Um Casal (Im)perfeito – Análise
Chega esta quinta-feira 28 de agosto aos cinemas nacionais a nova comédia “Um Casal (Im)perfeito” (2025, Jay Roach). Portugal é um dos primeiros países a receber este filme que apenas estreou primeiro ontem em França e Itália. De qualquer forma, tem uma estreia bastante alargada nesta primeira semana, chegando a 25 países até amanhã (incluindo, claro, Reino Unido e E.U.A., países de produção do filme).
Este novo filme é inspirado no romance “A Guerra das Rosas” de Warren Adler (1981). A obra já tinha sido adaptada para cinema antes com o filme homónimo de 1989 realizado por Danny DeVito e com Michael Douglas e Kathleen Turner nos papéis principais. Contudo, apesar de este novo filme poder ser considerado um “remake”, na verdade não é tão simplesmente um “remake”… Explico tudo nesta minha crítica!
“Um Casal (Im)perfeito” conta a história de Ivy e Theo Rose (interpretados por Olivia Colman e Benedict Cumberbatch) que chegam a um impasse no seu casamento e querem divorciar-se. Mas será que o divórcio vai ser assim tão simples?
Um Casal (Im)perfeito com um início de sonho
Adaptado do romance “A Guerra das Rosas”, “Um Casal (Im)perfeito” toma o livro como inspiração mas traz algumas mudanças importantes. Nesse aspeto, a primeira adaptação para cinema do romance, com o título homónimo, por Danny DeVito é bastante mais fiel ao material de origem. Se isso é um problema? Não. E até abona em favor desta nova adaptação.
“Um Casal (Im)perfeito” tem como protagonistas Olivia Colman e Benedict Cumberbatch. A seu lado, estão nomes como Kate McKinnon (Amy), Andy Samberg (Barry), Ncuti Gatwa (Jeffrey), Sunita Mani (Jane), Zoë Chao (Sally), Jamie Demetriou (Rory), Delaney Quinn e Hala Finley (Hattie Rose), Ollie Robinson e Wells Rappaport (Roy Rose) e Allison Janney (Eleanor).
Enquanto “A Guerra das Rosas” dificilmente pode ser visto como comédia, “Um Casal (Im)perfeito” já pode ser visto como tal, ainda que seja uma comédia bastante agridoce. E, no meio disto, em honra da nacionalidade dos nossos protagonistas, há muito humor inglês à mistura, o que torna as picardias deste casal bastante singulares.
O início do filme começa logo de forma devastadora, já com o casal a iniciar o processo de divórcio, numa consulta matrimonial. No entanto, logo de seguida, em “flashback”, vemos como Ivy e Theo se conheceram. Ela cozinheira, ele arquiteto. Conhecem-se em Londres quando Theo se esconde de uma reunião. Com Ivy de malas aviadas para os E.U.A., Theo comete uma loucura e vai com ela. Assim começa a relação a dois que (aparentemente) tem tudo para correr bem.
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De uma vida a dois para uma vida a quatro
Rapidamente a vida de Ivy e Theo se torna diferente. Casam-se e têm dois filhos. Ivy tem um pequeno restaurante que serve meia dúzia de refeições por semana, enquanto Theo é um arquiteto reconhecido e com bastante trabalho. No entanto, numa noite de tempestade, tudo muda. O Museu Marinho, projeto ambicioso de Theo, é completamente destruído. Ao mesmo tempo, Ivy recebe uma casa cheia de clientes como nunca antes, uma vez que a tempestade desvia o trânsito na direção do seu restaurante.
Tal como no filme original de 1989, há um grande acontecimento que dá o mote derradeiro ao divórcio do casal. Se no filme de Danny DeVito – tal como no livro – é um ataque cardíaco de Oliver que inicia a rotura do casal, agora, a situação é um pouco diferente. Neste caso, é a inversão de papéis e de sortes na vida profissional e pessoal do casal.
O primeiro mote de todos para o clímax do filme (sem contar com a cena de terapia de casal) é na verdade a cena em que nos são apresentados os amigos dos protagonistas. Nesta cena, Ivy e Theo lidam pela primeira vez com armas. E é com uma arma que, mais tarde, Ivy vai ameaçar Theo. Neste sentido, devo dizer que o argumento do filme está muito bem construído no que diz respeito a cada uma das cenas e dos seus significados para o centro da narrativa.
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Depois disso, há vários pequenos indícios pelo meio que vão desgastando a relação cada vez mais problemática do casal. Desde a aproximação de Theo aos seus filhos, as noites de bebedeira de Ivy ou o sucesso e o insucesso de cada um. Tudo contribui aos poucos para o afastamento do casal.
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De A Guerra das Rosas a Um Casal (Im)perfeito
Apesar de ser um “remake”, é possível ver os filmes como duas obras bastante diferentes. Aliás, aconselho a fazerem-no. Ambos têm qualidades e defeitos. Em primeiro lugar, “Um Casal (Im)perfeito” aposta bastante no humor inglês como forma de (des)equilíbrio desta relação; coisa inexistente no filme original. Se é mais irrealista? Sim, mas a suspensão da descrença também deve ser maior numa comédia.
