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Marcha Sobre Roma, a Crítica | Mark Cousins dá a conhecer a história da ascensão de Mussolini

O documentarista Mark Cousins dá a conhecer a história por detrás da histórica “Marcha Sobre Roma”!

Em 1962, o realizador e argumentista italiano Dino Risi (1916-2008) deu a conhecer a sua versão satírica de um acontecimento que marcou o início dos anos vinte no seu país e que de algum modo acabou por contaminar a vida social, política, económica, militar e cultural não só da Itália, sem esquecer as repercussões nas regiões africanas submetidas ao seu domínio colonial, mas também da Europa que iria nos anos posteriores avançar gradualmente de conflito em conflito até aos abismos de uma guerra devastadora e de grandes proporções, a Segunda Guerra Mundial.

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O filme intitulava-se “La Marcia Su Roma”, obra que continua comercialmente inédita em Portugal. Provavelmente, as autoridades que regiam a censura no regime do Estado Novo não gostavam ou simplesmente receavam que se investisse com alguma crítica e amarga ironia num assunto que se referia a um dos pontos mais salientes do assalto ao poder por parte do PNF (Partito Nazionale Fascista), cujos partidários, a partir de 28 de Outubro de 1922, organizaram e desencadearam a designada Marcha Sobre Roma.

COM AMOR SE POSSÍVEL, PELA FORÇA SE NECESSÁRIO…!

Marcha Sobre Roma
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Facto histórico que o nosso Presidente do Conselho, o ditador Oliveira Salazar, seguramente guardava nas suas melhores memórias, admirador que fora desse outro ditador seu contemporâneo chamado Benito Mussolini. Marcha Sobre Roma, um conceito de ressonâncias épicas muito ao gosto dos que procuram ampliar as suas ideias através de planos materiais e filosóficos que investem na recuperação de passados gloriosos, na prática, marchar sobre a capital e fazer dela o núcleo duro rumo ao futuro, no caso italiano precisamente onde outrora ficava o centro do mundo, Roma e o seu Império. Pelo menos, considerando a velha e redutora visão ocidental da História Universal.




Nessa manifestação de força, os esquadrões e correligionários fascistas ameaçaram de forma expressiva conquistar o poder e não esconderam a sua intenção, caso fosse necessário, de recorrer a acções violentas de modo a alcançar os seus objectivos. Disse o próprio Benito Mussolini, num assomo de arrogância e cinismo: “Com amor se possível, pela força se necessário”. Dois dias depois, a 30 de Outubro de 1922, o Rei Vittorio Emanuele III encarregou Benito Mussolini de formar governo, afastando assim a hipótese mais do que anunciada de um golpe de estado. Deste modo, a Marcha Sobre Roma foi encarada pelo novo poder então instituído como a fronteira entre o antigo regime e a nova era que se consumara a partir da pomposamente apelidada “Rivoluzionne Fascista”.

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Para os devidos efeitos, o cidadão inglês nascido na Irlanda do Norte, Mark Cousins, ao realizar o filme que agora se estreia no nosso país pela mão da FILMS4YOU, “March on Rome” (Marcha Sobre Roma), 2022, recupera igualmente a memória desses dias e dos anos de brasa que se seguiram e analisa as imagens de arquivo que sobreviveram até aos nossos dias, combinando-as com excertos de filmes e imagens e sons deliberadamente encenados, onde sobressai a presença da actriz Alba Rohrwacher. Trata-se assim de organizar uma montagem dos acontecimentos em causa, com a intenção deliberada de deitar abaixo alguns mitos propositadamente inculcados na opinião pública pela propaganda fascista, nomeadamente a percepção do verdadeiro papel dos camisas negras na marcha, sobretudo a que se dirigiu desde Nápoles até Roma.

Marcha Sobre Roma
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Particularmente importante será a procura de denunciar a manipulação das imagens da época, peça a peça, por vezes plano a plano, sequências escolhidas onde se produz com especial incidência a desmontagem do documentário fascista “A Noi!”, 1922, realizado por Umberto Paradisi. De um modo geral, esta obra de propaganda acompanha os diferentes grupos de homens que participaram na Marcha Sobre Roma, sempre alinhados em colunas organizadas de acordo com uma hierarquia rígida e pouco flexível (“curiosamente”, a revolução fascista não contava com as mulheres para marchar ao lado dos homens).




Na verdade, o que vemos não passa de um proto-exército onde se misturavam pessoas deserdadas a par de arrivistas e oportunistas, militantes embrutecidos pela extrema-direita e por aqueles que viviam nas franjas mais conservadoras e reaccionárias de Itália. Muitos não dominavam de forma cabal certas premissas ideológicas, e algum do seu comportamento demonstrava que no desespero e angústia da busca por melhores condições de vida, apesar de escolherem a barricada paramilitar, não eram muito diferentes dos seus opositores. Estavam era disponíveis para construir o modelo de sociedade que desejavam, ou que pensavam melhor servir as suas ambições, sem olhar para a brutalidade dos meios que não hesitariam em utilizar para alcançar os seus fins.

Marcha Sobre Roma
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Neste contexto, o actual documentário adquire o estatuto, digamos assim, de exercício didáctico sobre as relações de poder no interior de quem se dispõe a apoderar-se desse outro poder, ou seja, o verdadeiro poder para quem dele se quer apenas servir, o poder canalha que abocanha o rumo dos acontecimentos históricos posteriores aos movimentos de massas e de que as massas acabam por não beneficiar. Também aqui Mark Cousins não ignora que ao período de ascensão do fascismo em Itália, após as suas manifestações mais exuberantes e dramáticas, correspondeu um período de decadência e morte do regime autoritário, derrocada que a Segunda Guerra Mundial e as vitórias dos aliados acentuaram.

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Em suma, no ano em que passam 101 anos sobre a Marcia Su Roma, “March on Rome”, o filme, pode muito bem ser uma boa opção no plano cinematográfico para reflectir num facto passado mas cujas consequências nos lembram uma frase que vale sempre a pena recordar: “A História repete-se sempre duas vezes, primeiro como Tragédia e depois como Farsa”. Não queiramos dar pano para mangas e, naturalmente, poder aos farsantes, e barremos o caminho aos que querem repetir o que já provou ser uma má opção para os povos. Para que o futuro valha a pena viver.

Marcha Sobre Roma, a Crítica
Marcha Sobre Roma

Movie title: Marcia su Roma

Director(s): Mark Cousins

Actor(s): Alba Rohrwacher

Genre: Documentário, 2022, 98min

  • João Garção Borges - 70
70

Conclusão:

PRÓS: Mark Cousins não se limita a dar-nos conta de um acontecimento histórico. Dá-nos pistas e matéria suficiente para reflectirmos sobre o que não devemos aceitar aqui e agora como um assunto encerrado. Não por acaso, entre outras imagens e sons que nos devem preocupar, a inclusão de breves excertos do assalto ao Capitólio, no final da era Donald Trump, vem dizer-nos: cuidado, o ovo da serpente está aí e há quem o queira quebrar para libertar de novo as forças que nos podem conduzir ao apocalipse.

CONTRA: Nada de significativo que impeça a visão urgente deste muito interessante documentário de criação.

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