Succession © HBO

Succession, segunda temporada em análise

Ao segundo ano, “Succession” tornou-se simultaneamente o drama mais cómico da atualidade e a comédia com maior nuance dramática. Mario Puzo teria gostado desta temporada, um adágio em Dó Menor, poesia contemporânea que rima nas subtilezas.

Diferentes motivos fazem com que assistamos a diferentes séries. A qualidade é a norma soberana, acompanhada pela curiosidade despertada por uma recomendação de um “conselheiro certificado” com gostos parecidos ou pelo momento em que o Reddit é invadido por uma febre incontrolável, uma nova série do momento. Mas são por vezes pormenores muito específicos que nos fazem depois continuar com uma série. Se é verdade que nos próximos anos verei qualquer coisa que Vince Gilligan, Sam Esmail ou David Simon façam, não é menos verdade que assisti a quatro temporadas de “Rectify” preso ao impressionante e singular papel de Aden Young como Daniel Holden, que vi “Love” por ter uma pequena crush por Gillian Jacobs, ou que Tom Hardy me fez ver “Taboo”. Da mesma forma que com Tom Hardy até seria capaz de ver um programa sobre macarons, suculentas ou manicure.

Noutro espectro, há séries que captam ou fotografam com sensibilidade relações humanas e dinâmicas sociais muito próprias – “My Brilliant Friend” fá-lo com a competição entre duas amigas co-dependentes, “Bloodline” conseguiu reacender traumas ao desenhar a personagem de Ben Mendelsohn como ovelha negra da família, e “Better Call Saul” revelou-se um retrato perfeito de dois irmãos, ao emoldurar as diferenças morais e éticas de Jimmy e Chuck. “Succession” surge como outro exemplo do que é trabalhar com inteligência e equilíbrio a noção de família. Uma família disfuncional, com um idioma distinto, pouca verdade e muita manipulação, mas… uma família. Que não se ama, negoceia.

Succession © HBO

A série criada por Jesse Armstrong e produzida por Adam McKay estreou em 2018. No fecho do ano civil, considerei-a somente a 10.ª melhor novidade do ano, e julgo que “Succession” terá passado injustamente ao lado de uma grande fatia do público. Sintoma da evolução nesta segunda temporada o facto de para mim este ano ser Top-5 ou Top-4 no somatório de todas as séries que estiveram/ estão no ar. No entanto, a série não mudou a sua essência – é como uma rapariga que esteve sempre lá e sempre foi gira e interessante, mas de repente passámos a reparar nela de outra forma. Uma consequência do nível dos episódios se recusar a baixar do Excelente, e do maior conhecimento que os autores e atores têm das personagens. “The Leftovers”, “Master of None”, “Atlanta”, “Fleabag” ou “Dark” têm novo colega de quarto no mundo das séries que dispararam de qualidade à segunda temporada.

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Entre os inúmeros méritos de “Succession” há dois que me preenchem especialmente. Em primeiro lugar, a riqueza de não ser fácil identificar ou definir o género da série (algo que “Atlanta” ou “Barry” também têm) e depois a capacidade de construir não apenas personagens mas pessoas. Quando conseguimos imaginar como Logan, Kendall, Shiv ou Roman reagiriam a algo, e quando há coerência, é sinal que a série está a conseguir algo difícil e especial.

Succession © HBO

Para quem nunca viu “Succession” e tem agora duas temporadas para saborear de uma assentada, e um genérico daqueles que nunca se passa à frente e que até dá um bom toque de telemóvel para conhecer, a série acompanha a privilegiada família Roy, encabeçada pelo patriarca Logan (Brian Cox), um Rupert Murdoch ficcional, figura nº 1 de um império de media composto por canais noticiosos, estúdios de cinema e parques de diversões. O frágil estado de saúde do fundador da Waystar Royco coloca os seus filhos, e entretanto outros players externos, como potenciais sucessores, gladiando-se principalmente Kendall (Jeremy Strong), Shiv (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin) pelo trono. A HBO e os seus tronos… Depois da Guerra, esta espécie de “Daddy Issues: A Série”.

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A magnânima banda sonora de Nicholas Britell (se juntarmos “Moonlight” e “Se Esta Rua Falasse” fica claro que estamos perante um dos grandes compositores para o ecrã da atualidade) acompanha uma série invulgar em muitos aspetos, um universo em que o espectador pode demorar a “entrar” dada a linguagem visual e o idioma dos Roy. Não tomem como pouco profissionais ou estranhos o modo propositado como a câmara treme e a brusquidão de cada Zoom; em “Succession” a câmara assume o seu voyeurismo, assume-se paparazzi, com o estilo mockumentary do padrasto “A Queda de Wall Street”. Além da estética, é sui generis o tom global da série e a semântica dos Roy, para quem a verdade raramente existe, imperando o cinismo, a ironia (pessoas irónicas que estão a ler isto, não vos acontece sentirem que há quem não saiba “ironês”?) e o sarcasmo, tendo todas as palavras um objetivo ou propósito e a procura constante de vantagem competitiva ou superioridade/ controlo do momento. A todas estas particularidades acrescenta-se a camada final: “Succession” é também um ensaio sobre empatia (ou falta dela) e por isso torna-se difícil torcer por alguma das personagens principais, algo que é manifestamente intencional por parte de Jesse Armstrong, mas que pode confundir uma percentagem dos espectadores.