A primeira adaptação é também mais “à letra”. O protagonista passa a chamar-se Oliver (Michael Douglas) em vez de Jonathan, bem como a filha passa a ser Carolyn (Bethany McKinney e Heather Fairfield) e não Eve. De resto, o essencial do livro mantém-se em “A Guerra das Rosas”, incluindo o facto de o casal ter um gato e um cão (algo inexistente no novo filme).
“Um Casal (Im)perfeito” trabalha na adaptação de uma forma mais aberta. Não é tanto baseado, mas inspirado. Isto até abona a seu favor, no sentido em que torna esta história mais contemporânea.
Concretamente, as profissões do casal são diferentes. Ivy (antes Barbara) é uma cozinheira que a pouco e pouco se torna de renome, em vez de (quase só) dona de casa, enquanto Theo (antes Oliver; e Jonathan, no livro) é arquiteto, em vez de advogado. Esta mudança é, para mim, bastante positiva pois o motivo de conflito do casal na obtenção da casa torna-se muito mais fraturante. Theo é o autor da casa mas foi Ivy quem a pagou.
Um filme mais “feliz”
“A Guerra das Rosas” é muito mais sombrio que este novo filme. O divórcio, no filme original, sente-se logo nos primeiros minutos. Se não tivéssemos em “Um Casal (Im)perfeito” a cena inicial com a terapia de casal, o divórcio não seria tão “visível”.
Depois, a figura do narrador que, antes, coube a Danny DeVito – embora em cenas de transição e não enquanto narrador formal – deixou de existir e o filme é-nos contado “de fora”.
O que também funciona muito bem é o facto de o divórcio vir muito mais tarde em “Um Casal (Im)perfeito”. Assim, conseguimos vivenciar as personagens e o seu casamento de outra forma. Até à derradeira cena do jantar e, depois, o ataque violento do casal, ainda sentimos que há hipóteses de reconciliação.
No filme original, tal não é possível bastante cedo. Disse que a tempestade foi o mote do divórcio; e é verdade. No entanto, o verdadeiro momento em que Theo pede o divórcio é depois de salvar uma baleia. É aí que percebe que deixou de gostar de Ivy. Divórcio que, no filme original e no livro, é pedido por Ivy/Barbara. É de referir que há neste novo filme um lado feminista muito mais forte do que no filme original, por exemplo; ainda que o divórcio venha do homem.
Já sobre a derradeira cena de ataque entre o casal – o verdadeiro momento em que a comédia deixa de existir – este é bastante mais simplista. O candelabro que cai é apenas um micro-acontecimento e a morte do casal é apenas iminente. O filme acaba em aberto ao percebermos que há uma fuga de gás. Jay Roach preferiu, então, deixar com o espectador a verdadeira hipótese de reconciliação do casal.
Em conclusão, o melhor e o pior
Em suma, “Um Casal (Im)perfeito” é uma comédia agridoce onde um divórcio se torna um grande pesadelo. Jay Roach – realizador de outras grandes comédias como a trilogia “Austin Powers” (1997-2002) ou “Um Sogro do Pior” (2000) volta a fazer uma comédia muito bem conseguida.
O que não resulta tão bem neste novo filme é o elenco de atores secundários, ou seja, os amigos do casal. A sua presença demasiado alargada no tempo desequilibra por completo o foco da narrativa. Mas também há pontos positivos: a cena entre advogados, então, é divertidíssima. Já os protagonistas Olivia Colman e Benedict Cumberbatch estão exímios. E nem têm assim tantas comédias nos seus currículos…
Sobre a realização de Jay Roach, ela nem sempre é a melhor. Embora, no essencial, seja boa, há uma coisa “simples” da qual se sente falta. Falo, concretamente, de grandes planos. Houve receio em fazê-los? O ponto positivo da obra de Danny DeVito era mesmo os grandes planos, especialmente, nas cenas mais fraturantes e, aqui, são tudo planos muito alargados… Por outro lado, há um plano mais fechado, logo no início do filme, que até dói. Porquê um grande plano do computador de Theo? Só para sabermos que ele é arquiteto?
Por fim, louvo ainda o genérico de abertura do filme, ao som da música “Happy Together” cantada pela esposa do realizador, Susannah Hoffs, e Rufus Wainwright. Toda a animação visual está muito bem conseguida e mostra o conflito crescente das nossas personagens, ao mesmo tempo que mostra o seu romance. A música, curiosamente, apesar de ser muita ao longo do filme, não é distrativa para o decorrer da narrativa e só se torna mais presente na derradeira cena de ataque pessoal entre o casal; algo que aceitamos, dada a tensão presente.
Um Casal (Im)perfeito
Conclusão
- “Um Casal (Im)perfeito” é a nova comédia de Jay Roach com Olivia Colman e Benedict Cumberbatch. Inspirada no romance “A Guerra das Rosas” de Warren Adler, já adaptado para cinema em 1989 por Danny DeVito, este novo filme não é um mero “remake”.
- Estamos perante uma comédia equilibrada e bem conseguida, muito à custa do humor inglês que os protagonistas nos proporcionam.
- O argumento foi bem trabalhado e nota-se a ligação entre cenas com importância no centro da narrativa.
- A realização de Jay Roach, que já nos deu outras grandes comédias, é essencialmente positiva. Contudo, nota-se alguma falta de ambição numa coisa tão simples como a presença de grandes planos.