Paddington na Amazónia, a Crítica | O urso ainda encanta ou já perdeu o brilho?
O terceiro filme do urso mais simpático de Londres, Paddington, perde-se na selva, mas ainda tem marmelada para espalhar.
Há filmes que são como sanduíches de marmelada: simples, reconfortantes, e difíceis de estragar. “Paddington 2” foi um banquete gourmet, com direito a croque-en-bouche de slapstick e um recheio de ternura que fez até o mais cínico dos críticos derreter como manteiga ao sol. Já “Paddington na Amazónia” é a versão da sanduíche feita às pressas por alguém que nunca leu a receita, mas jurou que “sabia a lógica”. Não é má, mas sabe-se que falta o toque do chef original, Paul King, agora ocupado a transformar chocolates em ouro com “Wonka“.
De Notting Hill para o CGI verde
Lembro-me de, durante o meu estágio numa produção de curta-metragem em Lisboa, a realizadora ter dito: “Um filme é como um relógio suíço: se tirares uma peça, tudo desanda”. Pois bem, “Paddington na Amazónia” é o relógio que trocou o mecanismo de precisão por uma caixa de LEGO. Dougal Wilson, estreante na longa-metragem (vindo de spots publicitários e vídeos dos Coldplay), entrega um filme que tenta replicar a fórmula mágica, mas sem o timing cómico ou a densidade visual que faziam dos anteriores obras-primas.
A premissa é clássica: Paddington, agora cidadão britânico (numa cena deliciosa onde tira a foto de passaporte com o chapéu a tapar metade do rosto), recebe uma carta do “Lar para Ursos Reformados” no Peru: a Tia Lucy está desaparecida, e o urso mais polido de Londres parte em missão de resgate com a família Brown. O problema? Tirar Paddington de Londres é como tirar um fish & chips do papel de jornal de onde vem: perde o contexto, o aroma, e metade do sal. A cidade era uma personagem, um jogo de cores wes-andersonianas onde cada esquina escondia uma piada visual. A Amazónia, aqui, é um ecrã verde genérico, mais Jumanji de orçamento baixo que selva encantada.
Olivia Colman e a arte de salvar cenas (Mesmo quando o guião não merece)
Há, claro, momentos de brilho. Olivia Colman, como a Madre Superiora do lar, é uma tempestade de carisma. Num musical que parece saído de um sonho febril de Baz Luhrmann, ela canta, dança, e atira uma guitarra ao ar como se fosse uma granada de alegria. É a cena mais Paddington que o filme oferece, e prova que Colman podia interpretar um saco de cimento e ainda arrancar risos. Já Antonio Banderas, como o guia Hunter Cabot, tenta ser um vilão simpático e o ator é carismático, mas fica preso num limbo entre o Indiana Jones bêbado e o tio chato das festas de Natal.
A maior falha, porém, está na narrativa. Enquanto “Paddington 2” era um puzzle de emoções e gags interligadas, este terceiro capítulo avança em linha reta, como um comboio turístico com os carris enferrujados. As cenas de ação—uma perseguição de jetski por entre lianas, um momento King Kong com um urso a escalar um templo inca—são competentes, mas falta-lhes a inventividade que King trouxe aos anteriores. Até a marmelada, símbolo máximo da doçura ingénua de Paddington, é reduzida a um plot device esquecido no fundo da mochila.
Como Emily Mortimer quase me fez chorar
Se há algo que este terceiro filme acerta—quase por acidente—é na forma como explora a fragilidade da família Brown. Mary (Emily Mortimer, substituindo Sally Hawkins com uma delicadeza que dói) tornou-se a mãe que todos temos: a que insiste em jantares familiares enquanto o mundo desaba. A sua luta para manter a união, num mundo onde os filhos preferem streaming a conversas, é tocante. Numa cena subtil, vemo-la a guardar fotos antigas de Paddington, num quarto de hotel peruano, enquanto lá fora o caos reina. É um momento que cheira a saudade de algo que ainda não se perdeu—e Mortimer entrega-o com a mestria de quem estudou na escola de “um olhar vale mais que mil guiões”.
Quanto a Jonathan (Samuel Joslin), agora um adolescente que trocou a curiosidade por headphones, a sua jornada de “redescobrir a família” é tão original como um episódio de Sitcom das 18h (Temporada 5, episodio 3 de “Dois Homens e Meio” para um exemplo direto do que estou a falar). Ainda assim, há uma piada genial que envolve um jogo de telemóvel e um macaco ladrão que quase justifica o screen time do miúdo. Quase.
Onde está a minha identidade, será que a deixei no aeroporto?
Aqui, o filme tenta—com patinhas trémulas—aprofundar o tema da identidade cultural. Paddington, agora britânico de passaporte, volta às raízes para perceber que a “casa” é onde estão os que amamos, não as coordenadas geográficas. Bonito, sim, mas tratado com a profundidade de um post do Instagram: “Home is where the marmalade is 🐻❤️ #Deep”.