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“Succession” é um adágio em Dó Menor, é poesia contemporânea que rima nas subtilezas, é conflito e imprevisibilidade à mesa, é humor negro, é improvisação por parte de um dos elencos do ano, é uma família incapaz de confiar e comunicar (tão bom aquele momento a 3 com vozes agudas e infantis) com honestidade. É um exercício de escrita em que cada palavra é uma arma e cada insulto é operado com bisturi e cautela.

A primeira temporada mostrou-nos Kendall como o filho que parecia destinado a ser CEO mas que, entre vícios e hostis alianças com inimigos, acaba consolado, subjugado e refém do seu pai; a felina Shiv como astuta consultora política, na periferia da sucessão e dominante no seu matrimónio com Tom; Roman como o filho pateta, sexualmente reprimido, que ninguém leva a sério; Connor como o filho mais afastado, delirante nas suas ambições políticas e com namorada arrendada; juntando-se por fim o primo Greg, genial no seu bromance com Tom, e com elevadas e proporcionais doses de inaptidão social e oportunismo profissional.

Succession © HBO

Esta temporada – que tem em “This Is Not For Tears” (não contesto o 9.8 no IMDb), “Tern Haven” e “Hunting” os seus melhores capítulos – insiste em levar as personagens para fora da sua zona de conforto, acumulando situações de teste para o núcleo próximo de Logan, governador do seu próprio reino ao criar um ambiente de constante suspeição, tensão, desconforto e medo. Banquetes ao jeito de Estaline (“Boar on the floor!”), o peso e significado das mãos de um pai sobre os ombros do filho, um beijo, um ataque com garrafas de água, um sacrifício de sangue discutido com o lobo a escutar os cordeiros, um rap improvável, aquisições e traições, ameaças externas, “Succession” tem tudo isto e muito mais.

Com Holly Hunter ou Cherry Jones como novidades, o elenco merece prémios e mais prémios. Como um todo e individualmente. Impressiona a presença e o domínio que Brian Cox consegue ter em qualquer sala, o Roman de Kieran Culkin amadureceu e tornou-se ainda mais fascinante mediante a sua relação com Gerri (J. Smith-Cameron), já se pode dizer sem exageros que Sarah Snook faz de Shiv uma das mulheres mais marcantes do pequeno ecrã. E ver Nicholas Braun e Matthew Macfadyen juntos em cena contagia e cura qualquer um, pertencendo ao último uma das linhas de diálogo mais profundas do ano – “I wonder if the sad i’d be without you would be less than the sad I get from being with you”. Finalmente, Jeremy Strong é Michael e Fredo Corleone ao mesmo tempo. Chega como elogio?

Succession © HBO

“Succession” é um brinde a boa televisão, é a rainha das metáforas, dos insultos e das humilhações. É um “mas” que muda tudo e um sorriso (e plano final) rico nas interpretações que permite. Estes são os Roy, capazes de se defender emocionalmente e atacar racionalmente entre si com a mesma voracidade, e eu garanto que vão adorar vê-los a odiar-se durante os próximos anos.

TRAILER | “SUCCESSION”

Já deste uma oportunidade a “Succession”? Quais são para ti as melhores séries de 2019 até ao momento?

Succession - Temporada 2
Succession

Name: Succession

Description: Quem será o sucessor do enigmático Logan Roy como CEO da Waystar Royco?

  • Miguel Pontares - 89
89

CONCLUSÃO

O MELHOR – “Succession” é um adágio em Dó Menor, é poesia contemporânea de género híbrido que rima nas subtilezas. É conflito e imprevisibilidade à mesa, é humor negro improvisado por um dos elencos do ano, é uma família incapaz de confiar e comunicar com honestidade, que em vez de se amar negoceia. É um exercício de escrita em que cada palavra é uma arma e cada metáfora ou insulto humilhante é operado com bisturi e cautela.

O PIOR – A linguagem da série, visual e textual, não será amor à primeira vista para muitos espectadores. Mas quem viu e gostou da primeira temporada, passando a ser fluente no idioma Roy, irá às nuvens com este segundo capítulo.

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