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74ª Berlinale | “O cinema não está a morrer, transforma-se” diz Martin Scorsese

Martin Scorsese um dos mais notáveis cineastas norte-americanos, foi distinguido com um Urso de Ouro Honorário, pela sua carreira artística na 74ª Berlinale. Assistimos à conferência de imprensa e recuperámos algumas das sua declarações, partilhando o entusiasmo com que o veterano realizador foi aqui recebido. 

Com uma carreira de mais de 50 anos, Martin Scorsese (“Marty”, para os amigos…) de 81 anos, realizador de “Taxi Driver”, “Touro Enraivecido”, “Tudo Bons Rapazes”, “Casino”,O Lobo de Wall Street”, “The Departed – Entre Inimigos”, entre outros, recebeu há pouco, o Urso de Ouro Honorário da 74ª Berlinale—Festival Internacional de Cinema de Berlim 2024, um galardão que premeia assim o seu extraordinário percurso artístico. Recentemente tornou-se o cineasta mais nomeado aos Óscares e “Os Assassinos da Lua das Flores”, a sua última obra, está nomeada para Melhor Filme. Curiosamente, foi na Berlinale que Scorsese, estreou um dos seus melhores filmes, “Touro Enraivecido”, já lá vão umas décadas:

Martin Scorcese
©74ªBerlinale

“A Berlinale é muito importante para mim, porque foi em 1980, há 20…, 40…, 43 anos, que estreámos aqui “Touro Enraivecido” e, por isso, Berlim tem um lugar muito especial no meu coração. Demorámos algum tempo a voltar, mas regressámos com os Rolling Stones”, disse Scorsese, referindo-se ao filme-concerto “Shine a Light”, o filme de abertura da Berlinale 2008.

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O cineasta tem, nos últimos anos, se dedicado a proteger o património cinematográfico mundial, salvando e restaurando filmes antigos de todo o mundo. Em 2007, inaugurou aliás a Fundação Mundial de Cinema, que tem como objetivo precisamente preservar esses filmes esquecidos e restaurar outros, que entretanto se danificaram. Martin Scorsese fez questão de vir à Berlinale para receber o seu Urso de Ouro Honorário, acompanhando uma retrospectiva sobre a sua obra e assistimos à sua conferência de imprensa.

Martin Scorsese
Martin Scorsese na conferência de imprensa com o director  Carlo Chatrian. ©74ªBerlinale

Scorsese chega, um pouco antes da hora marcada, vestido com um elegante fato azul e com aquele seu sorriso característico que ilumina uma sala inteira, que o esperava ansiosamente depois de algumas horas na fila para entrar. E tudo começou de forma bastante natural e descontraída. Uma jornalista da Geórgia convida-o para visitar o seu país, agradece-lhe pela pessoa que é hoje graças ao seu cinema, convida-o a partilhar um glorioso vinho georgiano e pergunta-lhe como se descreveria “Marty”, numa palavra: “Um mistério”, responde com um grande sorriso.

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Scorsese confessou como via os filmes não-americanos, quando era jovem: os de Satyajit Ray ou de Akira Kurosawa, e como estes filmes, o ajudaram a expandir a sua compreensão do mundo e a sua empatia por pessoas distantes do seu bairro de Nova Iorque. “Talvez crianças semelhantes em todo o mundo possam ver um filme e serem influenciadas por ele; podem não fazer filmes, mas isso pode mudar as suas vidas’, disse.

74ª Berlinale
As fotos de Martin Scorsese expostas no Berlinale Palast. ©74ªBerlinale

Depois veio um momento mais comovente, na conferência de imprensa, quando o realizador, mencionou e já não é a primeira vez a sua velhice e impermanência desta vida: “Estou muito triste com a impermanência da vida, mas não precisa ser impermanente tão cedo. As pessoas dizem que o mundo inteiro vai morrer e eu sei que estamos a caminhar em direção ao sol ou à lua ou algo assim, mas enquanto isso estamos todos aqui. Então, pelo menos vamos comunicar, através da arte”. 




jornalista
O jovem jornalista búlgaro imitou Jack Nicholson em ‘Os Infiltrados’. ©74ª Berlinale

Quando questionado se há algum jovem realizador em quem Scorsese se inspire, respondeu com naturalidade: “Aos 81 anos, o tempo começa a ser um problema. Preciso selecionar os filmes que assisto. Há por exemplo o ‘Vidas Passadas‘, da Celine Song, e o filme ‘Dias Perfeitos‘, do Wim… Tento acompanhar o máximo que posso”. Quando foi questionado se o cinema pode estar a morrer, Scorsese disse: “O cinema não está a morrer, está apenas a transformar-se.(…) Antes, se quiséssemos ver um filme, tínhamos de ir ao cinema. E até aí foi uma experiência comunitária”.

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E continua: “Mas a tecnologia mudou tão rápida e exaustivamente que, de certa forma, a única coisa que podemos realmente manter é a nossa voz individual. A voz individual, quero dizer, a possibilidade de podermos expressar-nos no TikTok, num filme de quatro horas ou numa minissérie de duas horas. Não creio que devamos deixar que a tecnologia nos assuste”, conclui. Porém, “Não se pode ser escravo da tecnologia – temos de controlar a tecnologia e colocá-la na direção certa. A direção certa vem da nossa voz individual, e não de algo que é simplesmente consumido e deitado fora”.

Martin Scorsese
©74ªBerlinale

Um jovem jornalista búlgaro de 21 anos fez descaradamente uma pausa nas perguntas a Scorsese, mostrando um adereço que imprimiu: uma cena de “The Departed – Entre Inimigos”, quando Jack Nicholson grita “Isso não é um reality show” e dizendo que quer causar uma óptima impressão ao também lendário actor. Para surpresa na sala, o jovem jornalista recriou esse momento do filme, com gritos e as expressões de Nicholson. “Não acredito que estou a falar com Martin Scorsese…” foi outro comentário da assistência. Questionado sobre seu momento favorito de 30 segundos, Scorsese brincou: “Você quer dizer no cinema?”, arrebatando risadas na sala, que estava à cunha.

Antes de terminar a conferência de imprensa, houve ainda tempo para Scorsese fazer uma atualização sobre o seu anunciado filme sobre Jesus, provisoriamente intitulado “Uma Vida de Jesus”: “Tenho estado a pensar nesse projecto. Que tipo de filme vou fazer, mas quero fazer algo único e diferente, que possa ser marcante e, espero, também divertido. Não tenho ainda muita certeza do que vou fazer”, diz ele. “As possibilidades de fazer um filme, sobre o conceito de Jesus, a ideia de Jesus vem realmente desde a minha formação, quando cresci no Lower East Side, do meu interesse pelo catolicismo, pelo sacerdócio, o que me levou mesmo, acho eu, em última análise, a fazer o filme como ‘Silêncio’ (2016)”. 

JVM

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