Os 7 de Chicago, em análise
“Os 7 de Chicago” é um dos grandes concorrentes na temporada de premiações de cinema de 2020/2021, encontrando-se nomeado a cinco Globos de Ouro e a muitos outros prémios, acumulando até ao momento mais de 20 vitórias e acima de 100 nomeações. Analisamos agora a obra.
No dia em que a longa-metragem é disponibilizada de forma gratuita, no canal oficial de Youtube da Netflix US e durante 48 horas, com o intuito de celebrar o aniversário deste polémico julgamento real que viu o seu veredito revelado a 18 de fevereiro de 1970, partilhamos as nossas impressões acerca do filme.
“Os 7 de Chicago”, no original “The Trial of the Chicago 7”, é a segunda longa-metragem realizada por Aaron Sorkin, que previamente havia assinado “Jogo da Alta-Roda” (2017). Não obstante a sua ainda jovem carreira na cadeira de realização, Sorkin é um dos mais prestigiados argumentistas de Hollywood. Os seus créditos de escrita no passado incluem narrativas como a popular série política “The West Wing” (1999 – 2006), a qual não só escreveu como criou, ou ainda os filmes “A Rede Social” (pelo qual venceu um Óscar), “Moneyball” ou “Steve Jobs”.
Dada a sua predileção no passado por temáticas políticas e narrativas baseadas em histórias reais, não é surpreendente que Sorkin tenha seguido para o trabalho de realização e redação do argumento de “The Trial of the Chicago 7” com evidente naturalidade.
É uma história que lhe assenta que nem uma luva e a qual explora de forma carismática, ainda que sem grande agressividade e sem assumir riscos.
OS EVENTOS REAIS QUE INSPIRARAM A OBRA DE SORKIN
Esta biografia dramática foca as suas atenções naquele que deveria ter sido um protesto pacífico na Convenção Nacional Democrata de 1968, a qual foi realizada de 26 a 29 de agosto em Chicago, Illinois, Estados Unidos da América. Perante o anúncio do Presidente Lyndon B. Johnson, o de não procurar a reeleição, selecionar-se-ia agora um novo candidato concorrente pelos Democratas.
A nomeação acabou por ir para o ex vice-presidente Hubert H.Humprey, que se revelara manifestamente pró-Guerra e que viria a perder a eleição para Richard Nixon ( um dos mais memoráveis presidentes dos EUA, pelas piores razões possíveis).
Resumindo uma teia complexa de conspiração e interesses dissonantes, a Convenção Democrata retratada em “Os 7 de Chicago” decorreu no âmbito de um período negro na história dos Estados Unidos, marcado pela violência galopante, agitação civil, manifestações e motins e política instável.
O assassinato do ativista dos diretos civis Martin Luther King Jr. tinha acontecido há pouco, bem como o do senador nova iorquino anti-guerra e anti-máfia Robert F. Kennedy, um dos irmãos mais novos de JFK.
Nesta altura, o Partido Democrata encontrava-se enfraquecido e dividido e o movimento hippie encontrava-se na década do seu age perante os horrores perpetuados na Guerra do Vietname, os quais se agudizavam. Diferentes grupos de ativistas de esquerda reuniram-se em Chicago para protestar pacificamente a perpetuação desta calamidade, e para tentar pressionar em vão o Partido Democrata no sentido de defender os seus interesses.
Perante os ânimos exaltados e a crescente brutalidade policial, este protesto em nome da paz transformou-se num confronto violento que envolveu a polícia e a Guarda Nacional, e o qual é recordado através de flashbacks neste “The Trial of the Chicago 7”.
“OS SETE” E OS SEUS INTÉRPRETES
Os organizadores do protesto, oriundos de associações ativistas distintas, são os protagonistas desta narrativa histórica ficcionada. Em destaque temos o Partido Internacional da Juventude, ou Yippies, o qual fora historicamente liderado por Abbie Hoffman (aqui interpretado por Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin ( um quase irreconhecível Jeremy Strong).
Ainda em primeiro plano são destacados os esforços da extinta organização estudantil norte-americana, a Organização de Estudantes por uma Sociedade Democrática ou SDS, ativa durante os anos 60 como representante da Nova Esquerda. Uma das suas figuras mais públicas implicada sneste julgamento foi Tom Hayden (Eddie Redmayne). Outra foi Rennie Davis (Alex Sharp).
A dar vida aos “Sete” temos ainda John Carrol Lynch como David Delliger, famoso pacifista norte-americano, líder do Comité de Mobilização Nacional para o Fim da Guerra do Vietname, e outra cabeça deste protesto. Por fim foram ainda acusados o assistente social e ativista Lee Winer (Noah Robbins), e o químico e ativista anti-guerra John Froines (Danny Flaherty). Estes últimos dois, por serem menos conhecidos, foram algo relegados na narrativa do filme.
Antes de serem denominados os “Sete de Chicago”, como um grupo conspiratório que na realidade nunca teve expressão real, os acusados foram intitulados como “A Conspiração dos 8”. Isto porque, tal como é retratado no filme, o ativivista do Movimento dos Direitos Civis e co-fundador dos Panteras Negras Robert “Bobby” George Seale foi injustamente implicado neste julgamento histórico, uma vez que não esteve sequer presente no protesto e foi ilibibado bem antes deste caso jurídico estar concluído (embora tenha vindo a enfrentar acusações distintas).
