© 2024 Ma.ja.de. Filmproduktions GmbH, Point du Jour, Les Films du Balibari.

74ª Berlinale | Architecton: Um Mundo Escravo do Betão

O realizador russo Victor Kossakovsky com o documentário “Architecton”,  faz um reflexão ambiental, em relação ao excesso de betão (do concreto), construções na nossa paisagem, ao mesmo tempo que passa pela destruição provocada pela guerra na Ucrânia. 

Depois de ter defendido a causa animal através do documentário “Gunda” (2020) o realizador russo Victor Kossakovsky, residente em Berlim, através do seu novo filme “Architecton”, faz um novo apelo ao mundo para excessivo uso do betão: “É uma catastrofe”. “Architecton” corresponde à terceira parte da trilogia Empatia do realizador sobre a necessidade de respeitar a natureza, depois de “Vivam as Antipodas!” (2011) e “Aquarela” (2018). “Gunda” (2020) fazia parte de outra trilogia intitulada Apology, cujo segundo filme será lançado ainda este ano.

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O documentário visualmente impressionante estreou nesta competição da Berlinale 74, procurando explorar a ideia de como as práticas insustentáveis da construção civil moderna, dependentes do betão, estão a destruir o planeta e sugerindo ao mesmo tempo que há lições a aprender com as construções antigas.

Architecton
Há lições a aprender com as construções antigas. © 2024 Ma.ja.de. Filmproduktions GmbH, Point du Jour, Les Films du Balibari

Como sempre e sem grandes explicações ou comentários em voz off e centrando-se num projeto paisagístico do arquiteto italiano Michele De Lucchi, Kossakovsky, que usa um círculo para refletir sobre a ascensão e queda das civilizações, “Architecton” vive sobretudo da força e do poder das suas imagens quase hipnotizantes de montanhas sendo escavadas em busca de matéria-prima; vastos aterros sanitários, blocos de apartamentos bombardeados e desabados na Ucrânia e nas cidades atingidas pelo terremoto na Turquia; comparando-os com as majestosas “ruínas” dos templos romanos construídos há 2.000 anos em Baalbeck, no Líbano, que ainda hoje confunde os arqueólogos sobre como foram construídos.




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“Os edifícios em betão duram 40 a 50 anos. No Reino Unido, por exemplo demoliram-se cerca de 50.000 edifícios no ano passado, portanto imaginem o que está a acontecer no resto da Europa”, disse o documentarista russo Victor Kossakovsky, num oportuno comentário, enquanto o Reino Unido debate-se como lidar com o betão em ruínas, em centenas de edifícios públicos, incluindo escolas e hospitais.

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“Para produzir cimento, destruímos montanhas. Mesmo uma pequena fábrica de cimento precisa de cerca de 26 toneladas de carvão por hora e funciona ininterruptamente, 24 horas por dia, 7 dias por semana”, continua. “No ano passado, produzimos cimento suficiente para construir um muro de um metro de espessura e 1.000 metros de altura em torno do Equador. A quantidade de cimento que produzimos é uma catástrofe. As pessoas falam sobre arquitetura sustentável, mas isso não é verdade, pois a verdadeira arquitetura sustentável era a que se fazia na Antiguidade”.




Dahomey
Rei Gezo faz a saudação do Black Power. © Les Films du Bal – Fanta Sy

A cineasta e actriz franco-senegalesa Mati Diop (“Atlantique”) regressou pela primeira vez a uma competição da Berlinale com o filme “Dahomey”, uma meditação documental requintadamente estranha e híbrida, sobre o retorno dos artefactos saqueados ao Benin, uma das antigas colónias francesas, em África, cujas lendárias guerreiras foram recentemente tema de “A Mulher Rei”, de Gina Prince-Bythewood. “Dahomey” é uma incursão onírica, discursiva e fantasiosa — marcada pela contaminação do real com a ficção — sobre questões que estão na ordem do dia, altamente contestadas e discutidas, no que diz respeito à restituição desses tesouros roubados pelas potências coloniais.

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Aliás, uma questão que também tem sido colocada em Portugal. “Dahomey”, segue em primeiro lugar a operação de devolução, realizada em Novembro de 2021, dos 26 tesouros reais do Reino do Daomé, que estavam depositados no Museu do Quai Branly (ou Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas), em Paris, para regressarem ao seu país de origem, a actual República do Benin. Estes e outros artefactos foram saqueados pelas tropas coloniais francesas em 1892, a um dos países mais ricos de África. “Dahomey” começa longe da pompa e grandeza daquele reino rico e guerreiro, nas caves do Museu parisiense onde câmaras CCTV olham para corredores vazios, com paredes nuas e sem janelas. 

Dahomey
Os tesouros reais do Reino do Daomé, que estavam no Museu do Quai Branly. © Les Films du Bal – Fanta Sy

É aqui que vários desses artefactos, começam a ser embalados e prontos para transporte, incluindo uma estátua de madeira do Rei Gezo, que governou o Daomé em meados de 1800 e cuja pose parece a saudação do movimento Black Power. Todo o cuidado é pouco para não danificar o seu traseiro. Depois vêm momentos mais observacionais, como o desfile que saúda os artefactos que retornam ao país ou os comentários de curador beninense que cataloga a carga. Porém o mais interessante é quando o filme questiona até que ponto faz sentido, devolver esse património do passado, a um país que de qualquer maneira, teve de avançar e desenvolver-se na sua ausência? Através de um acirrado debate entre os estudantes africanos da Universidade de Abomey-Calavi, uma das principais e maiores universidades públicas do Sul do país.

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É esta secção final do filme, essa discussão em estilo de debate universitário realizada num grande salão que foi encenada por Diop, mas que se desenrola com uma impressionante autenticidade, dando-nos a conhecer muitas das visões contrastantes sobre as questões que esse acto insignificante, mas crucial, de restituição traz à tona, para as teorias neo-colonialistas e como soam como ecos modernos do politicamente correcto. Há uma possibilidade deste filme utilizar esta ocasião como uma simples ferramenta promocional, para encorajar as potências pós-coloniais a embarcarem em programas de reparação maiores e mais completos em relação aos novos países. Porém “Dahomey” é muito mais do que esse filme, proporcionando antes uma maior ambivalência sobre se será possível, uma reparação real e justa e uma espécie de ideia ou admiração lírica, sobre como seria se assim fosse.

JVM

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