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O Pior Homem de Londres, a Crítica | O Melhor Albano Jerónimo de Sempre!

Inspirado na realidade e num conto de Sherlock Holmes, “O Pior Homem de Londres”, de Rodrigo Areias, protagonizado por Albano Jerónimo e Victória Guerra, é a história de um anglo-português que ficou célebre na Londres da era vitoriana, pelas piores razões. Um filme para descobrir este personagem perverso e ao mesmo tempo fascinante, numa magnifica interpretação do grande actor português. Estreia nas salas a 8 de fevereiro. 

Conhecido como Charles Augustus Howell (no filme) ou Charles Augustus Milverton (na literatura), foi um português de má índole e um verdadeiro escroque internacional. Porém ao mesmo tempo foi uma figura fascinante que viveu na Londres vitoriana do século XIX, a quem o escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930), chamou de “o pior homem de Londres”. Curiosamente Howell ou Milverton é também o protagonista de um conto policial, aliás com bastante suspense, em que se cruza com os dois dos seus famosos heróis: Mr. Sherlock Holmes e o seu inseparável companheiro Doutor Watson. Contudo, o homem existiu mesmo e até tem página na Wikipédia, onde são contadas algumas das suas inúmeras peripécias, até aparecer morto aos 50 anos, à porta de um bordel rasca londrino, com a garganta cortada e com uma moeda entre os dentes; algo que motivou uma investigação nunca concluída ou propositadamente mal conduzida, que lhe deu simplesmente como causa de morte a sífilis, talvez porque o homem sabia demais.

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Na Londres da época vitoriana, por entre a comunidade artística, a conspiração política e a espionagem, movimentou esse personagem, esse homem de espírito aventureiro, de grande argúcia e discurso fácil: Charles Augustus Howell, the Portugee (1840-1890), filho de mãe portuguesa e pai inglês, nascido no Porto e emigrado para Londres aos 17 anos. Ainda jovem, Howell tornou-se secretário do influente crítico de arte John Ruskin e depois já por conta própria, fez uma meteórica ascensão, na alta sociedade londrina de meados do século XIX. Desta forma e como ‘art dealer’, ficou também, intimamente ligado ao movimento artístico mais importante da época, a Irmandade Pré-Rafaelita. A história do filme cruza-se igualmente com um conjunto de episódios históricos, relacionados com a conturbada situação política europeia da altura: Howell esteve envolvido no atentado contra Napoleão III e nas conspirações para derrubar o trono inglês. 

O Pior Homem de Londres
Howell é também o protagonista de um conto policial de Sherlock Holmes. ©Leopardo Filmes/Divulgação

O PORTO TRANSFORMADO EM LONDRES

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Assim, é com este poderoso material realístico-literário, que o realizador português — e também prolífico produtor — Rodrigo Areias (“Surdina” e “Hálito Azul”, entre outros), com a ajuda de Eduardo Brito — argumentista e realizador de “A Sibila” — e produzido por Paulo Branco (Leopardo Filmes) e a em associação com a Mrs. Frank (Países Baixos), construiu a sua nova longa-metragem, a oitava da sua carreira, algo a destacar, na carreira deste realizador vimaranense, de 45 anos de idade. Rodado essencialmente no Porto e com uma produção poeticamente sumptuosa, rara num filme português, a ação do filme decorre em Londres, aproximadamente entre 1857 e 1882. Os cenários são o Palacete Pinto Leite, Casa Allen, Casa São Roque, Jardim do Museu do Romântico, Jardim Botânico e o exterior do Centro Hospitalar Conde de Ferreira, que tentam replicar a capital londrina pejada de artistas torturados, viciados em beber láudano (tintura de ópio), num cenário de brocados coloridos e já no meio do espesso ‘fog londrino’ nocturno, que representava já a enorme evolução da era industrial, em Inglaterra. 




VÊ TRAILER DE ‘O PIOR HOMEM DE LONDRES’

A HISTÓRIA DE UM “GRANDE ARTISTA”

“O Pior Homem de Londres”, de Rodrigo Areias, não é uma obra-prima, mas é sem dúvida uma boa tentativa de fazer uma sumptuosa biografia cinematográfica de Howell,— naturalmente 99% dialogada em inglês — revelando-nos uma figura absolutamente desconhecida em Portugal e quase esquecida no Reino Unido. Porém, “o pior homem de Londres” foi na altura uma figura demasiado conhecida e moralmente duvidosa, que circulava muito bem, não só na alta sociedade, mas também nos meios artísticos da altura, como negociante de arte e “facilitador”. Pode-se dizer que Rodrigo Areias consegue de certa forma recriar habilidosamente esse mundo e detalhar a personalidade maquiavélica de Charles Augustus Howell (Albano Jerónimo), um tipo perverso que consegue ascender na alta sociedade londrina, manipulando todos os que circulam à sua volta. Por um lado, adquirindo obras arte verdadeiras ou negociando falsificações, que estabeleceriam a sua reputação e fortuna; e, quando isso não funcionava, recorria à chantagem, sobre homens e mulheres, que se atreviam em segredo, a ir contra as convenções sociais da época ou que estariam envolvidas em histórias de amores secretas ou situações de adultério. 

