Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom, em análise
Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 houve o Euromaidan em 2014. De forma a percebermos melhor os acontecimentos atuais, a Netflix disponibilizou gratuitamente o documentário “Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom”.
“War… war never changes”. A frase introdutória da franquia dos jogos “Fallout” é um apelo à irracionalidade, talvez mesmo à loucura de se repetir o mesmo erro, vez após vez na História da humanidade. E chegados ao século XXI é cada vez mais incompreensível sempre que ouvimos notícias de outra guerra que deflagrou algures no mundo… Afeganistão, Burkina Faso, Camarões, Etiópia, Haiti, Israel, Iémen, Iraque, Mali, Mianmar, Nigéria, Palestina, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Síria, Somália, Sudão, Ucrânia…
O medo da Guerra Fria e o pânico de um inverno nuclear eram receios que já não sentíamos há muito tempo, com gerações e gerações a só ter experienciado isso indiretamente, mas nunca a imaginar que poderiam sentir essa preocupação na pele. Não quer dizer que atualmente não estejamos embrenhados noutras importantes lutas, seja contra a pandemia da COVID-19 ou a crise climática. Na verdade, o planeta precisa de paz a vários níveis e este novo conflito na Ucrânia é uma sobrecarga que ninguém precisava, principalmente o povo ucraniano.
24 de Fevereiro de 2022 é uma data que já está marcada nos livros de História, pois nesse dia a Rússia de Putin lançou uma invasão militar em larga escala contra a Ucrânia. Esta é já considerada a maior invasão militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. E numa altura em que os canais de notícias e os jornais tentam manter as pessoas atualizadas 24h por dia, com analistas a explicar, projetar e a explorar cada ângulo, é importante irmos conhecer o passado, para perceber o presente e conhecer o futuro.
A invasão da Rússia a um dos seus países vizinhos a sudoeste é uma escalada acentuada de um conflito, que começou em 2013, na que ficou conhecida como a Revolução da Dignidade. Manifestações populares de protesto contra o governo do presidente eleito, Viktor Yanukovych, escalaram para violentos confrontos conhecidos como Euromaidan.
Contra a atitude pró-russa de Yanukovych, a favor da aproximação e integração na União Europeia e fartos da corrupção e tentativas de mudanças na Constituição pelo governo, o povo fartou-se e exigiu que o seu presidente fosse deposto. A Revolução Ucraniana de 2014 teve início em Kiev, capital da Ucrânia, e, durante 93 dias de intensos protestos populares, viu os manifestantes da Euromaidan contra a Berkut (polícia anti-protestos).
E é exatamente sobre esta onda de manifestações populares na Ucrânia, entre 21 de Novembro de 2013 e 23 de Fevereiro de 2014, que se foca o documentário “Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom”. Produzido pela Netflix, numa coprodução entre a Ucrânia, o Reino Unido e os EUA, o filme teve a sua estreia na plataforma de streaming a 9 de Outubro de 2015. No entanto, antes do seu lançamento online, “Winter on Fire” foi exibido em vários festivais de cinema, tendo a sua estreia mundial no 72º Festival Internacional de Cinema de Veneza. No Festival Internacional de Cinema de Toronto de 2015, ganhou o People’s Choice Award de Melhor Documentário e foi também um dos vencedores do Television Academy Honors de 2016. Entre os seus destaques contam-se ainda as nomeações a um Primetime Emmy e ao Óscar de Melhor Documentário em 2016.
Realizado por Evgeny Afineevsky, este foi o documentário que deu mais notoriedade ao cineasta, assim como ao argumentista Den Tolmor. Depois de “Winter on Fire”, Afineevsky e Tolmor voltaram a colaborar no também aclamado “Cries from Syria” de 2017 e em “Francesco” de 2020. O filme sobre os protestos do Euromaidan conta ainda com a voz de Cissy Jones na narração. Jones é mais conhecida pelos seus trabalhos em videojogos, nomeadamente pelas participações em “Firewatch”, “The Walking Dead”, “Life Is Strange”, “Grand Theft Auto V” e “Darksiders III”.
O impacto de “Winter on Fire” estende-se bem para além do seu tempo e é usado como um marco revolucionário. Foi, por exemplo, amplamente exibido em Caracas, em 2017, durante os protestos antigovernamentais venezuelanos, contra o presidente Nicolás Maduro, e em 2019-20 nos protestos em Hong Kong. Em resposta à invasão russa da Ucrânia, a Netflix disponibilizou oficialmente, a 5 de Março de 2022 o documentário gratuitamente no seu canal do YouTube.
“Winter on Fire” teve uma receção crítica favorável, com uma avaliação de 88% no Rotten Tomatoes e 79/100 no Metacritic. Para além, da diversidade de protestantes apresentados, o documentário também foi elogiado pelo realismo projetado e a exposição em modo de jornalismo de guerra, assim como pela edição de som e imagem.
