O Último Azul | Há mais uma mulher-coragem no Berlinale
“O Último Azul”, o novo filme do realizador brasileiro Gabriel Mascaro (“Boi Neon”, “Divino Amor”) é um “boatmovie” distópico, construído através de uma mulher forte e determinada, como personagem principal, cenários naturais deslumbrantes, humor fino e rituais místicos, a roçar o realismo fantástico latino-americano. É já um dos candidatos mais fortes ao Urso de Ouro.
O realizador brasileiro Gabriel Mascaro regressou à Berlinale 2025, mas agora na Competição principal, com “O Último Azul”, depois de ter estado em 2019 na secção Panorama com “Amor Divino”. Um filme que traz uma profunda reflexão sobre o poder e influência das igrejas evangélicas, e na população brasileira de todos os estratos sociais. Desta vez, em “O Último Azul” insistindo no seu estilo visualmente envolvente, apresenta-nos uma distopia social profundamente enraizada em projeções de um Brasil no futuro próximo: mais uma vez o Brasil é visto — deturpando a ideia do escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942) — como “o país do futuro”, mas centrado agora na questão da terceira idade e do envelhecimento.
“O Último Azul”, é na verdade, um “boatmovie” futurista, uma viagem iniciática de uma mulher forte e determinada, pelo rio Amazonas acima e seus afluentes, construído através de cenários naturais deslumbrantes, humor fino e rituais místicos, a roçarem o realismo fantástico latino-americano. É já um dos candidatos mais fortes ao Urso de Ouro.
Brasil um país do futuro
Em “O Último Azul”, Tereza (Denise Weinberg) é uma mulher de setenta e sete anos, que tem o sonho de andar de avião. Tereza está ainda ativa no trabalho, como muitas muitas pessoas idosas, da sua pequena cidade na Amazónia e do Brasil inteiro. Porém, começam a ser obrigadas por decreto do governo a mudarem-se para uma colónia de idosos. A ideia é que abram espaço no mercado de trabalho para as gerações mais jovens, que são mais produtivas.
Implicando com isso, que os idosos já não são necessários e devem passar os seus últimos anos a descansar. Escapar a este destino vai tornar-se extremamente difícil para Tereza, pois todos seguem à risca as regras impostas pelo governo. Mas, quem diria que na realidade brasileira, onde é possível dar sempre um jeitinho, seria exigindo que todas as pessoas com aspeto mais velho, tivessem de apresentar os documentos que comprovem que a sua “cuidadora” — neste caso, a sua filha — lhes conceda permissão para viajar, comprar um bilhete de avião ou de autocarro.
Um “boatmovie” pelo rio Amazonas
Depois de ser informada pelo seu chefe direto no trabalho de que se enquadra no grupo de pessoas que tem de mudar-se para a colónia, Tereza decide que está na altura de concretizar o seu sonho, voar de avião. isto é algo que negou a si própria durante uma vida inteira de trabalho e de responsabilidades, enquanto mãe solteira. Quando a sua filha se recusa a dar-lhe autorização, Teresa embarca clandestinamente, numa viagem a solo, pelo rio acima, para realizar o seu sonho.
Pelo caminho, vai conhecendo várias pessoas, entre as quais Cadu (brilhantemente interpretado por Rodrigo Santoro, quase irreconhecível), um barqueiro apaixonado, que a leva no seu barco. Pelo caminho dá-lhe a conhecer os poderes mágicos de um líquido azul derivado da baba de um estranho caracol, daí o título “O Último Azul”. Pouco tempo depois, Tereza acaba por conhecer Roberta (a atriz cubana Miriam Socarrás), que lhe apresenta uma nova perspetiva de vida e liberdade.
Realismo social e fantástico
“O Último Azul” é um filme maravilhoso que assenta principalmente numa abordagem muito peculiar e envolvente de luta pela liberdade contra uma tirânica imposição sobre os mais velhos. Num registo quase cómico, embarcamos num “boatmovie” com imagens poderosas, realçadas pela beleza das paisagens amazónicas.
O tom social, é por vezes eclipsado pelo humor e pelo realismo fantástico de tradições e rituais místicos, associados ao maior rio do mundo e as suas populações envolventes. Mas ao mesmo tempo, “O Último Azul” é também um filme extremamente convincente, pois apresenta uma perspetiva geracional intrigante sobre um tema da atualidade: os idosos e o que fazer com eles, depois da vida activa. Sendo que o Brasil, apesar de tudo, é um dos países com um elevado índice de população jovem.
Denise Weinberg é uma grande actriz
A atriz Denise Weinberg, que curiosamente teve um pequeno papel em “Linha de Passe” (2008), de Walter Salles — é bastante conhecida pelos seus trabalhos no teatro brasileiro — faz em “O Último Azul” uma interpretação notável, ao dar vida a todas as particularidades da forte personalidade de Tereza, uma figura absolutamente adorável, que na sua incrível viagem de libertação se vê rodeada de papéis secundários muito bem escritos e com histórias próprias.
Cada um desses poderia dar um filme, com por exemplo a sua nova amiga Roberta (Socarrás), vendedora de Bíblias em “tablet”. No geral, “O Último Azul” de Gabriel Mascaro, não é uma obra-prima, está na linha dos filmes anteriores de Mascaro, mas é muito bonito de se ver. E tendo em conta o que temos visto aqui foi o mais aplaudido e é sem dúvida, o melhor filme da Competição da Berlinale 2025. Não vai sair daqui sem prémio!
Acreditas que “O Último Azul” irá ter a mesma sorte que “Ainda Estou Aqui”?