O Pior Homem de Londres.
Charles Augustus Howell (Albano Jerónimo), ascendeeu na alta sociedade londrina, manipulando todos. @Leopardo Filmes/Divulgação

UM AMBIENTE PRÉ-RAFAELISTA

O filme traça ainda a relação de Howell, com figuras-chave dos circuitos artísticos e sociais, como o pintor e poeta Dante Gabriel Rossetti (Edward Ashley), que foi convencido por Howell a desenterrar os poemas que escondeu no caixão da sua esposa Elizabeth Siddal (Victória Guerra, num interpretação curta e discreta, embora eficiente) para que o próprio “art dealer” as pudesse vender. Para alguns, Howell era visto como um malandro encantador. Para outros, como o poeta e crítico Algernon Charles Swinburne, era “o desgraçado mais vil que já encontrei”. As situações individuais que compõem a história incluindo o envolvimento de Howell na exumação do cadáver de Lizzie Siddal, são ao mesmo tempo incríveis e repugnantes. O filme em termos de tom tenta tornar-se tão coerente quanto possível e até um pouco desconfortável para o espectador.

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Porém, não consegue atingir o status de um prestigiado drama gótico de época, que decerto modo o filme parece ambicionar. Embora nunca haja um referência direta aos movimentos artísticos da época, o filme adopta uma bela palete de cores que expressa bem a vivacidade do movimento pré-rafaelita: as cores vibrantes e saturadas, preferidas por pintores como Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Millais, são ampliadas e reproduzidas em muitas das cenas de interiores do filme e nos cenários, isto é muito bem trabalhado pelo diretor de fotografia Jorge Quintela. 




O Pior Homem de Londres.
Victória Guerra, é Elizabeth Siddal, numa interpretação curta e discreta, embora eficiente. @Leopardo Filmes/Divulgação

UM ELEGANTE GUARDA-ROUPA

Areias talvez por uma questão de meios, restringe tanto quanto possível o seu impressionante elenco e leque de personagens, talvez para capturar melhor o espírito da época e para não se dispersar demasiado na intriga. O destaque vai claramente para Albano Jerónimo, que tem uma interpretação extraordinária — aliás, outra coisa não seria de esperar de um dos nossos mais internacionais actores portugueses — e talvez uma das melhores de sempre da sua carreira. Jerónimo, com um farto e extravagante bigode, um comportamento e voz imponentes e intimidante, consegue transmitir-nos na perfeição essa figura marcante de Howell, um homem que vê em todo o lado, oportunidades de auto-promoção e negócio, antes de se preocupar com a Arte em si. É justo dizer, que o impacto que o actor português tem no ecrã deve-se também, em grande parte ao extraordinário, elegante e luxuoso guarda-roupa de Howell, sobretudo, também pelo seu gosto por gravatas pomposas e que dão nas vistas, que servem no fundo apenas para enfatizar, a sua  necessidade de dar-nas-vistas, falta de confiança e insegurança social. 

O Pior Homem de Londres
Rossetti, é interpretado com competência pelo actor britânico Edward Ashley. ©Leopardo Filmes/Divulgação

O TALENTOSO MR. HOWELL

Por outro lado, o personagem de Rossetti, interpretado pelo actor britânico Edward Ashley, representa com competência, o inquieto artista e poeta, já magro e tuberculoso. Rossetti parece mais preocupado com os embrulhos secretos, com as garrafas de láudano, com as quais Howell o vai mantendo dependente. Em nome do crítico John Ruskin, Howell vai negociando uma bolsa para apoiar Lizzie Siddal (Victoria Guerra), na verdade, uma artista independente e a modelo favorita do movimento pré-rafaelita. Porém, a triste e nostálgica mulher também está viciada na tintura de ópio, algo que Howell vai fornecendo, aos seus clientes preferidos, no fundo para os controlar.