“Paddington na Amazónia” reduz o tema a um powerpoint de frases feitas: close-up no urso a olhar para o horizonte, música emotiva, flashback da Tia Lucy. Faltou coragem para questionar a ideia com a complexidade que merecia.
Ah, e a cena pós-créditos. Sem spoilers, digo apenas que envolve uma personagem icónica dos filmes anteriores a fazer algo tão forçado que parece fanfiction de um executivo da Sony. Foi aqui que percebi: o problema não é o Dougal Wilson não ter talento (ele tem), mas sim a pressão de expandir um universo que funcionava melhor como uma trilogia íntima.
Conclusão: Um abraço apertado que deixa pelo no casaco
“Paddington na Amazónia” não é um desastre. É um filme afável, cheio de boas intenções e momentos que brilham como o sol através das folhas da Amazónia (ou do green screen). Ben Whishaw continua a dar ao urso uma voz que é um cobertor quente em forma de som, e a relação com os Browns—apesar de previsível—ainda aquece o coração.
Mas a magia dos anteriores, aquela alquimia entre absurdo e sinceridade, dissipou-se como fumo de fogueira na floresta. Paul King sabia que, para fazer um filme universal, era preciso focar no micro: um bairro, uma prisão, uma casa. Wilson, ao escolher a selva, perdeu-se no macro. É como comparar um croissant artesanal com um de uma máquina de rua: ambos alimentam, mas só um deles te faz acreditar na perfeição.
Nota Final: 3.5/5 Marmeladas
Para fãs do ursinho: vale a pena pelo abraço nostálgico. Para puristas: tragam o boxset dos dois primeiros filmes ou vejam-nos na Max. E para a StudioCanal: por favor, a próxima aventura que seja em Lisboa. Até o Paddington merece um pastel de nata. Agora, se me dão licença, vou rever a cena do Hugh Grant vestido de freira de “Paddington 2”. Para “estudos comparativos”, claro.
Trailer | Paddington na Amazónia
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Paddington na Amazónia, a crítica
Movie title: Paddington na Amazónia
Movie description: "Paddington na Amazónia" é o terceiro filme da adorada série do urso Paddington. Nesta aventura, Paddington regressa às suas raízes na Amazónia peruana para visitar a sua tia Lucy no "Lar para Ursos Reformados". A jornada promete misturar humor, coração e descobertas culturais, enquanto o urso gentil explora a floresta tropical, enfrenta desafios inesperados e reencontra personagens queridos, como a família Brown.
Date published: 9 de November de 2024
Country: Grã-Bretanha
Duration: 106'
Author: Mark Burton, Jon Foster e James Lamont
Director(s): Dougal Wilson
Actor(s): Ben Whishaw, Imelda Staunton, Hugh Bonneville, Emily Mortimer, Madeleine Harris, Samuel Joslin, Julie Walters, Jim Broadbent, Olivia Colman, Antonio Banderas , Carla Tous , Simon Farnaby
Genre: Aventura, Comédia, Família , Mistério
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Vítor Carvalho - 65
Conclusão
“Paddington na Amazónia” é como um abraço bem-intencionado de um velho amigo: reconfortante, mas sem aquele aperto que nos faz sentir em casa. Apesar de manter o coração do ursinho de marmelada e momentos de brilho pontual (como a genialidade de Olivia Colman e a sensibilidade de Emily Mortimer), o filme tropeça ao abandonar o charme íntimo de Londres por uma Amazónia artificial e narrativas previsíveis. A ausência de Paul King é palpável, deixando a aventura sem a inventividade visual e o timing cómico que consagraram os anteriores. Ainda assim, é uma jornada digna para fãs que desejam reviver a ternura de Paddington, mesmo que o sabor final lembre mais uma marmelada esquecida no fundo do armário do que um banquete memorável.
Pros
- Ben Whishaw mantém a voz perfeita para Paddington, trazendo calor e sinceridade à personagem;
- Olivia Colman brilha como Madre Superiora, especialmente na cena musical memorável;
- A performance subtil e emotiva de Emily Mortimer como Mary Brown;
- Momentos de humor visual que capturam o espírito da série;
- A exploração dos laços familiares dos Brown continua tocante;
- A mensagem sobre “lar” e identidade mantém o coração da série;
- A fotografia da Amazónia, mesmo com CGI excessivo, tem momentos bonitos.
Cons
- Ausência notável da direção criativa de Paul King;
- CGI excessivo e genérico na representação da Amazónia;
- Perda do charme visual de Notting Hill como personagem;
- Narrativa linear e previsível, sem a complexidade dos anteriores;
- Antonio Banderas sub-aproveitado como antagonista;
- Temas de identidade cultural tratados superficialmente;
- Timing cómico menos preciso que nos filmes anteriores;
- Cena pós-créditos forçada e desnecessária;
- Perda da densidade visual característica da série;