Succession © HBO MAX PORTUGAL 2023

Succession, quarta temporada em análise

O grande fenómeno da HBO, Succession, despede-se mais cedo que antevíamos com uma das suas temporadas mais bem-sucedidas.

Vivemos num momento apelidado da “Era de Ouro da TV”, em que somos constantemente presenteados com um grande número de séries dos mais diversos géneros que contam com o envolvimento de profissionais de topo. No meio de tanto conteúdo, torna-se complicado conseguir replicar fenómenos como o ocorrido com “Perdidos” ou “A Guerra dos Tronos” em que o público se juntava para comentar, analisar e partilhar teorias sobre as séries.

Com todo este mar de opções, é mais improvável que a atenção do público esteja concentrada no mesmo lugar, o que também faz com que muitas séries de qualidade nunca encontrem o seu lugar ao sol, acabando por serem esquecidas e relembradas apenas quando se falam de séries que partiram cedo demais.

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Após vários anos a procurar a próxima grande sensação da HBO, a emissora acabaria por encontrá-la num dos lugares mais improváveis com “Succession”, o drama satírico criado por Jesse Armstrong.

Chegada aos ecrãs a 3 de junho de 2018, a saga da família Roy conquistou uma audiência que podia não ser tão abrangente quanto a dos fenómenos anteriormente referidos, mas que se revelou altamente fiel e apaixonada. Nem toda a gente via a série, mas toda a gente que via fazia questão de falar, discutir e partilhar memes e citações dela.

O trabalho de câmara é voyerista, vagueando pelos espaços, como se à procura de algum detalhe que possa ser interessante de realçar. Usa e abusa de zooms, um estilo que associámos muito mais a comédias como “Veep” e “The Office” do que a dramas. Este estilo pode causar alguma estranheza no início e dificultar a imersão.

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Mas também ajuda que o primeiro elemento de apresentação da série é o genérico intrigante marcado pela eletrificante composição de Nicholas Britel. O compositor norte-americano é um dos mais talentosos da atualidade e, ao longo das quatro temporadas, não se limitou a apresentar derivados do tema de abertura, explorando sonoridades e novas ideias que ajudaram a enclausurar os temas desta série. Um artista que nunca deixou de surpreender e que conseguiu entender o espírito desta série.

Esta é também uma série que pode causar confusão porque nos pede para acompanhar um grupo de personagens desprezíveis, mas a sátira funciona porque leva estes personagens altamente ricos a sério, tratando-os como seres humanos e revelando a sua verdadeira natureza. Seria fácil uma abordagem mais caricatural, mas “Succession” é muito mais shakespeariano e trágico na sua abordagem.

Armstrong propõem-se a analisar os mais ricos, mas sem aquele retrato de glamour e grandeza a que estamos habituados, já que opta por demonstrar essa riqueza de uma forma fria e nada apelativa.

O autor está interessado em questionar estes conglomerados de média familiares, composto por uma figura patriarcal forte e que a sua descendência tenta igualar. Todos estes personagens sentem-se no direito a algo, mesmo sem nunca ter trabalho para isso.

Os irmãos Roy assumem o controlo da narrativa|  Succession © 2023 HBO MAX PORTUGAL

Logan Roy (Brian Cox) é o Sol em que todos estes planetas orbitam, um homem detestável, abusador e tóxico que, embora ame os seus filhos, fá-lo de uma forma disfuncional, colocando-os uns contra os outros e infligindo dor, acreditando ser para o seu próprio bem. Cox brinda-nos com uma performance feroz e altamente carismática. Mesmo sendo abominável, Logan Roy tem uma presença que não deixa ninguém indiferente.

Os seus quatro filhos são o reflexo de uma infância abusiva e traumática. Pessoas adultas sem rumo e sem ideia de como se comportarem, marcadas por uma competição acirrada e que não conseguem ser vulneráveis porque foram ensinadas que isso é sinal de fraqueza.  A ideia de sucessão aqui é muito mais do que um cargo, para eles, é a luta pelo respeito, aprovação e legado do seu pai.

Connor (Alan Ruck) é o mais velho, mas acabava por ser ignorado por toda a gente. É visto como o parvo da família e é o único que não tem qualquer ambição referente à empresa, porque o seu interesse tem sido a política, desde muito novo. Interpretado como um alívio mais cómico, o personagem foi ganhando cada vez mais nuances trágicas e esta foi a sua grande temporada. Connor tem uma vantagem que os seus irmãos não têm, ele percebeu muito cedo que não iria encontrar amor naquela família e conformou-se com a ideia. É uma pena que o personagem é menos explorado por não estar tão envolvido no conflito principal, já que Alan Ruck é um performer muito talentoso que excela tanto no lado mais cómico como no dramático.

Vale ressaltar que Connor é filho de outra mãe, enquanto os outros descendem de Lady Caroline (Harriet Walter), uma mãe ausente, negligente e que não tem as ferramentas certas para lidar com a sua função. A veterana Harriet Walter foi uma ótima presença em todas as temporadas como convidada, realçando que a falta de amor não era, exclusivamente, do lado paterno.

Kendall (Jeremy Strong) é aquele a quem o trono foi prometido e negado várias vezes. Ken vive pela aprovação do pai e sempre perto do abismo. A intensidade e o compromisso de Strong fortalecem esta interpretação que torna este privilegiado mimado num dos personagens mais devastadores da televisão.

Roman (Kieran Culkin) começa como um arquétipo de enfant terrible que vai evoluindo em algo muito mais substancial. É o irmão mais marcado fisicamente pelo abuso, o único amor que conhece é aquele transmitido pelo sofrimento. É um personagem que vê o mundo como o seu parque infantil, não tendo noção reais das consequências das suas ações. A evolução de Culkin, assim como a do personagem, foi notável ao longo das temporadas. O ator começou pouco à vontade, engolindo muito as suas deixas e caricato. Não se compara nada com a vulnerabilidade e entrega de pathos com que nos presenciou nesta última temporada, o seu grande momento.

Shiv (Sarah Snook) é uma personagem que já nasce condenada à partida neste mundo tão masculino. Precisa sempre de provar aquilo que vale. É manipuladora, ambiciosa e não tão inteligente quanto acredita ser. Sarah Snook domina o lado mais sedutor da sua personagem, tornando-a a personagem por quem dá mais gosto de torcer, mas é igualmente certeira na forma como retrata a sua falta de escrúpulos e falso moralismo.

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Brian Cox na pele do monstruoso Logan Roy| Succession  © 2023 HBO MAX PORTUGAL

Na sua última temporada, a série toma uma decisão corajosa eliminar Logan Roy, o centro da trama no terceiro episódio, “Connor’s Wedding”. Sem o seu pai, estes personagens são lançados para um circo de feras em que o espetador consegue facilmente perceber aquilo que o pai lhes disse, “you are not serious people”. A série também torna os filhos mais relacionáveis, fazendo-nos esquecer o quão monstros eles são, algo que nos acaba por ser relembrado no brilhante, mas angustiante “America Decides”.

“Succession” não seria nada sem estes personagens centrais complexos envolvidos numa luta pelo poder em que o mundo e as pessoas reais não passam de meros joguetes. E neste episódio, a série escolhe mostrar a forma como estes magnatas influenciam e fortalecem o fascismo se isso lhes for conveniente.

Os diálogos da série são recheados de pérolas, humor involuntário e marcados por interações desconfortáveis e cortantes. Para além das figuras centrais, a série possui um elenco extenso e muito bem utilizado, sendo que os personagens têm todos tanto potencial que fica sempre a ideia de que podiam ir mais longe. Como é o caso de Marcia (Hiam Abbass), a madrasta que sempre que surge em tela comporta-se de forma inesperada e sem filtros; e Gerri (J. Smith Cameron), podia ser uma personagem executiva genérica, mas torna-se em alguém complexa e cativante graças a impactante e magnética presença da sua intérprete.

Com este capítulo final, Armstrong e a sua equipa mostram uma enorme maturidade e controlo em saber quando terminar a história, apresentando uma conclusão épica e pertinente. Alguns dos melhores episódios da história da série estão nesta temporada. Entre tantos diamantes, “Tailgate Party” acaba por se destacar, de forma menos positiva, pelo dramatismo exagerado e telegrafado com que escolheu abordar alguns dos assuntos que já tinham sido explorados anteriormente, nomeadamente a relação entre Shiv e o seu marido Tom (Matthew Macfadyen).

TRAILER | SUCCESSION É UMA DAS GRANDES FAVORITAS AO EMMY 2023

E tu, estás satisfeito com este final?

Succession, quarta temporada em análise
  • André Sousa - 98
98

CONCLUSÃO

“Succession” termina a sua história demonstrando muita coragem nas decisões que toma e maturidade em saber quando é o momento de dizer adeus. A despedida ocorre em grande estilo com uma das suas temporadas mais fortes, que contém alguns dos seus melhores episódios.

Pros

  • Um elenco afinado e muito bem escolhido;
  • Trabalho de composição musical brilhante de Nicholas Britel;
  • Diálogos afiados e memoráveis;
  • Corajosa nas decisões que toma.

Cons

  • A qualidade do elenco e dos seus personagens é tão grande, que fica a sensação que alguns são desperdiçados;
  • O episódio “Tailgate Party” não está ao nível dos outros.
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