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Howell vende drogas, envolve-se em conspirações políticas, em falsificações de arte e, extensivamente também, com a chantagem, acções criminosas que fazem lembrar um pouco um tal Tom Ripley, o famoso personagem da saga escrita por Patricia Highsmith (“O Talentoso Mr. Ripley“), aliás até no estranho fascínio que nos provoca como criminoso, que se sai sempre airosamente dos seus crimes. Talvez o grande problema do filme seja ter demasiadas cenas com um Howell — devia ser talvez um pouco encurtado e até porque vêm aí a série de 3 episódios para a RTP — sempre a fumar ou trocando furtivamente as cartas incriminatórias, utilizadas para fazer as suas chantagens.

O Pior Homem de Londres.
Os cenários, lucram muito com a excelente qualidade pictórica das imagens do diretor de fotografia Jorge Quintela. ©Leopardo Filmes/Divulgação

UMA TRAGÉDIA HUMANA

Há muitas cenas que não adiantam muito à narrativa, que às tantas, tornam a teia de intrigas um pouco emaranhada e maçadora. Valia mais ter explorado mais essa relação com os artistas e a sociedade em geral. Mas lá está a questão dos meios. O final é recriado e de facto não obedece nem à verdade histórica — aliás como já tinha acontecido com o conto de Conan Doyle — nem à literatura, algo que pode não agradar aos defensores da verdade e literatos. De qualquer modo, a figura de Charles Augustus Howell, é tão pouco conhecida entre nós, que isto realmente não é em si um problema de grande importância, até porque estamos no domínio da arte e da ficção cinematográfica. Além disso, em vez da verdade que podem consultar facilmente na Wikipédia, o final de “O Pior Homem de Londres”, de Rodrigo Areias, além de dar uma uma saída airosa para o personagem, explora o seu carácter traiçoeiro, pouco confiável e cobarde, ao contrário da história de verdade, onde Charles Augustus Howell acabou na desgraça. “O Pior Homem de Londres”, teve a sua estreia absoluta há poucos dias no IFFR – Festival Internacional de Cinema de Roterdão, na Big Screen Competition.

‘O Pior Homem de Londres’, a crítica: O Melhor Albano Jerónimo de Sempre!
O Pior Homem de Londres

Movie title: The Worst Man in London

Movie description: Inspirado em personagens históricas, ‘O Pior Homem de Londres’ é um notável retrato do mundo dos artistas pré-Rafaelitas, da era vitoriana. Estes grandes artistas, como Dante Gabriel Rossetti, Algernon Charles Swinburne e Elizabeth Siddal, que viveram e criaram uma atmosfera de liberdade, vício e amoralidade, cruzaram-se na realidade com famoso crítico John Ruskin e com um escroque anglo-português de Charles Augustus Howell — a que Arthur Conan Doyle chamou ‘o pior homem de Londres’.

Date published: 7 de February de 2024

Country: Portugal, Países Baixos

Duration: 127 min

Director(s): Rodrigo Areias

Actor(s): Albano Jerónimo, Edward Ashley, Victoria Guerra

Genre: Drama, Histórico, 2023,

  • José Vieira Mendes - 70
70

CONCLUSÃO:

Na Londres, na segunda metade do século XIX, o movimento pré-rafaelita domina o mundo da arte. E no centro deste meio, com ligações à alta sociedade e um gosto especial pela chantagem, movimenta-se um maquiavélico negociante de arte anglo-português chamado Charles Augustus Howell, numa das melhores interpretações de sempre de Albano Jerónimo. Trata-se de um personagem notório que existiu mesmo e que foi descrito por Arthur Conan Doyle como ‘o pior homem homem de Londres’. O filme, Rodrigo Areias, não é uma obra-prima, mas em termos de tom e de relato histórico, tenta tornar-se tão coerente quanto possível e ao mesmo tempo até desconfortável para o espectador. Porém, não consegue atingir o status de um prestigiado drama gótico de época, que decerto modo o filme parece ambicionar. Embora nunca haja um referência direta aos movimentos artísticos da época, o filme adopta uma bela paleta de cores que expressa bem a vivacidade do movimento pré-rafaelita: as cores vibrantes e saturadas, preferidas por pintores como Rossetti, William Holman Hunt e John Everett Millais; estes tons são ampliados e reproduzidos em muitas das cenas de interiores do filme e nos cenários românticos, lucrando muito com a qualidade pictórica das imagens do diretor de fotografia Jorge Quintela. Um filme a ver….

JVM

Pros

Com um farto e extravagante bigode, um voz e comportamento imponentes, Albano Jerónimo, tem uma interpretação incrível  tornando-se sem dúvida numa figura marcante como Howell e o centro do filme.

Cons

Tanto o período histórico quanto a figura moralmente duvidosa que está no centro da história, são ricamente intrigantes e fascinantes. Porém, o ritmo, o tom e o tempo de duração excessivo do filme podem talvez, limitar um apelo mais amplo de público.

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