via José Vieira Mendes

34º European Film Awards: Os Vencedores e a Cerimónia

O filme bósnio ‘Quo Vadis, Aida?’, da realizadora Jasmila Zban e a animação documental dinamarquesa ‘Flee’, de Jonas Poher Rasmussen, foram os grandes vencedores da noite dos European Film Award ou Prémios do Cinema Europeu 2021.

Apresentados pela bela atriz, apresentadora e escritora alemã Annabelle Mandeng e transmitido ao vivo da Arena Berlin, (mas com limitações de convidados, por causa dos números da quarta vaga da pandemia na Alemanha) os 34º EFA (Prémios do Cinema Europeu, muitas vezes comparados aos Óscares) de hoje à noite — parte em estúdio, parte através de zoom, — para nós foi através do streaming — tiveram algumas surpresas. E sobretudo, dois legítimos vencedores, com 3 prémios para cada um: Quo Vadis, Aida?, o tremendo e duro filme da realizadora da Bósnia Jasmila Zban (Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Actriz para Jasna Djuricic); e a animação documental dinamarquesa Flee’, de Jonas Poher Rasmussen, (Melhor Animação, Melhor Documentário e Prémio Universidades), numa lista de nomeados onde constavam alguns dos ‘pesos pesados’ do cinema europeu do limitado ano de estreias de 2021, como O Pai de Florian Zeller e, o favorito, Titane de Julia Ducournau, vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2021.

Quo Vadis Aida
A Melhor Actriz Europeia 2021: Jasna Djuricic | ©PRIS Audiovisuais
Lê Também:   The King's Man: O Início leva antestreia mundial até Londres

‘Quo Vadis, Aida?’, da realizadora Jasmila Zbanic é uma poderosa crónica cinematográfica sobre os horrores do genocídio e a inação quase criminosa das forças de segurança da ONU, durante a Guerra da Bósnia nos anos 90. Este filme esteve nomeado aos Óscares de Melhor Filme Internacional 2021. Trata-se de um conto cinematográfico inquietante, de quase terror visto através dos olhos da protagonista, uma professora residente em Srebrenica formalmente investida de intérprete das forças de segurança das Nações Unidas, que tenta a todo o custo salvar os filhos e o marido. A tragédia desenvolve-se de tal maneira perante os nossos olhos, ao ponto de ficarmos com uma sensação de revolta, impotência e sentirmos vontade de saltar para dentro do ecrã, para ajudar a mulher. A interpretação da actriz Jasna Djuricic é magnífica e convincente, porque transmite-nos os seus enormes sentimentos de desespero, perda e dor. Portanto este prémio de Melhor Actriz Europeia 2021 é absolutamente merecido, perante as concorrentes onde estava por exemplo Cary Mulligan, em Uma Miúda Com Potencial’. A realização de Jasmila Zbanic é notável pois o filme mais parece uma reportagem, feita ao ritmo de thriller, das últimas horas antes do massacre de Srebrenica, em julho de 1995, quando mais de 8.000 homens bósnios, muçulmanos, foram exterminados pelas milícias sérvias. O Mundo inteiro acabou por ser de alguma forma cúmplice desta situação e deste trágico genocídio, em finais do século XX. A maioria dos criminosos passou incólume à justiça e a incapacidade das forças de segurança da ONU foi escandalosa. ‘Quo Vadis, Aida?’ é sem dúvida um dos melhores europeus filmes do ano, a estreado em Portugal, por poucos dias e nas poucas salas abertas por essa Europa fora, em tempos de entramos numa segunda quarentena.

Jonas Poher Rasmussen
O realizador de ‘Flee’, o dinamarquês Jonas Poher Rasmussen. | via José Vieira Mendes

Quanto a ‘Flee’ de Jonas Poher Rasmussen, ainda inédito em Portugal, conta a história de Amin Nawabi (um pseudónimo), um professor universitário de 36 anos, que luta com um segredo doloroso que manteve escondido por 20 anos, que ameaça destruir a vida que construiu para si mesmo e para seu futuro marido. Contado principalmente através de animação, o realizador dinamarquês Jonas Poher Rasmussen — seu amigo íntimo e colega de escola — conta pela primeira vez a história da extraordinária jornada de Amin, como uma criança refugiada do Afeganistão, que se adaptou à vida na Dinamarca. Por meio de entrevistas sinceras entre Jonas e Amin, ‘Flee’, conta uma história inesquecível de auto-descoberta, aculturação e fuga a um trágico destino, que parecia inevitável.