O documentário tenta deixar de fora uma análise política, focando-se no povo ucraniano e apresentando uma variedade de testemunhas. Estas incluem ativistas estudantis, jornalistas, médicos, artistas, clérigos, entre outros, tudo isto acrescentando uma pluralidade e uma riqueza à multidão de vozes descontentes que, apesar das diferenças entre si, se juntaram por uma causa comum, para derrubar um presidente que, aos seus olhos, não passava de um fantoche e de um corrupto.
Afineevsky e a sua equipa transformam-se em verdadeiros jornalistas de guerra neste documentário. Nós como audiência somos levados tão perto dos conflitos, que quase se sente o cheiro a pólvora e, não sabemos se os olhos lacrimejam pela emoção, ou por estarmos a sentir o gás lacrimogéneo. O ritmo ao género de filme de ação cativa o público, ao mesmo tempo que somos envolvidos emotivamente, com todas as entrevistas a quem esteve ativamente a lutar pelos seus direitos. Uma das personagens que mais se destaca é, sem dúvida, a da criança de 12 anos, que combate também pelo seu lar, ajudando em tudo o que pode, defendendo-se com uma simples fisga contra os assaltos da Berkut, que por sua vez usam armas de munições reais.
Era impossível este documentário não ser polémico, assim como não era possível resumir toda a extensão do conflito e as raízes que se estendem à União Soviética. Poderia ter havido um contexto histórico mais extenso da Ucrânia e um aprofundar maior das maquinações e ambições da Rússia. Pode-se afirmar que o ponto de vista do documentário é limitado e redutivo, mostrando apenas um dos lados – se bem que o outro lado alvejava médicos e jornalistas. Apesar de algumas limitações, “Winter on Fire” é uma ótima visão e um testemunho incalculável do Euromaidan. A união do povo ucraniano para lutar contra a opressão e pela liberdade é um registo valioso, que se em 2014 foi praticamente ignorado, esperemos que em 2022 não seja assim.
Como o documentário também refere, após os eventos da Revolução da Dignidade, a Rússia anexou a Crimeia e forças separatistas apoiadas pelo governo russo tomaram parte da região do Donbas. Em 2021 assistimos a um aumento crescente da presença militar russa ao longo da fronteira Rússia-Ucrânia. Chegados a 21 de Fevereiro de 2022, Putin reconhece as regiões controladas por separatistas pró-Rússia em Donbas, a República Popular de Donetsk e a República Popular de Lugansk, como Estados. E três dias depois, no que Putin designou como uma “operação militar especial” para “desmilitarizar” e “desnazificar”, a Rússia invade a Ucrânia a 24 de Fevereiro de 2022.
Infelizmente, o conflito retratado em “Winter on Fire” continua ainda nos dias de hoje e ninguém sabe como terminará. Podemos olhar para trás e ver de forma mais objetiva os acontecimentos que ocorreram, ao mesmo tempo que no presente a História se repete, a violência escala e a natureza humana regride para o seu lado mais obscuro. O mais triste é assistirmos a “Winter on Fire” sabendo que num futuro próximo estaremos a ver um novo documentário sobre a continuação da opressão de um povo sobre outro. Uma destas novas produções poderá ser a de Sean Penn que já esteve em solo ucraniano a gravar e a documentar estes acontecimentos mais atuais.
TRAILER | A VONTADE DE UM POVO CONTRA A VONTADE DE PODER!
“Glory to Ukraine! Glory to the heroes!”
Winter on Fire: Ukraine's Fight for Freedom, em análise
Movie title: Winter on Fire: Ukraine's Fight for Freedom
Movie description: Ao longo de 93 dias na Ucrânia, o que começou como manifestações estudantis pacíficas transformou-se num autêntico movimento pelos direitos civis.
Date published: 9 de October de 2015
Country: Ucrânia, Reino Unido, EUA
Duration: 102 minutos
Director(s): Evgeny Afineevsky
Genre: Documentário
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Emanuel Candeias - 86
CONCLUSÃO
A cada ano que passa a verdadeira independência da Ucrânia parece fugir das mãos do seu povo, em esquemas de tirania e de desrespeito pela soberania do país. Evgeny Afineevsky traz-nos em “Winter on Fire” uma parte desta luta, num verdadeiro exemplo de manifestação por direitos civis. Obrigado Netflix, pela produção inicial e por dar a oportunidade deste documentário chegar a uma audiência ainda maior!
Pros
- Exposição do conflito nas linhas da frente em formato de jornalismo de guerra.
- Diversidade de testemunhas entrevistadas.
- Ritmo narrativo cativante.
- Testemunho autêntico do Euromaidan.
- Disponibilidade gratuita da Netflix.
Cons
- Contexto histórico poderia ter sido aprofundado, assim como as questões geopolíticas que envolvem a Rússia.
