Tre Piani/Ferstival de Cannes ©

74º Festival de Cannes (Dia 6): O Prédio do Moretti

O realizador italiano Nani Moretti, estreou na competição ‘Tre Piani’, um belíssimo filme que conta uma história de vizinhança de gente como nós. Um drama com ele próprio e com os conhecidos actores italianos, Margherita Buy, Riccardo Scamarcio e Alba Rohrwacher.

Nanni Moretti tem participado regularmente no Festival de Cannes e regressa agora com ‘Tre Piani’ à competição. Veio à Croisette pela primeira vez em 1978, com apenas 25 anos, onde apresentou a sua segunda longa-metragem ‘Ecce Bombo’. Entre os vários prémios que aqui recebeu, destaca-se a Palma de Ouro em 2001, com O Quarto do Filho; e sem contar que foi o presidente do júri em 2012, ano da consagração de Michael Haneke, com Amor. ‘Tre Piani’ é, portanto, o 16º filme que Moretti vem exibir no Festival de Cannes. Trata-se de um drama em que o cineasta também dirige a si próprio, assumindo até um dos papéis principais, ao lado das estrelas italianas, Riccardo Scamarcio, Alba Rohrwacher e Margherita Buy. A história gira à volta da vizinhança de um prédio, (‘Tre Piani’ significa três andares, em italiano) adaptada de um romance do escritor israelita Eshkol Nevo, que se passa originalmente em Telavive e que Moretti transpôs para Roma. Longe dos seus malabarismos auto-ficcionais e políticos de outrora, Nanni Moretti, um dos grandes mestres do cinema italiano das últimas décadas, aproximou-se nos seus últimos filmes, de um estilo mais clássico e linear.

VÊ TRAILER DE ‘TRE PIANI’

Em ‘Tre Piani’, tem um registo muito próximo de ‘O Quarto do Filho’ (2001): uma discreta observação das aflições, problemas e desgostos na vida dos seus personagens e dramas familiares. Essa situações, em ‘Tre Piani’, multiplicam-se de uma forma mais ampla, num filme que tem como protagonistas os moradores do referido prédio de três andares, localizado num bairro burguês de Roma. Estamos no coração da Itália, da classe média (e média-alta), onde coexistem juízes, advogados, arquitetos, engenheiros de construção, mulheres sozinhas, crianças e adolescentes problemáticos. Mais do que a especificidade das idades, profissões e da situação financeira dos personagens, Moretti está mais focado na universalidade dos dramas pessoais de cada um (e de todos ao mesmo tempo), que se desencadeiam neste  prédio no seu novo e melancólico filme. ‘Tri piani’ reúne um jovem casal (Elena Lietti e Riccardo Scamarcio) preocupado com o bem-estar da filha de 6 anos que, uma noite, perde-se no parque próximo, com um vizinho mais velho, que apresenta sintomas de demência. Surge também uma jovem mulher (Alba Rohrwacher) que, ao enfrentar a difícil experiência da sua primeira maternidade sozinha e sem a companhia do marido, começa a suspeitar, que pode estar enlouquecendo, como aconteceu com sua mãe. Em outro andar, chega uma atrevida adolescente, que tenta conquistar o personagem interpretado por Scamarcio, um homem casado, que não resiste à tentação.

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Tre Piani
Tre Piani/Festival de Cannes ©

E, por fim, o próprio Moretti e Margherita Buy, (a protagonista de ‘Minha Mãe’), que interpretam um casal de juízes, perto dos 60 anos, que têm de enfrentar a difícil situação jurídica do seu filho rebelde (a ovelha negra da família), ter atropelado e matado uma mulher, num acidente de automóvel, em que estava alcoolizado, quase à porta do prédio. Aliás esta é a sequência que abre surpreendentemente o filme. A partir daí é um cruzar de histórias e premissas dramáticas, que Moretti habilmente compõe num filme, em que a tensão dos conflitos, contrasta com uma encenação tremendamente abafada e contida, alheia a qualquer exibição estética ou espectacular. Pelo contrário o realizador, desenvolve esta história — com duas elipses de cinco anos cada, que rompem violentamente com a narrativa — com uma admirável economia formal e dramática. E aborda temas tão comuns, humanos e universais como, os medos e as inseguranças que a paternidade gera, a dor da ausência e perda, as dificuldades da passagem à idade adulta ou o despertar da mortalidade e da nossa finitude.

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Tre Piani
Tre Piani/Festival de Cannes ©

Enfim, com base, nesse modelo literário e cinematográfico das histórias cruzadas, com muitas personagens, e colocando tudo no mesmo saco, Moretti até pode parecer desta vez mais superficial, que nos seus filmes anteriores.  Mas não, ‘Tre Piani’, é um filme magnífico onde tudo está alinhado e conjugado como um sistema nervoso, feito na linha de obras tão memoráveis e filmes-mosaico, como Magnólia, de Paul Thomas Anderson, ‘Short-Cuts-Os Americanos’, de Robert Altmam ou Yi Yi-As Coisas Simples da Vida’, de Edward Yang, entre-outros. O realizador italiano partilha com estes filmes e estes realizadores, a sua enorme vontade de olhar para fora, para as pessoas vivas e reais, mostrando um enorme respeito pelos seus personagens, pelas suas dificuldades e alegrias e pela sua condição humana, independentemente da classe ou do estatuto social. Muito bom!

JVM

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