MOTELx ’23 | Infinity Pool, a Crítica
Com direito a retrospectiva completa da sua obra, Brandon Cronenberg é o convidado de honra da 17ª edição do MOTELx, que decorre em Lisboa entre os dias 12 e 18 de setembro, no icónico Cinema São Jorge. A estreia do seu mais recente filme, “Infinity Pool”, foi o ponto alto desta visita à capital.
Brandon Cronenberg veio a Lisboa por ocasião da edição de 2023 do MOTELx, onde foi homenageado com uma retrospectiva integral da sua ainda breve obra – três longas-metragens e uma curta. O seu mais recente, estreado no arranque do ano no Sundance Film Festival, é precisamente “Infinity Pool”.
Cronenberg prova uma vez mais que quem sai aos seus não degenera, apresentando outra obra de body horror que explora os confins do nosso subconsciente e os limites da moralidade humana. Conhecido por não gostar de comparações em relação ao seu pai, Brandon continua a criar mundos ricos e plenos que funcionam quase como uma extensão dos universos criados pelo seu progenitor. Todavia, e por frustrantes que possam ser as comparações, estas sem dúvida não possuem uma conotação negativa, antes pelo contrário.
Se “Antiviral”, a sua primeira longa, também exibida nesta edição do MOTELX, parece por vezes evocar uma cultura de celebridade retro e não sua contemporânea, “Infinity Pool” é um argumento mais apurado, mais inteligente, mais universal e atemporal.
Exibido numa Sala Manoel de Oliveira repleta, a 15 de setembro, numa sexta-feira à noite, e claro está, com a presença do realizador para uma apresentação e Q&A, “Infinity Pool” foi recebido com a pompa e circunstância que merece.
Esta narrativa distópica, inserida no reino da ficção científica, leva-nos para Li Tolqa, um país fictício onde os protagonistas se encontram num resort idílico, à beira do mar, naquele que parece ser um paraíso tropical. O complexo é fechado e algo claustrofóbico, tendo lá dentro a sua própria cidade que, sabe-se lá porquê, até tem um restaurante chinês (Brandon Cronenberg referiu ter-se inspirado precisamente num complexo igualmente surreal onde passou férias na República Dominicana).
Todos nós conhecemos ou pelo menos ouvimos falar destes complexos. Perfeitos, intocados, com funcionários prestáveis e uma aura utópica. Plantados em países pobres, com necessidades de bens de primeira necessidade e até com potenciais taxas de criminalidade elevadas (motivadas pela pobreza). Ora, Cronenberg brinca com este conceito dos resorts que evidenciam contrastes sociais gritantes e eleva-o ao cubo.
Em Li Tolqa, não é sequer permitido aos turistas sair do resort. E é lá que encontramos James (Alexander Skarsgård) e Em (Cleopatra Coleman ), um casal bastante pouco empolgante. Ele, um escritor falhado, repleto de autocomiseração, que espera encontrar inspiração durante a viagem. Ela, uma herdeira de uma grande casa literária, que manda muitas farpas ao marido por ter de o sustentar.
Lá seguem, James e Em, na sua rotina vagarosa de férias, até ao momento em que conhecem Gabi (Mia Goth), uma atriz sedutora e carismática, que se encontra no resort com o marido. Mia Goth, claro está, preenche o ecrã mal aparece e a partir desse momento não vemos mais ninguém quando esta se encontra em cena. Nem sequer o também magnético Alexander Skarsgård (que elenco central).
Fascinado com a presença de Gabi, James convence Em a segui-la (e ao seu marido) para uma aventura fora dos limites do resort. Depois de um acidente trágico, James é preso e descobre o distópico regime militar existente em Li Tolqa: a pena para um homicídio é, nada mais nada menos, do que a pena de morte. E só há uma outra opção: que um duplo perfeito, um clone, seja sacrificado no seu lugar, em troco de uma soma avultada. Aqui, terá assistir ao seu próprio homicídio em primeira mão (tal condição é não negociável).
