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MONSTRA ’21 | Quando o Vento Sopra, em análise

A MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa fechou as suas exibições a 1 de agosto. Na Cinemateca Portuguesa  assistimos a uma das sessões da secção retrospetiva “Históricos”, a qual este ano prestou homenagem a obras clássicas como “Dumbo”, “Final Fantasy” ou “Alice no País das Maravilhas”. Entre as obras selecionadas encontramos o invulgar e incisivo “Quando o Vento Sopra”. 

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Ano após ano, a MONSTRA vai para lá das suas secções competitivas de curtas, curtíssimas, longas-metragens, obras portuguesas e tantas outras, para assinalar as obras essenciais da arte animada. “When the Wind Blows”, ou em português “Quanto o Vento Sopra”, é uma obra discreta de 1986 que se vê honrosamente recordada.

Debaixo do radar do público mais generalizado, esta narrativa pesada mas com um sentido de humor apurado coloca em evidência a falência do Estado no sentido de proteger os seus cidadãos, em particular quando se alude a um desastre nuclear causado pela mão humana. Uma obra nitidamente filha do período da Guerra Fria, “Quando o Vento Sopra” imagina um cenário em que a Rússia passou de aliada a inimiga derradeira.

Os seus protagonistas? Dois idosos que procuram aproveitar uma reforma idílica no campo. São resilientes, bem precavidos, apresentam uma fé desmedida na sua Nação e representantes e não se assustam com pouco – ao fim de contas já passaram pela Segunda Guerra Mundial, pelos seus bombardeamentos, e viveram para contar a história.

Encontramos os nossos heróis inesperados, Jim e Hilda Bloggs, num momento em que a rotina se vê atropelada pelas sirenes de emergência e pela iminente chegada da bomba nuclear. O seu dia-a-dia vê-se ameaçado, mas os estóicos ingleses preparam o chá e o seu abrigo nuclear com a mesma dedicação e meticulosidade inabaláveis. Isto até à “hora h”, em que começamos a perceber que, quiçá, possam não estar tão bem preparados quanto isso…

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“Quando o Vento Sopra”, longa-metragem baseada na novela gráfica criada por Raymond Briggs em 1982, foi adaptada ao grande ecrã por Jimmy T. Murakami (“Breathe”, “Heavy Metal”). Esta animação situada no âmago de um desastre nuclear exclui os “poderes” da representação fílmica e foca-se na experiência de um casal que, sem grandes conhecimentos acerca de tudo o que se está a passar, procura sobreviver recorrendo a técnicas de construção de um abrigo.

Seguem religiosamente o folheto disponibilizado pelas entidades governamentais, acreditam que tudo se dissipará com rapidez e que alguém zelará pelo seu bem-estar. Eis que a crua realidade se promete intrometer.

Eis que esta obra, que teria tudo para se afigurar com extremamente melodramática, procura antes subverter esta lógica e adotar um registo mais cru e até a roçar o irónico. Todavia, nunca os seus sujeitos são o alvo da piada, antes servem como exemplo de uma crueldade inegável e da frieza que tende a acompanhar os tempos de guerra. Com os cidadãos entregues a si próprios, Jim e Hilda nunca desmoralizam, mas cometem muitos pequenos e enternecedores erros.

Com uma tonalidade invulgar e um fatídico enredo inesquecível, não é difícil compreender porque é que “Quando o Vento Sopra” se tornou num clássico escondido do cinema de animação. Para além da evidente qualidade narrativa, a banda sonora do filme fala por si. O tema titular, “When the Wind Blows”, belíssimo e para lá de adequado, foi criado pelo grande David Bowie. A escolha da seleção musical da longa-metragem ficou a cargo do também lendário Roger Waters e conta ainda com outros grandes nomes como Genesis ou Squeeze.

“When the Wind Blows” destaca-se ainda pela eclética animação. Jimmy T. Murakami oscila aqui entre animação tradicional, “stop motion” e imagem real, criando um jogo de recortes que, apesar de por vezes parecer desfaçado, cria uma imagética muito própria e distinta. Não é subtil, nem procura ser e, apesar de desconcertante, é também um elemento que acrescenta à reflexividade desta grande obra.

Não é a primeira vez que o filme integrou a secção “Históricos” da MONSTRA (e esperamos que também não seja a última). Ver este clássico, em película, na Cinemateca Portuguesa, é uma experiência que recomendamos a todos!

TRAILER | QUANDO O VENTO SOPRA (1986) 

Já conheciam a obra “Quando o Vento Sopra”? 

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