"Why Don't You Just Die!" | © MOTELX

MOTELx ’19 | Why Don’t You Just Die!, em análise

Why Don’t You Just Die!” traz muito sangue e uma boa dose de humor com sabor a vodka à competição de longas-metragens europeias do MOTELx deste ano.

Ocasionalmente, deparamo-nos com um filme cuja execução técnica e abordagem formal são tão formidáveis que quaisquer considerações narrativas são postas de parte. Noutros casos, por muita que seja a perfeição formalista de um projeto, a premissa de um filme é tão corrosiva que contamina até a apreciação do seu esplendor audiovisual. “Why Don’t You Just Die!”, a primeira longa-metragem do cineasta russo Kirill Sokolov, não se identifica perfeitamente com estes exemplos, mas está bem mais perto do segundo do que do primeiro.

Desde os seus primeiros momentos que esta comédia negra se exibe como um ataque poderoso aos sentidos do espectador. A montagem, a fotografia e, especialmente, o som, conjuram uma tensão palpável. Cada efeito sonoro é levado ao exagero antinaturalista, a música amorfa está no volume máximo e tudo isto serve para construir uma bizarra máquina fílmica de desconforto e ansiedade. Sabemos que vai haver uma explosão de violência, mas não sabemos quando vai acontecer. Pelo menos, a razão da carnificina vindoura parece-nos clara. “Why Don’t You Just Die!” começa com a chegada de um jovem ao apartamento onde vivem os pais da namorada.

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Eles nunca o viram antes e, sem inicialmente saberem, o homem esconde um martelo atrás das costas, pronto para se cravar no crânio do patriarca. É isso mesmo que ele faz depois de uma momentânea pausa à mesa de almoço, despoletando uma orgia de violência que só para mesmo quando os créditos finais se começam a desenrolar. Até lá, o apartamento torna-se num autêntico palco onde o espetáculo é a destruição e abuso sistemáticos do corpo humano. Há pancadaria desajeitada e há arremessos de televisões. Há tortura com instrumentos de carpintaria e há disparos, há asfixias e deslocamentos de ossos mostrados com o pormenor de raios-X animados.

No meio de tudo isto, longe de se apresentar como um psicopata demoníaco, Matvey vê-se a si mesmo como um anjo vingativo, pronto a fazer justiça com o derramamento de sangue. É claro que, ao longo do filme, é mais ele que derrama sangue que a suposta vítima da sua fúria justiceira. Olya, a amada deste aspirante a homicida, é a filha única de Vitaliy, um polícia violento e corrupto. Segundo ela, o pai violou-a na meninice e Matvey é a única esperança de ela encontrar justiça. O filme mostra-nos isto mesmo nos primeiros de muitos flashbacks.

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Tingidos pelo fumo de cigarro e com muita câmara lenta, estas recordações parecem ser outtakes de alguma esquecida aventura russa de Wong Kar-Wai. O cineasta de Hong Kong é só um de muitos outros realizadores cujo trabalho parece ter servido de inspiração a Sokolov, há que se dizer. Como muitos cineastas estreantes antes de si, Kirill Sokolov faz da sua primeira longa-metragem um livro de colagens a honrar as suas influências. Há um pouco de Kar-Wai, mas também há muito de Tarantino e, quiçá, alguma da brutalidade formalista e sanguinária dos vanguardistas coreanos do século XXI.

Excelência alheia ecoa por todas as complicadas cenas de carnificina do filme, fazendo da experiência final algo que sofre devido à comparação que estas citações inevitavelmente suscitam. Há algo de reacionário e de pouco original em todo este engenho. Apesar disso, é impossível negar o rigor formalista de Sokolov. A sua estética pode ser uma manta de retalhos feita da oeuvre de outros cineastas mais famosos, mas há clarividente primor no modo como “Why Don’t You Just Die!” foi executado. Desde a escolha de uma paleta à base de verdes doentios complementados pelo vermelho do sangue, até à montagem em harmonia com elaboradas deixas musicais e gesto coreografado, este banquete de abuso é como uma máquina bem oleada.

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Tirando um ou outro flashback, até a sua estrutura demonstra esta perfeição mecânica, nunca perdendo ritmo e resultando nuns 95 minutos que passam a correr. Tal feito é considerável, visto que a ação praticamente nunca vai além de um quarto, uma sala de estar e uma cozinha. O uso de espaço e sua apresentação são estrondosamente variados e impedem os limites geográficos da narrativa de produzirem uma experiência claustrofóbica. Também há que felicitar os atores, capazes de manejar as exigências tonais de um argumento cheio de reviravoltas absurdas e as demandas técnicas de toda a coreografia e efeitos especiais. Muito há a admirar em “Why Don’t You Just Die!”, mas não nos podemos dizer encantados pela sua totalidade.

Diz-se que não há nada mais subjetivo que a comédia e essa poderá ser a razão que nos leva a desgostar tanto desta máquina bem oleada. A primeira longa-metragem de Kirill Sokolov simplesmente não tem grande piada, mas todo o seu tom e construção sugerem que estamos a ver uma grande mostra de humor. Não há nada mais frustrante que um filme sem piada que se comporta como se nos estivéssemos a rir. Até a violência, que começa por ser visceral e surpreendentemente realista, vai-se tornando mais rebuscada e absurda à medida que a narrativa caminha na direção da paródia sem estribeiras. Infelizmente, isto só contribui para a desconexão entre o primor técnico do projeto e a sua vacuidade dramatúrgica.

Why Don't You Just Die!, em análise
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Movie title: Papa, sdokhni

Date published: 14 de September de 2019

Director(s): Kirill Sokolov

Actor(s): Aleksandr Kuznetsov, Vitaliy Khaev, Evgeniya Kregzhde, Michael Gor, Elena Shevchenko, Igor Grabuzov, Aleksandr Domogarov

Genre: Comédia, Thriller, Terror, 2018, 95 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

Depois de uma morte encarada como uma mera inconveniência, as personagens descobrem uma aparente nota de suicídio junto ao corpo. No entanto, muito alarido foi em vão, pois trata-se de um mero papel em branco. Também “Why Don’t You Just Die!” choca pela sua violência, mas, quando procuramos uma justificação, nem que seja emocional, para o tormento, só encontramos um vazio. O filme é um impressionante feito técnico, com grandes efeitos gore, mas é pouco mais do que isso. Talvez seja preciso ser-se russo para se apreciar este tipo de humor negro embebido em vodka e vísceras.

O MELHOR: O contraste cromático entre papel de parede cor de vómito e as torrentes de sangue que jorram de corpos repetidamente abusados.

O PIOR: A apatia com que todas as mortes são encaradas. Não há peso dramático, não há perda, nem há júbilo. Só se regista indiferença e a sugestão de algum respeito pela criatividade e eficiência técnica dos efeitos especiais.

CA

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  1. Frederico Daniel 29 de Outubro de 2019

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