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Peaches Goes Bananas, a Crítica | Obra nomeada ao Leão Queer no Doclisboa

“Peaches Goes Bananas”, estreado em setembro no Festival de Veneza, inaugurou a secção “Heart Beat” no 22.º Doclisboa. Ao longo dos últimos 17 anos, a cineasta Marie Losier filmou Peaches para agora apresentar um retrato compreensivo da artista – no palco e nos bastidores. 

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Peaches, cantora e produtora canadiana, afim aos géneros de Electroclash, Punk Rock, Hip Hop Alternativo ou Synth-Pop, para nomear apenas alguns, é uma figura dinâmica, transgressora e caracterizada através de uma imensa presença de palco avassaladora. As suas prestações musicais são performances, a sua vontade de viver e explorar roça o insólito. Esteja a dar aulas de música a crianças  ou a entoar maravilhosamente uma ópera pela primeira vez, sem sequer ler pautas; Peaches é uma artista plena, pioneira, aventureira e é assim que Marie Losier (“Felix in Wonderland”) a representa.

Este foi um filme bem escolhido para arrancar com a secção “Heart Beat”, aquela que no Doclisboa vai muito além de documentários musicados ou sobre grandes músicos, explorando a relação entre obras, artistas e modos de expressão, sejam eles músicos ou não, e que em 2024 explora a carreira de grandes ícones dos anos 90 como Blur ou Pavement.

A intimidade de Peaches no Doclisboa 2024

Marie Losier, que assina a obra, nomeada ao Leão Queer no Festival de Veneza,  é realizadora e curadora. O seu trabalho tem vindo a ser exibido no contexto de festivais, mas também diversas bienais, museus e galerias. Esta alma de galerista é muito palpável na estrutura deste “Peaches Goes Bananas”, o qual intercala entrevista tradicional, material de arquivo, material próprio colecionado ao longo dos anos e também belas sequências de sonho. Por exemplo, uma deliciosa que envolve uma paixão por bananas e que dá até nome ao filme.

A longa-metragem vê-se intercalada entre cenas filmadas em palco, o processo criativo de Peaches (à medida que este decorre) e ainda múltiplos momentos da vida privada da artista (nascida Merrill Nisker).


Enfatizam-se, nesta abertura de secção no Doclisboa, os seus relacionamentos pessoais e a mulher para lá da persona de palco. Estes instantes são genuinamente tocantes, em particular um dos momentos narrativos mais prevalecentes ao longo do filme. Trata-se da relação de Merrill com a sua irmã Suri, outra mulher a transbordar de vida mas que, de forma lamentável, teve a existência encurtada devido a um diagnóstico de esclerose múltipla. Desta figura parece advir parte da ferocidade e determinação de Peaches, e daí a relevância desta forte presença na obra.

Um ícone confronta o envelhecimento e vence

Peaches no Doc em 2024
©Doclisboa

O documentário “Peaches Goes Bananas” vence quando expressa, sem reservas, toda a ousadia de Peaches. Nomeadamente a ousadia da sua apresentação em palco – com trajes reduzidos e usando a sua sexualidade como uma poderosa arma. A libertação sexual é uma das suas formas de expressão por excelência.

Esta é também a representação de uma mulher que se confronta com o envelhecimento, no final da casa dos 50, mas que nunca altera a sua forma de apresentação ou a sua essência. Assim, vence este ‘monstro’ que tanto continua a exercer a sua pressão societária, reforçando um inegável magnetismo e singularidade.

A temporalidade é, por si, uma poderosa força nesta obra documental: o filme ganha muito mais quando oscilamos entre o tempo presente e as décadas prévias da vida de Peaches e é até uma pena que o “aqui e agora” ocupe uma parte tão grande da duração. É o arquivo, uma vez mais o grande aliado do documentário, que nos permite conhecer Peaches sem reservas.

Particularidades de Peaches pela câmara invulgar de Losier

Foram 17 anos de registo que permitiram uma visão macro de um sujeito, o registo, como afirmado por Losier de “um ícone queer transgressor (e uma) feminista intransigente, uma mulher em constante transformação”.


Esta grande mulher nega ser apenas a soma das suas partes, resiste. Não é apenas a música, a produtora, a pontual cantora de ópera, ou a inspirada professora de música. É tudo isto, numa roda vida de reinvenção, como Marie Losier avança: “A sua perseverança e energia incansável para experimentar e colocar o corpo no centro da sua arte com grande beleza e liberdade tocam-me. Peaches questiona e redefine constantemente os limites da sua identidade. (…) A necessidade de viver em pleno, livremente, e enfrentar as normas e hostilidades com amor, dança e criação”.

 

 

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Peaches recusa-se veemente a ser remetida para a posição de “apenas” símbolo sexual, como o documentário deixa bem claro. A sua identidade, como a de todes nós, é perfeitamente mutável e complementar. Captar essa mutabilidade em apenas 74 minutos não é fácil, mas Marie Losier consegue-o por conhecer o seu sujeito na palma da mão.

Do ponto de vista musical, “Peaches Goes Bananas” é também empolgante. Não há nada de distinto na forma como os momentos em palco são gravados, mas a sua mera presença neste objeto documental enche-nos os ouvidos e permite sentir a eletrizante energia de uma cantora cuja fama merecia ser mais generalizada (não fosse o seu génio musical tão palpável).

O Doclisboa entra no seu último fim de semana, com muitas sessões ainda nos dias 26 e 27 de outubro. Continuaremos a acompanhar a programação! 

Peaches Goes Bananas, a Crítica
Poster Heart Beat Doclisboa

Movie title: Peaches Goes Bananas

Movie description: "Peaches Goes Bananas" é um olhar íntimo sobre o mundo criativo, lúdico e inebriante da artista e música Peaches. Nascida Merrill Beth Nisker, Peaches deixou a sua casa e o seu emprego como professora no Canadá com a ambição de se afirmar no underground de Berlim, aliando sexo, punk e a memória do início dos anos 80, quando a discoteca voltara a ser underground.

Date published: 26 de October de 2024

Country: França, Bélgica

Duration: 74'

Author: Marie Losier

Director(s): Marie Losier

Actor(s): Peaches

Genre: Documentário

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  • Maggie Silva - 75

Conclusão

“Peaches Goes Bananas” é uma obra documental onde as cenas em palco se encontram com muitos momentos intimistas. E se as filmagens de concertos não se elevam enquanto documento musical, o retrato privado de uma pessoa para lá de um ícone vence pela franqueza emocional. Vencem também as sequências de sonho belas e que nos recordam obras de arte vivas.

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