Yahya Abdul-Mateen II é assinalável na sua interpretação de Bobby Seal, protagonizando as cenas mais pesadas deste filme leve com uma presença memorável.
O DRAMA DE TRIBUNAL, “COURTROOM DRAMA”, COMO O PALCO ESCOLHIDO
O autor da narrativa fílmica, Aaron Sorkin, decidiu enquadrar esta história como um drama jurídico, um género mais que sedimentado no Cinema e Televisão. Ou seja, a ação deste “Os 7 de Chicago” escolhe focar-se na acusação de conspiração que recaiu sobre estas figuras proeminentes no mundo do ativismo cívico. O contexto político e social está presente, de certo, bem como a recapitulação dos eventos-chave que levaram a este célebre julgamento que se arrastou durante anos.
Ao contrário do que acontece no filme, o qual naturalmente simplifica e adapta a realidade, o fim do processo teve enquadramentos temporais muito distintos para os acusados, inclusível para os líderes dos respetivos movimentos.
Em “The Trial of the Chicago 7” assistimos à forma como estes ativistas foram acusados de incitar um motim, supostamente atravessando fronteiras estaduais com esse intuito em mente. A conspiração procurava, grosso modo, encontrar um bode expiatório para os confrontos, desculpabilizar a polícia e o poder político local e nacional, bem como tirar credibilidade à própria causa defendida pelos acusados.
Com o juiz nitidamente alinhado com a acusação, assistimos nesta longa-metragem às manobras legais e políticas que transformaram este julgamento num verdadeiro circo mediático.
VIRTUDES E DEFEITOS COMO DUAS FACES DA MESMA MOEDA
As virtudes de “Os 7 de Chicago” são ao mesmo tempo as armadilhas em que cai, e que impedem o filme de se afirmar como uma grande obra cinematográfica. Sem dúvida que estas são 2h10 bem passadas, capazes de entreter e que apesar de bastante exacerbadas e dadas à teatralidade conseguem transmitir alguma informação e contexto.
“Os 7 de Chicago” é um filme pertinente no período histórico de ascensão clara da extrema direita radical que vivemos, e é essa relevância temática que tem vindo a permitir que a obra se destaque tão nitidamente neste ano cinematográfico. Não obstante, a capacidade do filme no sentido de captar a atenção do espetador e até o divertir com o alívio cómico providenciado por Sacha Baron Cohen acaba por deixar importantes abordagens de parte.
A superficialidade salta à vista, à medida que um assunto imensamente complexo é tratado com alguma banalidade. Quiçá uma obra acerca de eventos tão traumáticos não devesse ser tão ligeira, tão inconsequente. Talvez uma visão mais compreensiva, mais abrangente e que estabelecesse uma crítica acutilante fosse o que o mundo de hoje precisa, o que o cinema de hoje precisa. O dedo é colocado na ferida, mas desde logo se retira o mesmo.
Este não é de certo cinema interventivo, mas será que se esperava isso? Sorkin cria aqui uma narrativa aprazível mas pouco marcante, que em último caso não oferece nada de novo no panorama da História do Cinema. O valor de entretenimento fala mais alto num filme que faz todo o sentido em 2020.
“Os 7 de Chicago” estreou na plataforma portuguesa da Netflix a 16 de outubro de 2020. O filme pode ser visto, livre de custos, na página de Youtube da Netflix (infelizmente sem legendas em português), entre hoje, 19 de fevereiro, e amanhã.
A longa-metragem segue para a cerimónia dos Globos de Ouro 2021, que acontece já a 28 de feverereiro, com 5 nomeações.
Os 7 de Chicago, em análise
Movie title: Os 7 de Chicago
Movie description: O que devia ser uma manifestação pacífica transformou-se num violento confronto com a polícia. O julgamento que se seguiu foi um dos mais marcantes da História norte-americana.
Date published: 19 de February de 2021
Country: Estados Unidos da América
Duration: 120 minutos
Director(s): Aaron Sorkin
Actor(s): Sascha Baron Cohen , Eddie Redmayne, Jeremy Strong,
Genre: Drama, Histórico
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Maggie Silva - 70
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Virgílio Jesus - 70
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José Vieira Mendes - 60
Conclusão
“Os 7 de Chicago” é uma recapitulação relativamente inofensiva e simplificada de eventos históricos dramáticos. Aaron Sorkin não surpreende, mas entrega um drama de tribunal repleto de diálogos cativantes. Intercala drama e comédia de forma equilibrada, embora nunca se consiga livrar do entretenimento como objetivo último.
Pros
– Yahya Abdul-Mateen II como um convincente Bobby Seal;
– Sacha Baron Cohen como um carismático Abbie Hoffman;
Cons
– A simplificação das personagens e dos eventos;
– O foco em disputas pessoais entre os intervenientes que pouco acrescentam à história maior e mais relevante que é narrada;
– A banalização de uma pesada situação política;