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Os Anjos de Charlie, em Análise

“Os Anjos de Charlie” estão de regresso ao grande ecrã com novo elenco, nova realização e novo alento. O filme foi um fracasso absoluto de bilheteira nos Estados Unidos, mas muitos críticos consideram-no uma melhoria em comparação com capítulos anteriores.

Afinal, de que cores se faz esta nova versão realizada por Elizabeth Banks?

Os Anjos de Charlie
Farrah Fawcett, Kate Jackson e Jaclyn Smith em “Os Anjos de Charlie” (1976) |© CPT Holdings, Inc. All Rights Reserved.

O fenómeno “Charlie’s Angels” iniciou-se com uma série de televisão nos anos 70. No ar entre 1976 e 1981, a série contou com mais de 100 episódios emitidos e ajudou a popularizar os seus intérpretes, nomeadamente Farrah Fawcett, um dos anjos. Narrava a história de um homem muito misterioso e muito rico chamado Charlie, responsável por uma agência privada de detectives, que falava com os seus colaboradores sempre através de um intercomunicador. Os seus olhos no local seriam o seu assistente John Bosley, um personagem presente em todos os episódios. As detectives? Três mulheres bonitas, com passados que preferem esquecer, a envolver-se num conjunto de situações complexas.

Passado um bom tempo, o fenómeno regressou em 2000 com a versão adaptada ao cinema de “Os Anjos de Charlie”. A versão adaptada ao cinema trouxe-nos o mesmo plot, a mesma lógica de mulheres hipersexualizadas a trabalhar para um homem sem face, mas o novo grupo ficou imprimido na cultura popular, com Cameron Diaz, Lucy Lui e Drew Barrymore como os três anjos, e com Bill Murray como Bosley. Sem grande surpresa, esta versão foi realizada por um homem, e sofria de uma doença comum do seu tempo, o famoso “male gaze”, uma visão masculina que contamina uma narrativa supostamente feminina.

filmes na tv
“Os Anjos de Charlie”: Lucy Liu, Cameron Diaz e Drew Barrymore | © 2003 Columbia Pictures. All rights reserved.

A primeira adaptação ao cinema de “Os Anjos de Charlie” teve um investimento significativo no orçamento, o qual, à semelhança da nova versão de 2019, não foi todo compensado na primeira semana. Contudo, ao contrário da nova versão, o filme recebeu alguma apreciação por parte do público, e o filme acabou por conseguir suportar e exceder os seus custos de produção, acumulando mais de 260 milhões de dólares nas bilheteiras mundiais. Foi suficientemente bem-sucedido para conseguir uma sequela com a mesma equipa passados três anos.

Esta sequela da comédia de acção atingiu valores de bilheteira semelhantes, mas ficou-se por aí, sem mais sequelas. Em 2011, surgiu ainda uma nova série de televisão, que apenas durou 8 episódios na ABC.

Os Anjos de Charlie
Elizabeth Banks no set de “Charlie’s Angels” (2019) |©Big Picture Films

Em 2019, surge-nos a primeira interpretação desta história criada por uma mulher. Elizabeth Banks, ela própria uma atriz consagrada com muitas dezenas de créditos de representação tanto na televisão como no cinema, realiza aqui a sua segunda longa-metragem, depois de “Num Tom Perfeito 2”, em 2015.  Adicionamente, é produtora do filme, assina aqui o seu primeiro argumento e participa como atriz, interpretando a agente Bosley, um título hierárquico na agência Townsend, sendo que esta é apresentada como o primeiro anjo a tornar-se alguém mais poderoso na escala hierárquica da agência.

Banks cria aqui uma versão com um espírito não tão distinto da anterior, mas com alguns pequenos retoques que tornam esta uma versão ligeiramente superior de uma história já bastante saturada. Desde já, os Anjos são sensuais, sim, são raparigas jovens, bonitas, arranjadas, mas que estão bastante tapadas durante a grande maioria do filme. São sensuais, mas não “sexuais”, e é fácil compreender a bandeira de igualdade de género que erguem desde a primeira cena. É claramente esse o maior legado, ou a maior tentativa de legado da parte de Elizabeth Banks.

A primeira frase do filme é “Acho que as mulheres conseguem fazer tudo”. Como subtexto quase ouvimos: e até mais do que os homens. Esta “afirmação” vai sustentar uma abordagem diferentes dos anjos. Nunca envergam trajes reduzidos e ilógicos no contexto da acção, como fatos de banho ou fatos de cabedal excêntricos com os quais não se conseguiriam mover. A autodeterminação é assumida em grande parte devido ao facto de a sua Bosley ser uma mulher e não um homem, e também devido a diversos elementos que se vão multiplicando ao longo do filme e que advêm do enredo, e das suas reviravoltas, e por isso não podem ser aqui revelados.

Charlie's Angels
© Big Picture films

O enredo deste novo “Anjos de Charlie” peca por ser incrivelmente genérico.  Estamos numa nova era para a agência Townsend, com muito mais agentes, muitos mais anjos, muito mais superiores na linha de comando, e muita expansão internacional do negócio.

As mulheres mais inteligentes, mais destemidas e mais bem treinadas, formam múltiplas equipas de Anjos guiadas por vários Bosley, e irão enfrentar duras missões em todo o mundo. Esta missão em particular será concretizada pela Bosley de Elizabeth Banks e pelas agentes Jane Kano  (Ella Balinska) e Sabina Wilson (Kristen Stewart). O seu objectivo será proteger e ajudar uma jovem e brilhante engenheira de sistemas que criou uma nova tecnologia para garantir energia sustentável, mas que corre o risco de ser comercializada antes de se tornar 100% segura e cumprir todos os requisitos de segurança. A jovem é Elena Houghlin, interpretada por Naomi Scott, que desde logo se torna uma espécie de terceiro anjo honorário.

A partir daqui, partem numa aventura com muitos perigos inesperados, destinos exóticos, diferentes palcos, festas, com muitas piadas, leveza de espírito e salvamentos de última hora à mistura. Não há nada de particularmente errado com esta nova versão, especialmente dentro do género em que se insere. É uma comédia de acção, com uma narrativa e um argumento simples e que não levantam grandes questões.

“Os Anjos de Charlie” de 2019 tenta ser um hino progressista dentro do género, as suas próprias reviravoltas tentam quebrar expectativas relativamente à percepção do comportamento da mulher. Ainda assim, os nossos anjos são três raparigas jovens, bonitas, magras, com a mais velha das atrizes centrais tendo nascido em 1990 (Kristen Stewart) e a mais jovem apenas em 1996. Ainda assim, esta jovem, que completou 23 anos já com o filme feito, tinha tido tempo para ser uma ex-agente do MI6, que se virou para o sector privado por estar desiludida com o alcance das instituições governamentais.

Existe uma tentativa de quebrar expectativas, mas sem nunca “sair da caixa”, mantendo o que é previsível ainda assim na linha do horizonte.

anjos de charlie
©Big Picture Films

O novo “Os Anjos de Charlie” assenta muito numa relação mais suave entre membros do sexo feminino, e procura acima de tudo persistir na ideia de união. É leve, bem humorado e vive muito do calor humano entre as suas protagonistas. A química é palpável, e estranhamente quem se destaca entre o elenco é mesmo Kristen Stewart, a veterana entre as três. Aos 29 anos, Kristen é uma atriz bem conhecida do público há muito tempo, tendo entrado em grandes produções já na sua infância, como por exemplo “Sala de Pânico”, que co-protagonizou ao lado de Jodie Foster aos 12 anos. Aqui, vemo-la a regressar aos blockbusters, um registo muito pouco comum para uma atriz que desde há muito se entregou ao cinema independente, com notório sucesso.

Para mim, como muito pouco fã da letargia constante de Stewart, vê-la neste registo de comédia de acção faz-me apreciá-la de uma forma que não pensei antes possível. O seu papel é o do anjo mais atrevido, mais curioso, mais anti-sistema, mais agitado, mais divertido. Tudo o que não esperamos de Kristen Stewart e que ela entrega sem qualquer problema e de forma totalmente convincente. Quem diria que seria finalmente um filme banal a vender-me esta atriz?

“Os Anjos de Charlie” fracassou profundamente nas bilheteiras norte-americanas, e a crítica morna continua a ser mais positiva do que a recepção do público. Elizabeth Banks considera que tal se trata de uma reacção de uma sociedade machista, que não aprecia um filme onde todos os heróis são mulheres, filmadas por uma mulher, sem que a satisfação do homem esteja em vista ou seja ponderada. Ou seja, o já referido, nada de trajes curtos, nada de mecanismos para vender uma atitude excessivamente provocadora.

A resposta do outro lado da barricada é que não precisamos de mais “reboots”, remakes e sequelas, e esta era uma história que tinha já sido contada, várias vezes. Num mundo do entretenimento em que reinam os filmes de imagem real da Disney, onde o filme do ano nas bilheteiras, ou um deles é “O Rei Leão”, a narrativa do Batman e do Joker continua a estar no topo da ordem do dia, acabou de ser lançada uma sequela de “Frozen” e  o milionésimo capítulo de “Star Wars” está aí à porta, Banks é capaz de ter razão. “Charlie’s Angels” não é original, mas não merece o tratamento que tem recebido. Porque se não é melhor que o que veio antes neste universo, certamente também não é pior de forma alguma.

Para quem procura entretenimento leve, sem grandes pretensões ou capacidade inventiva, mas que ainda assim é capaz de nos colocar um sorriso nos lábios e proporcionar duas horas bem passadas,  “Anjos de Charlie” não é uma má aposta. 

Os Anjos de Charlie
anjos de charlie

Movie title: Os Anjos de Charlie

Date published: 1 de December de 2019

Director(s): Elizabeth Banks

Actor(s): Kristen Stewart , Naomi Scott , Ella Balinska, Elizabeth Banks

Genre: Comédia, Acção

  • Maggie Silva - 70
70

CONCLUSÃO

“Os Anjos de Charlie” mantém muito o tom e o tipo de enredo presente nas suas versões anteriores. É ligeiramente superior devido à tentativa de criação de uma nova visão dos anjos que não tenha como intenção acomodar o olhar masculino.

O MELHOR: Uma nova figura do anjo, bem como a união e empatia sentida entre o elenco e, para grande surpresa de quem escreve este texto, a prestação energética de Kristen Stewart, que aparece pela primeira vez alegre, luminosa e irreverente no grande ecrã.

O PIOR: O enredo em si é muito, muito simples e não passa de uma sucessão de elementos que já foram repetidos até à exaustão. Os vilões da história são unidimensionais, e o bem e o mal são conceitos muito elementares. O elemento tecnológico que justifica a trama não faz sequer sentido, e ninguém se deu ao trabalho de verdadeiramente o explicar.

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One Response

  1. Frederico Daniel 13 de Janeiro de 2020

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