EFA
A estatueta dos EFA é uma mulher. | via José Vieira Mendes

No anúncio, ou melhor na votação dos vencedores em todas as categorias restantes, os mais de 4.200 membros da European Film Academy —cineastas de toda a Europa — parecem não ter ficado tão impressionados pelos favoritismo antecipados ou sucesso de filmes como ‘O Pai’ de Florian Zeller ou do polémico ‘Titane’, a Palma de Ouro de Cannes 2021, atribuído a uma cineasta depois de muitos anos. Porém, ‘O Pai’ acabou por ganhar os prémios de Melhor Argumento e Melhor Actor para Anthony Hopkins, que bem lhe chegava já o Óscar. Mas pronto, também chegou a sua vez nos EFA e na verdade, nem apareceu para dizer obrigado, ficando essa tarefa para o realizador Florian Zeller.

Lê Também:   O Fim do Mundo | 30 filmes sobre a temática
Anthony Hopkins
Anthony Hopkins, “O Pai” | © NOS Audiovisuais

O prémio de Melhor Comédia Europeia foi para Ninjababy, da norueguesa Yngvild Sve Flikke, (inédito em Portugal) que é sem dúvida também um filme excepcional dentro do género e uma das produções do ano, porque combina com extrema facilidade e perfeição, animação, humor, ironia e catástrofe. Mais uma vez Portugal não teve uma representação directa nas nomeações aos EFA 2021, mas esteve bem e duplamente representado: no prémio de Melhor Curta Metragem Europeia para My Uncle Tudor, de Olga Lucovnicova, realizadora de origem moldava, um filme que é uma co-produção portuguesa, belga e húngara, com um forte elemento autobiográfico. Nesta curta, Olga volta a casa dos bisavós, onde passou a infância. A tão esperada reunião de família vai ter um elemento de tensão: ela vai ter de rever o tio, Tudor, que escondeu a sua dupla personalidade durante décadas, ou melhor, foi responsável por uma situação de abuso sexual. Olga Lucovnicova viveu em Portugal no âmbito do projeto DocNomads, representado em Portugal pela Universidade Lusófona, orientado pelos realizadores Margarida Cardoso e Victor Candeias; foi também directamente de Lisboa que a Companhia de Teatro Griot e os actores luso-africanos Matamba Joaquim, Gio Lourenço, Daniel Martinho e Miguel Sermão, apresentaram o Prémio Revelação Europeia/Prémio Fipresci (da Crítica Internacional), que foi, mesmo com opções melhores e mais arriscadas, para ‘Uma Miúda Com Potencial’, de Emerald Fennell.

via José Vieira Mendes

Os Prémios Honorários, foram entregues à realizadora dinamarquesa Susanne Bier, por toda a sua carreira em prol do cinema europeu no mundo, à veterana cineasta húngara Márta Mészáros (90 anos), pelo seu duradouro legado e ao cineasta britânico Steve McQueen pela inovação que representa ‘Small Axe’, a fabulosa série de televisão que mais parece um filme. Embora mais uma vez à distância e recordando a cerimónia do ano passado que foi mais carregada de melancolia e com más condições técnicas, devido aos infortúnios da pandemia, desta vez a ideia foi realiza-la numa espécie de directo num grande set de televisão. Assim a Academia evitou algumas falhas técnicas e percalços naturais dos conectados à distância. Felizmente, os prémios foram entregues tão rapidamente quanto possível e foram apropriadamente emocionais e não exageradamente discursivos — excepto logo o primeiro a Susanne Bier — sem se tornarem maçadores.  

JVM

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *