"Bestia", um dos grandes vencedores do Festival, integrou a Competição Curtas 3| ©MONSTRA

MONSTRA ’22 | Competição Curtas 3, em análise

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A Competição Curtas 3 na MONSTRA ’22, deu continuidade a uma secção rica em pequenas obras de animação de qualidade. Analisamos agora a sessão exibida no Cinema São Jorge, no dia 23 de março de 2022, pelas 22h00. 

A 3ª sessão competitiva de curtas internacionais trouxe-nos um conjunto de mais sete pequenos filmes a apreciar. Entre eles, uma estreia mundial absoluta de uma animação portuguesa e muitas pequenas obras que se unem por um claro sentimento distópico. Na sala, vários autores marcaram presença, enriquecendo a sessão que aconteceu na Sala Manoel de Oliveira, de si já grandiosa.

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LOOP DE PABLO POLLEDRI (ARGENTINA, 2021, 8′) 

Loop Competição Curtas 3
©MONSTRA

Nesta sociedade, cada ser humano repete a mesma ação de novo e de novo, nesta sociedade, cada ser humano repete a mesma ação de novo e de novo, nesta sociedade, cada ser humano repete a mesma ação de novo e de novo, nesta sociedade, cada ser humano repete a mesma ação de novo e de novo.

Da sinopse à execução, da ideia à palete de cores, tudo é inteligentíssimo no para lá de distópico (mas igualmente humorístico) “Loop”, da realização de Pablo Polledri. Nesta curta-metragem, exibida na Competição Curtas 3, todos os seres humanos formam um único organismo coletivo, o qual funciona na base da repetição e não consegue sobreviver sem ela.

O que acontece quando alguém, por engano e sem intencionalidade, quebra as regras e provoca uma disrupção no sistema? Adoramos a resposta que é oferecida nesta curta mas confessamos que, dada a oportunidade, escolheríamos um filme de meia-hora em vez de apenas estes 8 minutos de pura perfeição.

Classificação: 95/100




COMPETIÇÃO CURTAS 3 COM TERRA PROMETIDA DE ANDREA PIERRI (ITÁLIA, 2021, 9′) 

TERRA PROMETIDA DE ANDREA PIERRI
©MONSTRA

Todos os dias, legiões de pessoas arriscam as suas vidas no Mar Mediterrâneo para chegar às costas do sul da Europa, a nova Terra Prometida. Mas o mar que uma vez se abriu para permitir a passagem de Moisés agora fecha-se com indiferença pelas histórias e vidas dessas inúmeras vítimas.Um senhor caminha lentamente por uma praia deserta, a recolher os últimos pertences de mulheres, homens e crianças que desapareceram durante a sua longa jornada até a Terra Prometida. Uma realidade diária que pesa sobre todos nós.

Andrea Pierri recorreu a animação tradicional e animação rotoscópica para criar este seu pequeno objeto artístico repleto de intencionalidade. Durante anos, Pierri preparou a sua curta-metragem, editando e reeditando, tentando prestar homenagem aos que tragicamente tomam a Europa por um falso “el dourado. A presença do realizador na sala para explicar a sua jornada criativa acabou, aliás, por tornar a visualização da curta numa experiência mais rica.

Todavia, é difícil não ver “Terra Prometida”, obra premiada na MONSTRA com a distinção de Melhor Curta Documental, como uma promessa que deixou alguns elementos por cumprir. É que a curta, tentando não ser demasiado explícita, tentando não explorar os seus sujeitos, torna-se tão abstrata que acaba por não retratar de forma fidedigna a experiência dos refugiados a quem presta homenagem. Aliás, sem a sinopse e o contexto do título, talvez não fosse possível, para o público, compreender a 100% de que fala este filme envolvente e belo.

Classificação: 75/100




FIGURAS IMPOSSÍVEIS E OUTRAS HISTÓRIAS 1 DE MARTA PAJEK  (POLÓNIA, 2021, 16′) 

FIGURAS IMPOSSÍVEIS E OUTRAS HISTÓRIAS 1 Competição Curtas 3
©MONSTRA

Após uma grande explosão, resta apenas um casal de idosos numa cidade abandonada. Entediada, a senhora vagueia pelas ruas vazias, a passar por estátuas que celebram vitórias agora completamente irrelevantes e há muito esquecidas. Nas vitrines, ela vê alguns manequins abandonados e mortos. Num breve flashback, vemos aqueles que nunca mais voltarão à cidade. O filme de Marta Pajek é um retrato pós-apocalíptico de um mundo onde o ser humano e a sua existência não significam mais do que uma fração de segundo. O filme é a parte que faltava à trilogia Figuras Impossíveis e outras histórias.

 

Continuando com a onda curiosamente distópica desta sessão da MONSTRA, eis que surge o drama apocalítico de Marta Pajek, uma pequena pérola dominada pela animação tradicional que coloca os mais velhos num lugar que não lhes é muito comum – o de protagonistas. Só eles sobram num mundo escuro e feito apenas de memórias de um tempo que já lá vai, um tempo dominado pela alegria, luz, pela vida, pela criação de novos elementos. Metaforicamente acerca de muitos potenciais elementos, seja o envelhecimento no Ocidente ou a crise ambiental, esta pequena pérola coloca mais perguntas que respostas.

Parte de uma tríade de filmes, “Figuras Impossíveis e Outras Histórias 1” funciona bem por si só mas, por outro lado, deixa-nos altamente curiosos e a perguntar. O que virá a seguir (ou antes)?

E para quem tenha gostado muito desta pequena curta, aqui fica um video onde a realizadora explica todo o seu processo criativo.

