MOTELx ’16 | Psiconautas, los niños olvidados, em análise

Psiconautas, los niños olvidados é uma distopia de animação, onde se examinam os dilemas de uma sociedade de extremos sociais, desastres ecológicos e dependência generalizada em psicotrópicos, a partir das vidas de ratos, pássaros, coelhos e muitos outros animais tão adoráveis como desesperados. 

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Quando se fala em animação para adultos, normalmente vem logo à cabeça uma de duas alternativas. Ou temos filmes que utilizam a animação como ferramenta para conceberem tipos de experiencias visuais intrinsecamente ligadas a este meio, como Anomalisa, Chico & Rita ou todo o anime direcionado a adultos, ou temos obras que capitalizam no contraste entre o seu conteúdo maturo e a infantilidade usualmente associada à animação, como a oeuvre de Ralph Bakshi ou South Park. Psiconautas, los niños olvidados é quase um ponto médio entre estas duas ideias, mostrando uma imagética surreal que necessita de ser animada, ao mesmo tempo que demonstra prazer em chocar as audiências com o conflito entre uma violenta análise de males sociais e sua apresentação feita através de bonecos queridos como coelhos e ratinhos fofos.

Na verdade, esta obra, baseada no romance gráfico com o mesmo título de Alberto Vázquez, é um dos filmes mais ambiciosos a passar pelo MOTELx de 2016, pelo menos em termos temáticos. Não que se deixe ficar pelo caminho no que diz respeito à estética, sendo que, para quem já for familiar com a curta-metragem Birdboy da qual o filme é uma espécie de sequela, esta obra assinada por Vázquez e Pedro Rivero demonstra uma espantosa sofisticação visual. Isto estende-se desde as personagens, todos animais antropomorfizados com designs meio infantis que são subvertidos de modo grotesco, até ao cenário pintado com as suas árvores desnudas que parecem mais ramificações de veias a brotarem diretamente do solo estéril que qualquer tipo de vegetação convencional.

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Por muito estranho e complexo que seja o enredo de Psiconautas, talvez seja melhor tentar explicá-lo de modo sumário antes de prosseguirmos com a análise. Numa ilha isolada do mundo, ocorreu, há alguns anos, um cataclísmico desastre industrial que matou grande parte da população, infetou a terra e empobreceu o que já era uma comunidade cheia de precariedades económicas. Quando nos deparamos com os nosso protagonistas adolescentes, este estilo de vida já deixou de ser novidade e há uma atmosfera de absoluto desespero sobre todos os indivíduos vivos. Neste mundo de pesadelo, seguimos a rapariga rato Dinky que, desde a morte do pai, perdeu o rumo da vida e é constantemente repreendida por uma nova família hostil e cheia de bizarrias como um irmão canino e um despertador inteligente que padece de uma profunda crise existencial.

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No dia em que decorre o filme, Dinky decidiu finalmente fazer a sua fuga desse mundo sem futuro da ilha, na companhia dos seus únicos amigos, uma coelha com tendências esquizofrénicas, cujas vozes mentais são visualizadas como pequenos coelhos demoníacos, e uma medrosa raposa com demasiada inocência para viver naquele lugar. Em paralelo com a sua odisseia, temos várias narrativas de diferente relevância, incluindo a de Birdboy, o amado de Dinky e um pária da sociedade que, desde a morte do pai às mãos da polícia, se tornou um toxicodependente com tendências extremamente violentas, sendo que é literalmente assombrado por demónios interiores capazes de o tornarem numa besta infernal de proporções quase bíblicas.

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Um aspeto que se torna muito claro, mesmo com uma descrição breve do enredo e do mundo de Psiconautas, é que esta é uma crítica social e ecológica onde o que normalmente seria subtilmente metafórico é visualizado do modo mais explícito e alienante possível. Já apontámos os impulsos esquizofrénicos da roedora orelhuda e os demónios interiores do passarinho cadavérico, mas existem muitos outros exemplos no filme. Um dos mais marcantes é, sem dúvida o mini retrato familiar de um rapaz porco que vive sozinho com uma mãe abusiva e dependente das drogas que o filho lealmente lhe traz, por muito que lhe custe e ele sofra com isso. Aqui, o vício da figura maternal é materializado sob a forma de uma aranha que possui o corpo da porca e ganha poder com as substâncias ilícitas. Tudo isto pode parecer extremamente estranho e complicado, mas Psiconautas é um filme de escondida simplicidade.

Onde essa simplicidade, e note-se que esta palavra não está a ser empregue com qualquer negativismo, se manifesta de modo mais aparente é na carga emotiva da experiência. Basicamente, é possível ver o filme, não conseguir decifrar as suas metáforas e simbolismos sobre uma sociedade em crise que radicaliza barreiras sociais e constrói uma distopia apocalíptica cheia de drogas e polícia fascista, e, mesmo assim, apreciá-lo como um fenómeno de irracional e puro impacto emocional.

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O melhor exemplo disto eacontece numa das outras narrativas paralelas e complementares do filme. Nas lixeiras da cidade, uma comunidade de ratazanas (as crianças esquecidas do título) impôs um regime de capitalismo selvático baseado no valor do cobre, levando muitos dos seus indivíduos a sacrificar tudo pela posse dessa moeda de troca. Numa cena inesquecível, um pai e seu filho encontram-se com outro par semelhante e daí desencadeia-se um estúpido conflito territorial. O resultado final é sangrento e completamente insatisfatório para ambos, mas há uma resignação tão horrenda em toda a sucessão de eventos que é impossível não ser tomado por uma tristeza diabólica e fúria contra o mundo que permitiu isto acontecer.

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Como já esclarecemos acima, Psiconautas, los niños olvidados é um filme rico em ideias, sendo que o seu mais fraturante problema é o peso que estas ideias têm numa narrativa de tão curta duração. Muitas vezes, saltamos de cena para cena a um ritmo alucinante que não nos deixa respirar ou refletir, roubando o filme de muito poder intelectual imediato. Nem falámos, por exemplo, do modo como se examina a relação entre gerações de pais e filhos, onde os jovens colhem as sementes de podridão que os seus progenitores plantaram no mundo, ou toda a esotérica visão que o filme tem sobre a vida depois da morte aviária. Aliás, esse último ponto é o que mais se evidencia quando a história termina, injetando uma estranha mistura de misantropia e esperança nos corações do público. Talvez haja salvação e paz no futuro destes miseráveis, nem que seja a sua morte inevitável.

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O MELHOR: Quão hilariante este espetáculo de miserabilismo, niilismo e misantropia consegue ser. O uso de um boneco do menino Jesus que chora sangue como modo de repreensão parental é particularmente admirável.

O PIOR: A montagem abrupta e enferma com graves lapsos de fluidez narrativa e grandes quedas em abjeta arritmia.


 

Título Original: Psiconautas, los niños olvidados
Realizador:  Pedro Rivero, Alberto Vázquez
Elenco: Andrea Alzuri, Eba Ojanguren, Josu Cubero, Jon Goiri
MOTELx | Animação, Drama, Ficção-Científica | 2015 | 76 min

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