©Aditya Basnet / Shooney Films

74ª Berlinale | Shambhala: Uma Adorável Mulher dos Himalaias

Os programadores parecem ter guardado uma preciosidade para o fim da Competição da Berlinale 74: “Shambhala” do realizador nepalês Min Bahadur Bham é uma bela história de amor e resistência de uma mulher contra as convenções sociais, passada nas montanhas dos Himalaias.

A história de “Shambhala”, de Min Bahadur Bham está impregnada da cultura nepalesa, das suas complexidades sociais e de uma paisagem deslumbrante do topo do mundo — foi rodado entre 4.200 e 6.000 metros acima do nível do mar. Este filme belíssimo e surpreendente de 2h30, é uma narrativa que toca a um público global, já que se expressa numa linguagem universal tecida a partir dos fios da nossa humanidade partilhada. Numa aldeia montanhosa dos Himalaias, no Nepal, onde permanecem os casamentos poliândricos — uma mulher para mais do que um homem —, a recém-casada e grávida Pema (Thinley Lhano) tenta tirar o melhor proveito da sua nova vida de esposa. Mas logo o seu primeiro marido, Tashi (Tenzin Dalha), desaparece na rota comercial para Lhasa.

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Acompanhada pelo seu segundo marido, Karma (Sonam Topden), um monge budista de facto, Pema embarca depois sozinha, numa jornada pela implacável paisagem das montanhas pedregosas e dos picos cobertos de neve, para o encontrar, evoluindo essa viagem física e existencial, com o budismo em fundo, para uma busca de auto-descoberta e libertação das convenções sociais da sociedade nepalesa. Com um elenco predominantemente composto por atores não-profissionais escolhidos na região, é incrível que, apesar da sua falta de experiência na representação — inclusive até mesmo dos três protagonistas — a história passa para os espectadores com uma impressionante autenticidade e emoção.

Shambhala
Pema (Thinley Lhano), vivenciando a sua solidão e introspecção. ©Aditya Basnet / Shooney Films




A jornada da protagonista pelas montanhas dos Himalaias, é capturada através de planos longos e fixos, intercalados com trabalho de câmara livre, conferindo ao filme uma qualidade meditativa e envolvente. Estas escolhas estilísticas não parecem ter sido arbitrárias; servem para espelhar o mundo interior de Pema. As paisagens arrebatadoras, retratadas em planos contemplativos, convidam os espectadores a habitar essa mesma paisagem emocional de Pema, vivenciando em primeira mão a sua solidão e introspecção.

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Inspirando-se na filosofia budista, particularmente nas noções de impermanência e atenção plena, a linguagem visual do filme contrasta com a estética tranquila das bandeiras de oração e as vistas das montanhas em constante mudança. No entanto, não se trata de uma adesão rígida aos dogmas do budismo; em vez disso, trata-se de uma fusão de influências ocidentais inclusive, resultando um estilo visual profundamente pessoal e envolvente.

VÊ TRAILER DE “SHAMBHALA”




“Shambhala”, aborda vários temas como amor, casamento, sacrifício e reencarnação, justapondo a tradição com modernidade. Estes temas estão profundamente interligados com o panorama social atual e reflectem, segundo realizador, as tensões e dinâmicas presentes na sociedade nepalesa contemporânea. A jornada de Pema serve para explorar esses temas, desafiando as normas sociais e estimulando conversas nas comunidades locais, mas também uma discussão universal. “Shambhala” é um filme que promove o diálogo e a introspecção, aproveitando o poder do cinema, para provocar pensamento e reflexão.

Shambhala
Uma paisagem deslumbrante do topo do mundo. © Aditya Basnet / Shooney Films

A protagonista Pema (magnificamente interpretada pela bela Thinley Lhano), desafia os estereótipos de uma mulher da montanha, rude e mal cuidada, surgindo inesperadamente como uma figura feminina moderna, articulada e bem vestida. Pema navega pela tradição com reverência, mas ao mesmo tempo desafia as normas ultrapassadas, exemplificadas na sua recusa em ser silenciada.

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A sua jornada não é um conto de fadas convencional, mas antes um reflexo das realidades multifacetadas enfrentadas pelas mulheres no Nepal, mas também por muitas ocidentais. A resiliência de Pema na adversidade e a sua determinação inabalável em traçar o seu próprio destino, servem como fontes de poder, repercutindo-se nos espectadores a um nível mais profundo e emocional. A sua história resume as complexidades da feminilidade contemporânea, oferecendo uma narrativa de esperança e auto-descoberta, que transcende as fronteiras culturais.

JVM

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