Pelo menos é como visiono a questão por agora. Gostaria muito de poder começar por cá.
MHD: Por último: que recomendações costumam dar a jovens portugueses aspirantes a cineastas?
VB: Façam filmes, só se aprende fazendo. É uma aprendizagem contínua. Estudem a arte, vejam muitos filmes e estudem (todo o tipo de filmes, os mudos, os russos, os italianos, os asiáticos, os blockbusters, os independentes, etc…), leiam argumentos, estudem os actores, leiam livros de Cinema. Hoje a internet tem tudo, tem imensos conteúdos é só pesquisar.
PM: Direi sempre a mesma coisa: “sigam o vosso sonho”. Se é real, se é verdadeiro, então fará diferença. Claro, é necessário aliar este romantismo a uma inevitável racionalidade. Mas serei sempre um eterno advogado do não desistir. Algo surgirá, começando certamente pela nossa realização pessoal. É preciso muito trabalho, muita paciência e muita insistência. Creio que, com estas premissas ao leme, é meio caminho andado para eventualmente avistar terra.
O MFFF decorre de 12 a 16 de Março, marca a tua presença!