Classificação: 83/100




CONSEGUES VÊ-LOS DE BRUNO RAZUM (CROÁCIA, 2021, 10′) 

Consegues vê-los monstra curtas 3
©MONSTRA

Este filme é estruturado de forma que o seu início seja também o seu fim, criando uma espécie de “dia infinito”. Após testemunhar a morte de um veado na floresta, um menino esquizofrénico foge de casa, em pânico. Um conjunto de situações estranhas ao longo do caminho agravam a sua condição. A segurança do seu lar é apenas uma ilusão, e uma série de estímulos visuais obriga-o a retornar à floresta do início da história, para tentar mudar o rumo dos acontecimentos.

“Consegues Vê-los?” provoca calafrios na espinha, criando para si um universo escuro, frio, circular, onde uma das poucas certezas é a perpetuidade dos terrores que afligem a alma. Animado com recurso a marionetas e stopmotion, esta curta tem no centro uma protagonista que parece a versão marioneta de “Caroline”, mas é mesmo apenas na semelhança física que as parecenças terminam.

Bruno Razum cria uma obra temível, onde o real e a imaginação não são dissociáveis, e que, por colocar o trauma na linha da frente, nos deixa quase desolados quando os breve 10 minutos chegam ao fim. Mas não é esse precisamente o poder do cinema de qualidade?

Classificação: 80/100




PELE COM PELE DE DE MEL ARRANZ (ESPANHA, 2021, 7′) 

skin to skin na monstra 2022
©MONSTRA

Entre linhas e formas, as mãos se tocam, se conhecem e se experimentam, buscando explorar seus limites entre a pele.

“Skin to Skin” é simples, poético, simbólico, ocupando-se da linguagem dos pequenos gestos, das afeições, do toque entre seres humanos. Podemos argumentar que estes pequenos momentos, dos quais fomos privados durante os últimos dois anos, se tornam cada vez mais importantes. Porque não colocá-los no centro da história?

Quase como um microscópico cinematográfico, esta curta olha para o ser humano de um ponto de vista interessante e invulgar – quase ao nível celular.

Classificação: 66/100




COMPETIÇÃO CURTAS 3 EXIBE BESTIA DE HUGO COVARRUBIAS (CHILE, 2021, 15′) 

bestia monstra '22
“Bestia” de Hugo Covarrubias ©2022 BESTIA

Baseado em factos reais, o filme explora a vida de uma agente secreta da polícia durante a ditadura militar no Chile. O seu relacionamento com o cão, o seu corpo, os seus medos e as suas frustrações revelam uma fratura sombria na sua mente e no seu país.

E se “Consegues Vê-los” já nos perturbou nesta sesão, “Bestia” é uma obra que vai penetrar debaixo da pele e não nos deixar mais. Nomeada ao Óscar e vencedora, até agora, de inúmeros prémios, esta curta-metragem entra dentro da lógica do documentário animado, ou pelo menos situa-se perto desse universo, por detalhar a vida de alguém responsável por crimes impensáveis durante a ditadura militar do Chile. No final da curta, temos até direito a algumas breves imagens da vida real, que apenas tornam tudo o que vimos ainda mais tenebroso.

Quanto à sua execução técnica, é cuidada, invulgar, representado a nossa antagonista e protagonista simultânea como uma figura frágil, falível, mas também temível, impassível e impenetrável. Entretanto, escrevemos uma análise completa a esta peça única de terror histórico,

Sem grande surpresa, a curta-metragem do ano venceu o GRANDE PRÉMIO MONSTRA – CURTA-METRAGEM atribuído pelo júri do Festival, composto por profissionais da indústria.

Classificação: 95/100




DEGELO DE SUSANA MIGUEL ANTÓNIO E FILIPA GOMES DA COSTA (PORTUGAL, 2022, 12′) 

Degelo MONSTRA '22
“Degelo” é uma das obras apresentadas na Competição Portuguesa da MONSTRA ’22 |© Sardinha em Lata/ Monstra

Eles ignoram-se na esperança de se tornarem o objeto de desejo um do outro, mas ambos desconhecem o seu par, completamente alheios à simetria entre eles. Cada vez mais distantes, deixam o seu desejo arder, sedados pela frustração do fracasso da sedução. Um dia, ao andarem em direções opostas, os seus caminhos cruzam-se e, assim que reconhecem a presença um do outro, apenas trocam um aceno frio com a cabeça.

Depois de um conjunto de filmes capazes de nos perturbar, emocionar e fazer questionar o mundo que nos rodeia, eis que esta curta animada a 2 dimensões, “Degelo”, nos remete para os universos calorosos e coloridos das produções do estúdio de animação de elevada qualidade “Sardinha em Lata”. Esta curta-metragem, que fecha a sessão Competição Curtas 3, é musicada pela banda Linda Martini e orgulhosamente teve estreia mundial na MONSTRA.

A curta portuguesa mostra, pela via metafórica, quais são os meandros do início de uma potencial relação romântica. Fá-lo “filmando” uma Lisboa radiosa, que brilha quase mais alto que a própria narrativa. Todavia, não deixamos de reparar que a arte dos fundos é deveras mais rica que a animação das figuras centrais do enredo.

Susana Miguel António e Filipa Gomes da Costa, realizadoras da obra, falaram um pouco, durante esta sessão de Competição Curtas 3, sobre o seu fértil processos colaborativo.

Classificação: 80/100

 

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A 21ª MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa  decorreu entre 16 e 27 de março de 2022, trazendo de volta a magia da animação à capital. Acompanhaste as suas sessões, nomeadamente a Competição Curtas 3? 

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