©Hamid Janipour

74ª Berlinale | My Favorite Cake, um filme amargo doce

A dupla de realizadores Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha foram proibidos de viajar pelas autoridades iranianas, mas o seu “My Favorite Cake”, foi um dos mais apreciados nesta competição da Berlinale 74.

“My Favorite Cake”, do casal iraniano Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, chega a esta Berlinale 74, não sem o efeito da censura e das questões de liberdade de expressão no Irão. A dupla de realizadores já esteve na Competição em 2021 com “O Perdão” (“Ballad of a White Cow”), uma filme arriscado sobre uma mulher cuja realidade é abalada, quando descobre que o seu marido estava inocente do crime, pelo qual foi  condenado e executado. O filme estreou em Portugal, mas curiosamente, nunca foi exibido no Irão.

Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha
Na conferência de imprensa estava um retrato dos realizadores, nas cadeiras do meio vazias, ©José Vieira Mendes

Desta vez e desde setembro passado que Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha foram proibidos de viajar pelas autoridades iranianas e tiveram os seus passaportes confiscados, ao mesmo tempo que enfrentam para breve um julgamento judicial “em relação ao seu trabalho como artistas e cineastas”, anunciou a organização da Berlinale que fez tudo para ter os realizadores presentes.

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Havia esperanças de que a proibição fosse suspensa a tempo da dupla comparecer à estreia mundial de “My Favorite Cake” mas foram representados pelos dois actores principais: a actriz estreante Lily Farhadpour como Mahin e pelo renomado e veterano ator iraniano Esmail Mehrabi (“Os Irmãos de Leila”) como Faramarz. A sua ausência foi claramente marcada na conferência de imprensa por dois lugares vazios e um retrato conjunto na cadeira do meio, enquanto Lily Farhadpour, leu uma declaração em nome dos dois cineastas:




VÊ TRAILER DE “MY FAVOURITE CAKE”

“Sentimo-nos como uns pais proibidos de ver o filho recém-nascido”, dizia a declaração. “Estamos tristes e cansados, mas não estamos sozinhos. Esta é a magia do cinema. O cinema une-nos. É uma janela que abre um tempo e um lugar onde nos podemos encontrar”. “My Favorite Cake” é uma história aparentemente inofensiva para o regime iraniano, pois conta a história de Mahin, uma mulher de 70 anos, que vive sozinha em Teerão desde que o seu marido morreu e a sua filha partiu para a Europa. Numa tarde, uma conversa de chá com amigas, leva-a a quebrar a sua rotina solitária e a revitalizar a sua vida amorosa e conhece Faramarz, um motorista de táxi simpático e charmoso.

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Todavia, à medida que Mahin se abre para um romance, que começa como um encontro inesperado e feliz, rapidamente a situação evolui para uma noite imprevisível, inesquecível e com consequências. Porém, “My Favorite Cake” é um filme feito em louvor à vida e à liberdade das mulheres iranianas. A dupla de realizadores dedicou aliás esta estreia mundial do filme da Berlinale 74, às mulheres iranianas que estão na vanguarda dos protestos pela liberdade da vida da mulher, “tentando derrubar os muros de crenças ultrapassadas e fossilizadas, que sacrificam as suas vidas para alcançar a liberdade”.

My Favorite Cake
A actriz estreante Lily Farhadpour interpreta Mahin, que ainda procura o amor. ©Hamid Janipour

“My Favorite Cake” é uma história simples, uma tragicomédia baseada na triste e repressiva realidade da vida quotidiana de muitas mulheres da classe média no Irão, que em qualquer circunstância (inclusive em casa) são obrigadas a usar hijab, a cobrir-lhes a cabeça. Mais de perto, o filme analisa também a solidão e a depressão que as mulheres vão sentindo à medida que envelhecem, um tema geralmente pouco abordado, mesmo no Ocidente. Por outro lado, o filme contradiz ainda a imagem comum das mulheres iranianas de famílias extensas, num país com muita população. Porém mesmo passado na sociedade iraniana “My Favorite Cake” tem um tema universal e muito semelhante a muitas histórias de vida de tantas pessoas solitárias (homens e mulheres) deste mundo e ensina-nos a aproveitar ao máximo, a tirar partido dos bons e doces momentos desta vida.

JVM

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