"A Thousand and One" | © Focus Features

No Outsiders, o Dia da Mãe celebra-se com cinema independente

O Outsiders celebra o cinema independente americano e a edição de 2024 calhou mesmo bem para o Dia da Mãe. “A Thousand and One” é o filme de encerramento, um retrato dos laços complicados entre uma mulher e seu filho.

O ano passado, “A Thousand and One”, também conhecido como “Mil e Um,” ganhou um dos maiores prémios no Festival de Sundance. A primeira longa-metragem da cineasta A.V. Rockwell considera a história de Inez ao longo de vários anos, começando quando ela sai da prisão em 1994. Numa Nova Iorque de outros tempos, ela encontra o filho que, entretanto, caiu no sistema social. Num ato de desespero, Inez rapta o menino, decidida a criá-lo ela mesma, tendo ou não tendo direitos legais. O que se segue é uma crónica da sua relação através do tempo e das crises, escondidos no Harlem em que a jovem mãe cresceu.

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Tais descrições podem sugerir um melodrama, mas a fita de Rockwell escapa a esses excessos emocionais. De facto, trata-se de uma obra contida e com disciplina, relutante a puxar pelo sentimento ou a cair na lágrima fácil. Muito disso devém ao argumento que a realizadora escreveu, mas a sua direção de atores também serve de exemplo. Acima de tudo, “A Thousand and One” é um retrato humanista ancorado pelo elenco liderado por Teyana Taylor, uma cantora feita atriz cujos talentos em frente à câmara são um verdadeiro assombro.

Não há qualquer tentativa de conquistar a simpatia do espetador e jamais ela desculpabiliza as ações de Inez, ou nos pede pela nossa compreensão. Há algo nesta abordagem que remete para o confronto, um altivo desafio perante o espetador que põe a dignidade da personagem acima de tudo. Outros atores são igualmente maravilhosos, mas o coração da fita é o conflito interno de Inez. O que é que uma mãe está disposta a fazer pelo seu filho? Tudo. E alguém com direito a julgar as suas ações no píncaro da angústia? Para Inez, não.

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“Driveways” | © CinemaWerks

Num drama realista e feroz, Rockwell e Taylor exploram o conceito da maternidade, suas responsabilidades, suas revoltas. Na verdade, essa temática é transversal a muitos dos títulos com que “A Thousand and One” partilhou destaque no Outsiders – Ciclo de Cinema Independente Americano. A programação deste ano não se consignou a tais conceitos, mas é interessante reconhecê-los mesmo assim. Pensemos, por exemplo, no “Driveways” de Andrew Ahn, onde Hong Chau tem uma humilde tour de force enquanto uma mulher a tratar dos pertences da sua irmã falecida.


Perdida entre os afazeres e o luto, ela tem a ajuda do filho nesse verão lânguido. Estreado originalmente em 2019, “Driveways” foi marcado pela última interpretação de Brian Dennehy antes da sua morte. No papel de um vizinho idoso que trava amizade com o miúdo, ele traz outras dimensões a uma narrativa construída em torno do elo materno e filial. Enquanto estudo de personagem, a obra é uma joia gentil, tão delicado que um suspiro o faria desabar como casa de cartas. Como sempre, o cinema de Ahn triunfa nas suas observações, algures entre o mundano e o poético.

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“Birth/Rebirth” | © Shudder

Tal como Taylor este ano, também Hong Chau foi nomeada para o Prémio de Melhor Atriz nos Film Independent Spirit Awards. O mesmo fado se manifestou para Judy Reyes em “Birth/Rebirth”. A estreia de Laura Moss na realização de longas-metragens é um pesadelo meio lúgubre, onde duas ideias de maternidade tenebrosa se intersectam. Quase como uma versão alternativa de “Frankenstein,” a história inclui uma cientista em luta acesa contra a morte, ressuscitando organismos defuntos num momento de criação em traços de segundo nascimento.

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Mas essa médica não é quem Reyes interpreta. Não, esse papel fica para Marin Ireland, excelente neste exercício do terror, dando vida ao génio fantástico sem, no entanto, fazer dela um monstro. Todo o filme segue a mesma linha, fugindo ao sensacionalismo da premissa para considerar o custo humano dos seus horrores. A atriz indicada aos prémios Spirit mostra isso mesmo ao interpretar uma enfermeira cuja filha pequena morre repentinamente. No sobressalto da perda, as duas mulheres tornam-se cúmplices na violação das ordens naturais. Uma mãe está disposta a tudo pelos filhos.

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“The Surrogate” | © Tandem Pictures

A última obra a apontar neste ciclo de mães cinematográficas será “The Surrogate”, assinado por Jeremy Hersh. Jasmine Batchelor interpreta uma mulher que aceitou ser barriga de aluguer para o melhor amigo, dando-lhe a oportunidade de ser pai com o marido. Contudo, testes pré-natais revelam problemas e levantam uma questão moral para a qual não há respostas certas ou erradas. Presos num purgatório ético, as personagens escapam à idealização ao mesmo tempo que tentam ser boas pessoas, algo que custa e dói, não obstante o que a crença popular possa dizer.

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Batchelor é um milagre autêntico no papel principal, articulando todas estas problemáticas sem nunca reduzir o enredo a algo simplista. A complexidade mantém-se, vértices aguçados e nada polido, nada suave ou reconfortante numa história onde maternidade unicamente biológica ganha vertentes mais afetivas no precipício do seu fim. Nesse sentido, quiçá ainda haja outro título a considerar. Se a hipótese de ser mãe marca presença, porque não a perda da figura progenitora? É essa ausência que define muito de “The Unknown Country,” o filme de abertura destes Outsiders.

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“The Unknown Country” | © Cold Iron Pictures

Focando-se na filha ao invés da mãe, esta estreia da realizadora Morrisa Maltz estrutura-se como uma espécie de “road movie” melancólico. Através da paisagem Americana, seguimos Lily Gladstone num registo naturalista, sobrecarregado de mágoas silenciosas, mas nunca derrotada por esses sentimentos. É mais um desempenho maravilhoso da atriz recentemente nomeado para o Óscar com “Os Assassinos da Lua das Flores.” A colaboração valeu o prémio Gotham a Gladstone e, este ano, as duas artistas já estão a trabalhar em novo projeto – “Jazzy”.

Fica atento às nossas coberturas de festivais, ora em diários, crónicas ou críticas. Cannes já se avizinha e depois vem ainda o IndieLisboa.


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