A partir daqui, surgem questões muito complicadas e “Infinity Pool” é hábil na forma como as coloca, nunca as dizendo, mas antes mostrando-as: quais são os limites da moralidade? O dinheiro poderá realmente apagar qualquer acto, por mais hediondo que seja? O que é que nos torna nós mesmos? Corresponderá a uma junção de corpo e mente? Um clone com as nossas memórias e sentimentos é mais ou menos que o “original” e por aí fora…
Brandon Cronenberg vai bem longe, explorando os limites da perversidade humana perante a impunidade. Aqui, estamos muito além de um estudo acerca de animalidade/ humanidade. Aqui, o ser humano abraça todas as suas contradições. Vistas várias obras deste autor na mesma semana, e concluímos também que no mundo de Brandon Cronenberg, os seres humanos são sempre um pouco piores do que no nosso mundo real, um pouco mais capazes de levar o extremo ao extremo. Como espectadores, tal levantamento de limites é delicioso de testemunhar e leva a uma experiência de catarse.
A obra viaja por todos os aspectos daquilo que nos confere humanidade – dos nossos receios ao desejo, da força do magnetismo sexual aos sentimentos de descrédito pessoal, do hedonismo levado ao extremo à empatia escassa, do domínio à submissão.
No final desta viagem de quase duas horas, levamos de “Infinity Pool” imagens chocantes que ameaçam perdurar, um equilíbrio invejável entre comédia e terror (já característico do autor), uma prestação central de Mia Goth que a reforça como uma força da natureza incomparável e uma estética e criação de mundo difíceis de encontrar.
E se Cronenberg parte do comentário social (a não punição dos ricos e o turismo não sustentável do ponto de vista humano) , faz-nos chegar a um verdadeiro lugar temível, um lugar nos confins do subconsciente, onde nem todos poderão querer mergulhar. Pelo caminho, brinda-nos com um mordaz e delicioso sarcasmo.
Por agora, esta obra arrojada permanece sem novidades em relação à estreia comercial em Portugal. Por cá esperamos!
MOTELX | TRAILER DE INFINITY POOL
Infinity Pool, a Crítica
Movie title: Infinity Pool
Movie description: A ficar num resort isolado, James (Alexander Skarsgård) e Em (Cleopatra Coleman) desfrutam de umas férias num belo complexo tropical. Todavia, guiados pela misteriosa e sedutora Gabi (Mia Goth), o grupo aventura-se fora do resort e encontra uma cultura repleta de violência e um regime punitivo. Mas eis que um acidente trágico revela uma política de tolerância zero em relação ao crime: uma execução, ou, caso seja suficientemente rico, testemunhar a sua própria morte.
Date published: 17 de September de 2023
Country: EUA
Duration: 117'
Author: Brandon Cronenberg
Director(s): Brandon Cronenberg
Actor(s): Alexander Skarsgård, Mia Goth, Cleopatra Coleman
Genre: Terror, Ficção Científica, Thriller, Crime
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Maggie Silva - 90
Conclusão
Delicioso, perverso, excessivo, distópico, hipótico. “Infinity Pool” é um festim para quem aprecie uma boa descida aos infernos na forma da reflexão acerca de algumas das mais nefastas características da sociedade humana e de cada indivíduo.
Pros
- Mia Goth, Mia Goth. Ela própria o proferiu em “X” – “I’m a Star“. Pois claro que sim – não há scream queen mais camaleónica que ela e aqui está outra prova. A voz de Mia (ou antes, de Gabi) assemelha-se a unhas de acrílico a roçar em superfícies diversas. E eis que não conseguimos, ainda assim, desviar o olhar (nem queremos);
- Um enredo que não se coíbe de levar a sua premissa ao limite;
- Um jogo perverso, onde Brandon Cronenberg explora um universo centrado no pior da humanidade;
- A estética coesa e temível.
Cons
- Nada de particular a apontar, Cronenberg cresceu muito desde “Antiviral” e embora visite múltiplos temas com frequência, sabe como construir uma história impactante com princípio, meio e fim.