Classic Fever | Dr. Strangelove (1964)

 

Dr. Strangelove já corre com mais de meio século de vida, mas continua tão acídico e preponderante como no dia em que veio ao mundo.

 

O QUE É QUE VOU RELEMBRAR HOJE?

Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb” (1964), de Stanley Kubrick e protagonizado por Peter Sellers, George C. Scott, Sterling Hayden e Keenan Wynn.

strangelove

 

MAS AFINAL DO QUE É QUE TRATA?

Um general americano acredita que os soviéticos estão a sabotar os reservatórios de água dos Estados Unidos e resolve fazer um ataque anticomunista, bombardeando a União Soviética para se livrar dos “vermelhos”. Com as comunicações interrompidas, ele é o único que possui os códigos para parar as bombas e evitar o que provavelmente seria o início da Terceira Guerra Mundial.

strangelove4

 

 

PORQUE É QUE NÃO POSSO PERDER?

Vagamente baseado na obra de Peter George, “Red Alert”, Dr. Strangelove (título pálido quando comparado ao colorido original: “Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Loved the Bomb”) foi filmado em plena Guerra Fria, constituindo-se como uma das mais brilhantes sátiras à referida contenda em particular, e aos conflitos bélicos modernos em geral.

Stanley Kubrick começou por imaginar Dr. Strangelove como um filme sério sobre o fim de todas as coisas, à imagem da obra literária em que se baseia. Esta intenção foi, contudo, defraudada pela realização do absurdo por detrás das futilidades da Guerra Fria e do cenário DMA (Destruição Mútua Assegurada), tendo decidido, em vez disso, fazer uma aguçada comédia negra que, mais letal que um despejamento nuclear, se transformou num cartaz anti-guerra hilariante.

A ideia básica por detrás da doutrina cujo acrónimo americano toma a leitura curiosa de MAD (louco), vê dois lados poderosos de uma guerra – neste caso, EUA e URSS – capazes de se destruírem a si mesmos e ao outro com armamento de guerra, se atacado por qualquer razão. Assume-se então que nenhum dos lados atacará primeiro por medo da retaliação, que poderia surgir em igual ou maior força, resultando na destruição total de ambas as partes.

Lê Também:   "Das melhores que já vi" Stephen King sobre a nova minissérie acabada de chegar à Netflix

Dr. Strangelove expõe os aspetos mais absurdos da guerra nuclear e liga os dois instintos mais básicos do Homem (o apetite sexual e o desejo de matar) como ponto de partida. Além dos referidos pilares, a miríade de temas retratados (ou será mais espicaçados?) é imensa: políticas de nacionalismo e preconceito direcionado ao estrangeiro; a metáfora sexo/guerra (o acto sexual, desde a penetração até à formação do ovo, é comparável à natureza da guerra); sexismo (mulheres são tratadas como meros objetos de prazer); dificuldades de comunicação, que são a causa de grande parte das peripécias que sucedem ao longo do enredo.

Muito à frente do seu tempo no que respeita a estilo, sensibilidade e conteúdo temático, o (agora) clássico de Kubrick começou por ser recebido de uma forma que tinha tanto de cautelosa como de desorientada: foram poucos os que, no seu tempo, foram capazes de saber como deslindar o filme e avaliá-lo. Curiosa e surpreendentemente, a audiência teve uma mente mais aberta, e Dr. Strangelove foi um êxito nas bilheteiras.

As mudanças na cena cultural americana e no cinema de Hollywood permitiram que um título de baixo orçamento se tornasse um sucesso comercial, provando que qualidades um dia associadas a movimentos cinematográficos visionários e à contracultura podiam ser consumidas e apreendidas pelas massas. Desafiando o senso comum de Hollywood, Dr. Strangelove foi uma sátira corrosiva ao governo e às forças militares que mostrou que a linha antiquada entre Cinema underground e mainstream estava a ficar turva, e que o público estava pronto a aceitar ideias que se pensavam exclusivas ao domínio avant-garde do Cinema Europeu.

Existe a tendência de colocar Strangelove fora do corpo principal de trabalho de Kubrick, apresentando-se este como uma comédia (o realizador nunca foi conhecido como sendo uma personalidade associada a gargalhadas) e alargando-se numa duração muito mais curta do que os seus outros filmes desta época, sendo sempre o tal “filme de Kubrick recomendável para quem não gosta de Kubrick”. Todavia, e observando a base temática da obra do realizador, não é assim tão diferente dos demais: o estilo continua a ser formal e baseado em maneirismos, o ritmo é compassado, e o sentido de humor, apesar de relativamente amplo, continua a ser baseado num sarcasmo azedo e misturado com um estilo surrealista, técnicas avant-garde e caracterizações dignas de uma banda desenhada.

Lê Também:   Stanley Kubrick adoraria ter feito este filme antes de morrer

Tão aterradora, divertida e perspicaz como em 1964 e mais letal que um despejamento nuclear, a única comédia (oficial) do currículo de Kubrick é, simultaneamente, uma cápsula do tempo que nos transporta para os medos mais palpáveis da Guerra Fria, e um exercício mordaz extremamente atual, que encontra o conflito nuclear como uma realidade perturbadoramente presente.

Gentlemen, you can’t fight in here. This is the War Room!” exclama o Presidente Muffley quando uma discussão acesa quase resulta em escoriações e olhos negros, epitomizando na perfeição a sátira patente em todo o imbróglio nuclear.

Um feito cinematográfico sem paralelo para ver (e rever) antes do fim do mundo.

strangelove3

 

 

UMA FRASE PARA A POSTERIDADE

Gentlemen, you can’t fight in here! This is the War Room.

strangelove2

 

 

PARA FICAR NO OLHO E NO OUVIDO (DA MENTE)

 


Também do teu Interesse:


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *